Há uma associação em Coruche que luta há décadas pela valorização do património do concelho

Associação de Defesa do Património de Coruche nasceu em 1986 e a sua actividade engloba várias vertentes associadas à riqueza natural e cultural do concelho. Dirigentes reflectiram sobre aposta da autarquia no património e perspectivaram futuro do concelho.
Luís Marques nasceu no Brasil mas cresceu na zona de Sintra. Chegou a Coruche por mero acaso, quando uma passagem pelo concelho lhe revelou um território que, segundo diz, tinha “algo de antigo, histórico e ligado ao rio” que lhe ficou na memória. Já com o curso de arquitectura terminado, decidiu concorrer a uma vaga no município. Foi admitido e ali trabalhou durante mais de 35 anos, acompanhando de perto a forma como o concelho foi cuidando, “ou deixando de cuidar”, do seu património. Actualmente reformado, mantém-se atento através da presidência da Associação de Defesa do Património de Coruche, da qual é membro desde a sua chegada à vila.
A colectividade foi fundada em 1986, numa época em que as autarquias “não davam tanta atenção” a questões como o património cultural e natural dos concelhos. Apesar de nos dias que correm as coisas serem diferentes, a associação continua a promover e lutar por uma maior valorização da “fortuna” que o concelho dispõe, desde o infindável montado de sobro às mais emblemáticas tradições. A associação tem-se dedicado a editar e reeditar publicações ligadas à história e cultura locais, como o livro de receitas tradicionais de Coruche, agora em preparação para uma nova edição enriquecida com mais memórias e ingredientes. “Apoiamos também trabalhos de associados que queiram escrever sobre o património ou aspectos da vida local”, explica a O MIRANTE.
Entre as suas actividades regulares está o Verdilhão, um boletim semestral que funciona como memória escrita da associação. Ali se registam passeios, encontros, iniciativas culturais e artigos dedicados ao património do concelho. Para Luís Marques, o Verdilhão é mais do que um simples boletim, é uma forma de envolver associados e manter viva a ligação da comunidade ao seu passado. Mas nem tudo é papel e tinta. A associação tem um coro de canções populares, mantém actividades culturais e vai até participar pela primeira vez no célebre cortejo etnográfico das Festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo, apesar de reconhecer que o ritmo de trabalho foi mais intenso no passado. “Faltam novas gerações interessadas no património. É preciso envolver mais jovens, porque as associações que surgiram nos anos 80 e 90 nasceram precisamente para colmatar a falta de atenção das câmaras municipais à cultura e ao património”, sublinha.
Um potencial por explorar
Dulce Patarra nasceu e cresceu em Torres Novas, estudou Conservação e Restauro em Tomar e acabou, como diz com humor, “a meio caminho da linha do comboio”. Veio para Coruche estagiar e actualmente é técnica superior do museu municipal, dividindo o tempo com o voluntariado na Associação de Defesa do Património. Quando se fala de turismo, tanto Luís como Dulce vêem um potencial ainda por explorar. Reconhecem que o concelho tem uma gastronomia rica, um centro histórico tranquilo e uma envolvente natural que poderia atrair visitantes em busca de experiências fora dos grandes centros urbanos. Mas não deixam escapar algumas fragilidades, como a falta de alojamento e a degradação de muitos espaços que deviam ter mais atenção. “Há património abandonado, vandalizado, sem qualquer utilização. E depois falta uma estratégia de aproveitamento turístico que seja equilibrada, sem exploração excessiva e com melhoria de acessos”, admitem, não deixando de reconhecer o planeamento do município para aproveitar alguns espaços, como a criação da praia fluvial do Sorraia ou o novo elevador panorâmico da Calçadinha. Na defesa do património cultural, a associação não ignora a tauromaquia, que considera ter história e tradição no concelho. No entanto, alerta para a perda de elementos do património natural e edificado. Luís Marques dá o exemplo do centro histórico da vila de Coruche, que necessita de maior aposta em comércio e uma organização mais eficiente para não ter as ruas desertas.
O caso das estações de comboio
O concelho de Coruche alberga cinco estações de comboio, todas abandonadas, integrantes da extinta linha de Vendas Novas. Para a associação, estas estruturas carregam em si alguma história e podiam ser transformadas em espaços culturais. Luís Marques recorda vários casos de antigas estações ferroviárias que a associação chegou a fotografar e documentar, mas que continuam votadas ao abandono. O presidente da associação defende que estas estruturas deviam ter outro aproveitamento, como núcleos museológicos. A associação defende que a recuperação das estações poderia andar de mãos dadas com a reactivação de algumas linhas de passageiros. Uma ideia que, para Luís Marques, ganha ainda mais sentido perante a possibilidade de construção de um aeroporto próximo. O arquitecto aponta que muitos jovens acabam por sair do concelho porque não têm alternativas de mobilidade económicas e regulares para estudar ou trabalhar fora. “Se a câmara investisse numa ligação consistente de comboio ou autocarro para Lisboa, muitos ficariam a viver aqui”, defende, reconhecendo que a mobilidade continua a ser um dos problemas do concelho.
A relação com outras associações culturais é cordial, mas pouco próxima. Já houve colaborações pontuais, como na recolha de canções junto de ranchos folclóricos, mas não existe um trabalho articulado. O maior exemplo acontece durante os “Sabores do Toiro Bravo”, em que a associação encena uma taberna tradicional para receber clientes. Apesar das dificuldades, a Associação de Defesa do Património de Coruche mantém-se activa e disponível para novas iniciativas. Para Luís e Dulce, preservar não é apenas guardar o passado, é criar condições para que as memórias, tradições e espaços do concelho continuem vivos. “Não basta dizer que gostamos do património. É preciso agir para que ele não desapareça”, concluem.