No coração da Ribeira de Santarém o folclore continua a unir gerações

Fundado em 1972, o Rancho Folclórico da Ribeira de Santarém mantém vivo o legado cultural da comunidade através de um trabalho rigoroso de preservação. Entre esforços para captar novos membros e a organização do histórico Festival “Rio Tejo”, o grupo continua a afirmar-se como guardião da identidade cultural ribeirinha, recusando estereótipos e defendendo uma representação fiel e autêntica do passado.
À entrada do Museu Etnográfico da Ribeira de Santarém, o som de instrumentos mistura-se com conversas e risos, e os elementos do Rancho Folclórico da Ribeira fazem uma pausa do ensaio geral para o XXXVI Festival de Folclore “Rio Tejo”, que decorreu a 16 de Agosto. Dentro do edifício, onde funciona também a sede do rancho, reúnem-se instrumentos, trajes e fotografias que retratam o quotidiano de um tempo em que as danças se faziam ao ritmo de harmónicas e bandolins.
A ligação à museologia é assumida como parte essencial deste rancho fundado em 1972, filiado na Federação do Folclore Português há décadas e reconhecido como uma das colectividades etnográficas de referência da região. O museu na sede, criado em 2011, resulta de um processo de recolha e estudo iniciado por Manuel José Menino, fundador e actual presidente, que foi reunindo peças, trajes e utensílios autênticos da localidade. “A museologia está de braço dado com a etnografia e o folclore não pode fugir a isso e nem deve”, destaca em conversa com O MIRANTE. Manuel Menino relembra que o rancho nasceu com uma abordagem mais leviana e regional, ajustada ao gosto da época que apostava na cor, danças rápidas e num imaginário ribatejano muitas vezes estereotipado. Contudo, o fundador salienta que após um processo de reflexão e investigação profunda nos anos 80, o grupo reconstruiu-se de acordo com as verdadeiras tradições da população ribeirinha, onde foi elaborado um trajado mais sóbrio, substituindo as “saias vistosas”, e onde se adoptou os ritmos comedidos que marcavam as danças da época. Hoje, as cerca de 20 modas apresentadas pelo rancho resultam de uma recolha profunda, caracterizadas por ritmos pausados, acompanhados por instrumentos tradicionais como o almude, a narrachada, ferrinhos ou o reque-reque.
Ao longo de mais de cinco décadas, o rancho percorreu palcos de norte a sul do país e participou em vários festivais internacionais de folclore, com Manuel Menino a salientar que o grupo ainda mantém uma estrutura humilde e comunitária, assente em cerca de 35 elementos com idades desde os 14 e os 70 anos. Apesar de sentir algumas dificuldades financeiras, o grupo resiste ao tempo através de apoios da autarquia e também de eventos organizados pelo próprio rancho, como tardes de jogos tradicionais, festas e principalmente o Festival “Rio Tejo”, que todos os anos junta na Ribeira de Santarém centenas de pessoas e grupos federados de todo o país.
O compromisso de preservar as tradições
Nos ensaios para o festival, enquanto se afinam passos e entradas, também se discutem rifas, mesas para o jantar, acolhimento de grupos convidados e horários logísticos. O ambiente é descontraído, mas o sentido de responsabilidade é notório, onde aliado ao rigor técnico está a dimensão social que o presidente insiste em transmitir às novas gerações. “A missão de um rancho não deve ser só cantar e dançar bem, mas representar a freguesia local com dignidade e valores e é isso que tento incutir a todos, especialmente aos jovens”, explica, reforçando que o folclore é também uma forma de formação cívica.
Atrair jovens continua a ser um dos desafios de muitos ranchos, num tempo onde existem múltiplas ofertas de actividades, mas na Ribeira o entusiasmo de elementos jovens como João Menino provam que a ligação de jovens ao rancho ainda se mantém viva. Com uma longa lista de familiares ligados ao grupo, o jovem de 16 anos vê no rancho uma forma de honrar a sua terra e perpetuar as tradições ribeirinhas. “O folclore já não é algo que os jovens gostem muito, mas eu gosto e é uma forma de dar o meu contributo à terra”, frisa. O trabalho de renovação geracional vai acontecendo com paciência, explicando Manuel Menino que a diferença do grupo da Ribeira em relação a muitos outros, está no empenho e na verdadeira fidelidade às tradições. “Há muitos pseudo ranchos que não retratam bem a essência das tradições e cultura da sua localidade, então deve-se valorizar aqueles que de facto fazem esse trabalho. Um país sem tradições não tem identidade e os ranchos são guardiões da cultura tradicional”, sublinha, com convicção.