No Rancho Folclórico da Fajarda as tradições passam de geração em geração

Entre bailes que deram origem a namoros, trajes recuperados dos baús e a luta constante por atrair jovens, o Rancho Folclórico da Fajarda é, há décadas, um símbolo cultural do concelho de Coruche. Com 55 elementos de várias gerações, leva para os palcos a cor e a alma da localidade.
O Rancho Folclórico da Fajarda é, há várias décadas, um dos emblemas culturais do concelho de Coruche. A história da colectividade começou em 1954, quando, em colaboração com a Casa do Povo, um grupo de fajardenses decidiu dar forma organizada às danças e cantares que, de modo espontâneo, animavam festas e romarias locais. O agrupamento inicial durou cerca de onze anos e após um período de inactividade, em 1979, homens e mulheres da terra resolveram recuperar a tradição. Revolveram baús, ouviram os mais velhos, recolheram memórias e constituíram o actual Rancho Folclórico da Fajarda, que desde então tem representado o vale do Sorraia e a alma ribatejana.
Telmo Ferreira, presidente da colectividade, faz parte do grupo desde os 14 anos e leva uma vida ligada à representação das tradições da sua localidade. Actualmente, o rancho conta com cerca de 55 elementos, dos mais novos aos mais velhos. “O mais novo tem 8 anos e o mais velho tem quase 80”, sublinha. A diversidade etária é um dos orgulhos do grupo, que conseguiu reunir várias gerações em torno da mesma paixão, mas também a forte presença de elementos de outras localidades. “Tenho grande orgulho daqueles que são da Fajarda e que representam as nossas tradições, mas temos um especial carinho e gratidão para aqueles que, sendo de fora, se juntam a nós e sempre trajam”, acrescenta o presidente.
Essa dimensão familiar e comunitária é também sublinhada pelas veteranas Filomena Marques e Maria Manuela Cotrim, que fazem parte do grupo desde o ressurgimento em 1979. “Sempre dancei no rancho. Comecei a namorar no rancho, casei, tive a minha filha e toda a gente passou pelo grupo”, conta Filomena, numa declaração que espelha o valor afectivo do agrupamento.
O rancho tem, desde 1996, assento na Federação do Folclore Português e está inscrito no INATEL. Para além das actuações, realiza um trabalho de recolha e preservação etnográfica, sobretudo no que toca a trajes e utensílios. No início, o guarda-roupa era simples: os homens vestiam de preto com camisa branca, e as mulheres usavam saias iguais, variando apenas a cor. Com o tempo, o grupo investiu em pesquisas e recuperou peças originais do início do século XX. “Fomos fazendo recolhas etnográficas e aperfeiçoando. Começámos a ter até os originais e fizemos cópias desses trajes. Perguntámos aos avós como se vestia em 1910, 1920, 1930, e assim evoluímos”, recorda Maria Manuela. Actualmente, o espólio de indumentária constitui um património valioso e é uma das marcas de autenticidade do Rancho Folclórico da Fajarda.
Apesar da vitalidade, o grupo enfrenta dificuldades comuns ao associativismo: atrair jovens e garantir meios financeiros. “Às vezes conseguimos que entrem em crianças, mas quando chegam à adolescência acabam por abandonar, por vergonha ou porque os colegas ainda associam o folclore a algo para mais velhos”, lamenta Telmo Ferreira.
No caso de Raquel Espada, de 19 anos, a paixão pela dança sobrepôs-se a tudo o resto. Natural da freguesia do Couço, pertencente ao concelho de Coruche, juntou-se ao rancho pela influência de familiares, que acredita ser um factor comum a grande parte dos jovens com quem partilha palco. “É importante preservarmos as nossas tradições”, afirma.
Muitas actuações e novo disco na forja
Em termos de actividade, o grupo vive actualmente um período intenso. Só no último ano tiveram onze semanas consecutivas de actuações e organizaram diversos eventos, incluindo almoços e encontros culturais. Gravaram também um novo trabalho discográfico, que em breve será lançado, dando continuidade a uma linha de divulgação musical que complementa as apresentações ao vivo. A tudo isto junta-se ainda a recriação de representações etnográficas no habitual desfile nas festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo e em festivais do Conselho Internacional de Festivais Folclóricos e Artes Tradicionais.
Manter esta dinâmica exige, no entanto, um esforço financeiro significativo. “Os trajes são muito caros, as deslocações são terríveis e os autocarros custam imenso”, explica Telmo Ferreira, reconhecendo que o apoio dado pelo município tem sido fundamental. “Acredito que em Coruche estamos bem servidos no que toca a apoios ao associativismo”, diz.
O Rancho Folclórico da Fajarda é, assim, mais do que um agrupamento de danças e cantares. É uma escola de memória, onde se transmite a tradição, um espaço de convivência intergeracional e uma verdadeira família alargada. Os trajes, músicas e cantares são um espólio patrimonial, mas também uma expressão viva da identidade local. O rancho continua a elevar o nome da Fajarda fora de portas e reafirma que a cultura popular é uma das mais sólidas raízes da comunidade.