Encenador de Minde apresenta “Lago dos Cisnes” e desafia cânones dos corpos perfeitos

Daniel Gorjão, natural de Minde, criou uma versão de “O Lago dos Cisnes” que pretende juntar a herança do bailado a uma linguagem teatral, concretizada em intérpretes que desafiam o padrão dos corpos perfeitos.
O encenador Daniel Gorjão, natural de Minde, no concelho de Alcanena, inspirou-se no bailado “O Lago dos Cisnes” para criar uma versão que rompe com o cânone dos corpos perfeitos e leva ao palco a diversidade humana, numa opção que diz ser assumidamente política. A peça transdisciplinar, que junta a dança e o texto de André Tecedeiro, estreia no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, partindo em seguida em digressão nacional para Ovar, Penafiel e Loulé. “Um dos pontos importantes para mim na criação desta peça foi quebrar o cânone do ballet clássico de perfeição e beleza. Fizemos uma audição para escolher pessoas que têm corpos reais, diferentes dos usados tipicamente no ballet, mais políticos, e normalmente sem acesso regular aos palcos”, explicou o encenador em entrevista à Lusa.
“O Lago dos Cisnes” é um bailado clássico composto por Piotr Ilitch Tchaikovsky em 1875-1876, e considerado das obras mais emblemáticas do repertório da dança clássica, que ao longo dos tempos conheceu várias interpretações e finais alternativos, variando entre o trágico e o redentor. O bailado é habitualmente apresentado por intérpretes com “corpos padronizados”, mas, neste trabalho, esse é um dos aspectos mais explorados no sentido inverso, da diversidade, sublinhou o encenador nascido em Minde em 1984, que ingressou em 2003 na Companhia do Teatro Politeama, onde trabalhou com Filipe La Féria até 2009 e no ano seguinte fundou o colectivo Rosa74 Teatro.
Questionado sobre como tem observado a abertura do público para a questão da diversidade, o artista afirmou: “há pessoas que aceitam e outros rejeitam a diversidade. Tem havido um despertar, mas é sempre bom abordar e relembrar, até de uma forma política”. “Nas artes, há um movimento de trazer novos corpos aos palcos, mas é preciso que não seja esporádico. Neste espectáculo, os corpos são algo político e interessa-me que seja assim”, sublinhou o criador que se destacou com espectáculos como “Beco da Saudade”, “Radiografia de um Nevoeiro Imperturbável”, “Sempre Noiva” e “Uma Solidão Igual à Minha”.
O encenador considerou ainda que “é sempre bom recordar que estas pessoas existem e têm de ter o seu espaço”, alertando que “pode haver um retrocesso [no regime político do país] se continuar esta deriva para uma direita radical”. Nesse cenário, Daniel Gorjão acredita que “é completamente possível que não se possam apresentar determinados corpos em cena, por isso [há que] o fazer, e lutar por essa diversidade”.
Com direcção artística de Daniel Gorjão e texto original de André Tecedeiro, “O Lago dos Cisnes” esteve em cena no CCB de 28 a 30 de Maio, com interpretação em Língua Gestual Portuguesa no dia 29 de Maio. Depois da estreia em Lisboa, será apresentado no Centro de Arte de Ovar, a 6 de Junho, no Ponto C, em Penafiel, a 21 de Junho, e no Cineteatro Louletano, em Loulé, a 5 de Outubro.