Rosário Lopes é a alma do Museu João Mário em Alenquer

Há 15 anos que Rosário Lopes percorre as salas do Museu João Mário com a mesma paixão. A funcionária da Câmara de Alenquer recusa a reforma para continuar a partilhar a história do mestre, falecido em Fevereiro.
Rosário Lopes, funcionária da Câmara de Alenquer e professora de arte no museu dedicado ao mestre João Mário, conta já com 15 anos de dedicação àquele espaço cultural. Com 70 anos, podia já ter-se aposentado, mas a paixão pelo museu e a admiração pelo pintor, falecido este ano, falaram mais alto. “Fui inquilina do João Mário e já o admirava profundamente. Um dia, ligou-me e pediu-me que viesse ter com ele. Não sabia o que pretendia, disse-me apenas para vir para aqui. Fiquei encantada”, recorda. Hoje, por amor à camisola, está todos os dias no museu, excepto às segundas-feiras, dia de fecho.
O museu, que muitos visitantes confundem com uma antiga habitação, é um espaço dinâmico com exposições temporárias e permanentes. As visitas guiadas conduzidas por Rosário Lopes percorrem as várias salas com obras do mestre João Mário, bem como de amigos e artistas que passaram pelo espaço ao longo dos anos. “Sentam-se no auditório e eu apresento-lhes a história do museu. Surpreendem-se sempre, porque não sabem o que vão encontrar”, conta. O espaço, localizado numa rua estreita no centro da vila de Alenquer, alberga mais de 800 pinturas e esculturas e é visitado por grupos escolares, alunos das universidades seniores e famílias de várias zonas do país.
João Mário faleceu aos 92 anos e até ao fim da vida era presença assídua no museu. Talvez daí se explique o sentimento da funcionária face ao seu desaparecimento. “Sinto-o ainda aqui. Era como um pai para mim. Uma pessoa muito humana, tratava todos da mesma maneira, sempre bem-disposto, para ele estava sempre tudo bem”, recorda com saudade.
O homem por detrás do artista
Joaquina Raimundo, uma das fundadoras da associação cultural Gerábriga, de Alenquer, e amiga pessoal de João Mário, conhece bem o percurso do pintor e escreveu as memórias da sua vida em dois livros, disponíveis no museu. A obra do mestre e o seu espólio foram alvo de visita por parte de diversas personalidades nacionais, entre as quais se contam o historiador Veríssimo Serrão, o historiador José Hermano Saraiva, o jornalista Baptista-Bastos, a escritora Agustina Bessa-Luís, a actriz Eunice Muñoz, Jorge Sampaio (então Presidente da República) e a actriz Simone de Oliveira. Críticos de arte italianos, coleccionadores, pintores e músicos também marcaram presença em Alenquer.
“O João Mário era um ser humano excepcional, que desafiou todas as adversidades para trazer valor e cultura à sua terra. Era pintor, mas, antes de tudo, um ser humano de grande dimensão intelectual e humana”, recorda a amiga. Joaquina Raimundo reitera que o pintor teve o carinho e o reconhecimento das pessoas, mas gostaria que Alenquer fosse mais longe. “Ele merece uma estátua ou um busto em Alenquer, e a rua do museu deve ter o seu nome. Acho que vai haver abertura para isso”, afirma.
O autarca pintor que deu alma à vila presépio
O pintor João Mário Ayres d’Oliveira faleceu no dia 26 de Fevereiro deste ano, aos 92 anos, tendo sido decretado luto municipal em Alenquer por dois dias. Começou por ser vereador municipal em 1963 e, mais tarde, ocupou o cargo de presidente do município entre 21 de Abril de 1967 e 18 de Junho de 1974, tendo sido o primeiro a desempenhar funções pós-revolução dos cravos.
Nascido em Lisboa a 26 de Setembro de 1932, João Mário dedicou a vida a Alenquer e às artes. Foi na vila-presépio que mostrou ser um pintor naturalista com reconhecimento nacional. Discípulo de António Duarte Almeida e Domingos Rebelo, frequentou os cursos de pintura e desenho da Sociedade Nacional de Belas Artes e expôs em cidades como Madrid, Lisboa, Porto e Leiria.
O Presépio Monumental, figura icónica de Alenquer, saiu da mente de João Mário. Após as cheias de 1967, o então presidente da câmara imaginou a homenagem, que ainda hoje perdura, às centenas de vítimas da catástrofe sentida pela comunidade. O Museu João Mário abriu portas em 1992 e recebe, desde então, milhares de visitantes que pretendem ver, de forma livre, as mais de 400 obras expostas do mestre ou de autores reconhecidos como Silva Porto, José Malhoa, Veloso Salgado, Ortiz Alfau, Vicente Romero ou Helena Abreu.
João Mário esteve sempre ligado ao associativismo, tendo desempenhado vários cargos nas colectividades. Em 1993 recebeu o grau ouro da Medalha de Mérito Municipal e tem em Alenquer, no lugar de Casais Novos, uma rua com o seu nome.