Cultura | 19-08-2025 18:00

Há uma associação em Coruche que luta há décadas pela valorização do património do concelho

Há uma associação em Coruche que luta há décadas pela valorização do património do concelho
Luís Marques e Dulce Patarra são dois dos rostos da Associação de Defesa do Património de Coruche - foto O MIRANTE

Associação de Defesa do Património de Coruche nasceu em 1986 e a sua actividade engloba várias vertentes associadas à riqueza natural e cultural do concelho. Dirigentes reflectiram sobre aposta da autarquia no património e perspectivaram futuro do concelho.

Luís Marques nasceu no Brasil mas cresceu na zona de Sintra. Chegou a Coruche por mero acaso, quando uma passagem pelo concelho lhe revelou um território que, segundo diz, tinha “algo de antigo, histórico e ligado ao rio” que lhe ficou na memória. Já com o curso de arquitectura terminado, decidiu concorrer a uma vaga no município. Foi admitido e ali trabalhou durante mais de 35 anos, acompanhando de perto a forma como o concelho foi cuidando, “ou deixando de cuidar”, do seu património. Actualmente reformado, mantém-se atento através da presidência da Associação de Defesa do Património de Coruche, da qual é membro desde a sua chegada à vila.
A colectividade foi fundada em 1986, numa época em que as autarquias “não davam tanta atenção” a questões como o património cultural e natural dos concelhos. Apesar de nos dias que correm as coisas serem diferentes, a associação continua a promover e lutar por uma maior valorização da “fortuna” que o concelho dispõe, desde o infindável montado de sobro às mais emblemáticas tradições. A associação tem-se dedicado a editar e reeditar publicações ligadas à história e cultura locais, como o livro de receitas tradicionais de Coruche, agora em preparação para uma nova edição enriquecida com mais memórias e ingredientes. “Apoiamos também trabalhos de associados que queiram escrever sobre o património ou aspectos da vida local”, explica a O MIRANTE.
Entre as suas actividades regulares está o Verdilhão, um boletim semestral que funciona como memória escrita da associação. Ali se registam passeios, encontros, iniciativas culturais e artigos dedicados ao património do concelho. Para Luís Marques, o Verdilhão é mais do que um simples boletim, é uma forma de envolver associados e manter viva a ligação da comunidade ao seu passado. Mas nem tudo é papel e tinta. A associação tem um coro de canções populares, mantém actividades culturais e vai até participar pela primeira vez no célebre cortejo etnográfico das Festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo, apesar de reconhecer que o ritmo de trabalho foi mais intenso no passado. “Faltam novas gerações interessadas no património. É preciso envolver mais jovens, porque as associações que surgiram nos anos 80 e 90 nasceram precisamente para colmatar a falta de atenção das câmaras municipais à cultura e ao património”, sublinha.

Um potencial por explorar
Dulce Patarra nasceu e cresceu em Torres Novas, estudou Conservação e Restauro em Tomar e acabou, como diz com humor, “a meio caminho da linha do comboio”. Veio para Coruche estagiar e actualmente é técnica superior do museu municipal, dividindo o tempo com o voluntariado na Associação de Defesa do Património. Quando se fala de turismo, tanto Luís como Dulce vêem um potencial ainda por explorar. Reconhecem que o concelho tem uma gastronomia rica, um centro histórico tranquilo e uma envolvente natural que poderia atrair visitantes em busca de experiências fora dos grandes centros urbanos. Mas não deixam escapar algumas fragilidades, como a falta de alojamento e a degradação de muitos espaços que deviam ter mais atenção. “Há património abandonado, vandalizado, sem qualquer utilização. E depois falta uma estratégia de aproveitamento turístico que seja equilibrada, sem exploração excessiva e com melhoria de acessos”, admitem, não deixando de reconhecer o planeamento do município para aproveitar alguns espaços, como a criação da praia fluvial do Sorraia ou o novo elevador panorâmico da Calçadinha. Na defesa do património cultural, a associação não ignora a tauromaquia, que considera ter história e tradição no concelho. No entanto, alerta para a perda de elementos do património natural e edificado. Luís Marques dá o exemplo do centro histórico da vila de Coruche, que necessita de maior aposta em comércio e uma organização mais eficiente para não ter as ruas desertas.

O caso das estações de comboio
O concelho de Coruche alberga cinco estações de comboio, todas abandonadas, integrantes da extinta linha de Vendas Novas. Para a associação, estas estruturas carregam em si alguma história e podiam ser transformadas em espaços culturais. Luís Marques recorda vários casos de antigas estações ferroviárias que a associação chegou a fotografar e documentar, mas que continuam votadas ao abandono. O presidente da associação defende que estas estruturas deviam ter outro aproveitamento, como núcleos museológicos. A associação defende que a recuperação das estações poderia andar de mãos dadas com a reactivação de algumas linhas de passageiros. Uma ideia que, para Luís Marques, ganha ainda mais sentido perante a possibilidade de construção de um aeroporto próximo. O arquitecto aponta que muitos jovens acabam por sair do concelho porque não têm alternativas de mobilidade económicas e regulares para estudar ou trabalhar fora. “Se a câmara investisse numa ligação consistente de comboio ou autocarro para Lisboa, muitos ficariam a viver aqui”, defende, reconhecendo que a mobilidade continua a ser um dos problemas do concelho.
A relação com outras associações culturais é cordial, mas pouco próxima. Já houve colaborações pontuais, como na recolha de canções junto de ranchos folclóricos, mas não existe um trabalho articulado. O maior exemplo acontece durante os “Sabores do Toiro Bravo”, em que a associação encena uma taberna tradicional para receber clientes. Apesar das dificuldades, a Associação de Defesa do Património de Coruche mantém-se activa e disponível para novas iniciativas. Para Luís e Dulce, preservar não é apenas guardar o passado, é criar condições para que as memórias, tradições e espaços do concelho continuem vivos. “Não basta dizer que gostamos do património. É preciso agir para que ele não desapareça”, concluem.

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