Cultura | 18-06-2025 15:00

Luiz Rocha: uma vida entre tesouras e guitarras portuguesas

Luiz Rocha: uma vida entre tesouras e guitarras portuguesas
Luiz Rocha assinala 45 anos de percurso artístico com “Fado por Lisboa” - foto O MIRANTE

Luiz Rocha, residente em São João dos Montes, é fadista com carteira profissional. Com 45 anos de percurso artístico, trabalhou com nomes como Fernando Maurício, Maria da Fé e Hermínia Silva e conheceu um dos seus ídolos, a fadista Amália Rodrigues. Foi cabeleireiro durante 36 anos, criador do grupo Artistas Propalco e lançou vários discos. Defensor do fado tradicional, critica a falta de espaço nas televisões e rádios e acredita que o fado se sente, não se aprende.

Luiz Rocha tinha 35 anos quando decidiu procurar o nome de Amália Rodrigues na lista telefónica. Ligou, falou com a secretária da fadista e perguntou se era possível deixar a biografia que tinha acabado de sair, na esperança de um autógrafo. Do outro lado, ouviu: “espere só um bocadinho”. E foi a própria Amália quem veio ao telefone. Convidou-o a levar o livro pessoalmente a sua casa e a tomar café com ela. Para espanto de Luiz Rocha, a fadista ainda tinha guardada na gaveta a cassete que ele lhe tinha enviado tempos antes, com uma música dedicada a ela. Ficaram até às quatro da manhã a ouvir música e a conversar. “A forma como ela me recebeu… Isso hoje não existe. Não há camaradagem entre os artistas”, recorda com emoção.
Com um percurso artístico de 45 anos, Luiz Rocha começou a ter contacto com o fado aos 15 anos, quando começou a frequentar as casas de fado do Bairro Alto. Aos 17 anos começou a cantar todos os dias numa casa de fados em Sacavém. Durante 36 anos foi também cabeleireiro de homens. Começou como empregado e passou a patrão. Em paralelo esteve sempre o fado. Chegava a casa de madrugada, sentava-se na cadeira a descansar, sem dormir, e às 09h00 abria o cabeleireiro. Agora, aos 63 anos, já aposentado, a vitalidade não é a mesma. “Os últimos anos têm sido difíceis, porque já não tenho a mesma estaleca. Antes, chegava das noites de fado e nem ia à cama, porque se me deitasse já não acordava”, conta.

As boleias a Fernando Maurício e o fim das actuações gratuitas
Na Casa do Alentejo, em Lisboa, recebeu a carteira profissional de fadista, entregue por Cândido Mota. Pouco tempo depois, foi apadrinhado pelos fadistas Tristão da Silva Júnior, Fernanda Baptista e Gina Maria. Ao longo dos anos, conheceu e partilhou vivências com artistas como Fernando Maurício, Vasco Rafael, Maria da Fé, Hermínia Silva e Lenita Gentil.
No baú das memórias, recorda as boleias que dava ao fadista Fernando Maurício, que não tinha carta de condução. “Eu chegava a cantar às 22h00, mas esperava por ele até às 03h00 para o levar a casa. Uma noite, quando cheguei ao carro, tinham-me roubado o auto-rádio e mais de 40 cassetes do Fernando Maurício. Ele vinha comigo e ofereceu-me depois as cassetes que me tinham roubado”, conta.
Luiz Rocha morou vários anos na Póvoa de Santa Iria, na Quinta da Piedade. Trocou a cidade, há seis anos, pela tranquilidade de São João dos Montes, também no concelho de Vila Franca de Xira. No seu percurso, além do fado, participou em musicais, teatro e revistas. Foi mentor do grupo “Artistas Propalco”, com bailarinas, que cantava êxitos dos Festivais da Canção, marchas populares, filmes portugueses e fado. Andou cinco anos pelo país em digressão e subiu 42 vezes ao palco. “Não me custa pedir, custa-me mendigar. Ligaram-me muitas vezes para cantar de borla, mas tenho um preço. Acabei com as borlas, excepto em eventos de solidariedade, em que vou de bom grado a custo zero”, explica.

Para cantar fado do Ribatejo, tem de se ter raízes na Lezíria
Luiz Rocha, conservador assumido, defende as raízes do fado com guitarra portuguesa, viola e viola baixo. “Estas novas roupagens não me dizem nada. A tradição tem de ser respeitada. Se quiserem, dêem-lhe outro nome, mas não fado. Gosto de ouvir a Raquel Tavares e a Carminho, que dá a volta aos fados antigos, mas não os deturpa”, vinca.
O fadista lamenta ainda a falta de espaço para os artistas apresentarem os seus trabalhos, nomeadamente na televisão pública e nas rádios. “Os fadistas não têm espaço na televisão. É tudo pimbalhada. Andaram a criticar anos e anos o acordeão, por ser piroso, mas não há um artista que vá à televisão sem acordeão ou concertina. Há 30 anos, tive bailarinas no palco e fui criticado. Agora voltaram as bailarinas. É tudo uma contradição”, considera.
Sobre o fado do Ribatejo, onde reside, tem opinião clara: “É muito ligado aos toiros, aos cavalos, aos campinos. Só tenho um fado nesse registo, o Cavalo Russo. Para cantar fado do Ribatejo, tem de se ter ligação à Lezíria, é preciso ter raízes”. Para assinalar os 45 anos de percurso artístico, lançou recentemente o CD Fado por Lisboa, que conta com a participação da filha, Cátia Rocha, e dos músicos Arménio de Melo e Carlos Macieira. Participaram ainda os poetas Mário Rui Pereira e Joaquim Nogueira Marques. Na sua discografia contam-se sete cassetes, dez CDs e um single de 45 rotações.

Mais Notícias

    A carregar...
    Logo: Mirante TV
    mais vídeos
    mais fotogalerias

    Edição Semanal

    Edição nº 1721
    18-06-2025
    Capa Médio Tejo
    Edição nº 1721
    18-06-2025
    Capa Lezíria Tejo
    Edição nº 1721
    18-06-2025
    Capa Vale Tejo