Cultura | 22-09-2025 21:00

SamoraJogar celebra quatro anos e pondera profissionalizar-se para crescer

SamoraJogar celebra quatro anos e pondera profissionalizar-se para crescer
Voluntários reúnem-se todas as semanas na biblioteca de Samora Correia - foto O MIRANTE

Quatro anos depois de nascer como resposta ao isolamento da pandemia, o SamoraJogar tornou-se um projecto de referência na dinamização do jogo de tabuleiro em Samora Correia e na região. Assente no voluntariado, envolve dezenas de famílias e parceiros, mas os fundadores admitem que o futuro poderá passar pela profissionalização para garantir sustentabilidade e crescimento.

Foi em 2020, quando a pandemia obrigou escolas e famílias a viverem confinadas ao digital, que nasceu o SamoraJogar. Carlos Sousa, especialista em cibersegurança, e a mulher, Sónia Sousa, que esteve ligada à acção educativa, procuravam uma alternativa ao excesso de ecrãs. “Queríamos ter os filhos e até os avós à volta da mesa, com um programa que ocupasse, divertisse e ensinasse sem ser através do computador”, recordam. O primeiro passo foi em casa, mas rapidamente perceberam que não estavam sozinhos. Outras famílias numerosas enfrentavam desafios semelhantes e havia espaço para criar uma comunidade à volta dos jogos de tabuleiro modernos.
As primeiras experiências decorreram na Casa do Povo de Samora Correia, com grupos reduzidos e regras apertadas, ainda sob as limitações do Covid-19. O entusiasmo dos participantes e a resposta positiva levaram o casal a procurar inspiração na maior ludoteca do país, a Estufa, em Braga, e a estabelecer contacto com o Instituto de Apoio à Criança. Pouco depois, com o apoio da Câmara de Benavente, o SamoraJogar ganhava espaço próprio na biblioteca local e consolidava um calendário regular de actividades. Quatro anos depois, o modelo mantém-se: todos os sábados há sessões dinamizadas de jogo, com excepção de Agosto e dos períodos festivos de Dezembro. Durante a semana, o espaço está aberto para quem quiser jogar de forma autónoma. A equipa garante que a dinamização é essencial para quem chega de novo. “Um jogo pode ter regras que demoram 45 minutos a ler. Se a primeira experiência for penosa, a pessoa pode nunca mais voltar. A nossa missão é criar boas primeiras memórias”, dizem.
A filosofia passa por mostrar que os jogos de tabuleiro não são apenas “coisa de crianças”. Pelo contrário, são ferramentas de interacção entre gerações, promovem raciocínio, estratégia e capacidade de cumprir objectivos. Carlos e Sónia Sousa sublinham o valor dos jogos colaborativos, em que todos vencem juntos, ou de negociação, que podem ser aplicados em contextos de team building, liderança e até gestão de conflito. “Não é só jogar por jogar; há sempre um propósito por trás”, refere a co-fundadora do projecto.
O impacto educativo tornou-se evidente. O SamoraJogar tem levado mesas a escolas, universidades seniores e, com particular regularidade, ao Centro de Recuperação Infantil de Benavente (CRIB), onde adapta regras e jogos às necessidades dos participantes. Ali, a preparação é detalhada: número de crianças, tempo disponível, voluntários por mesa, escolha de títulos acessíveis. “Com crianças mais novas precisamos de um voluntário por mesa. Não é possível gerir duas ao mesmo tempo”, exemplificam. O objectivo não é apenas ganhar, mas aprender a seguir regras, terminar tarefas e partilhar a experiência.
As actividades fora de portas confirmaram a relevância do projecto. Em eventos como a Lisboa Games Week ou a Futurália, o SamoraJogar recebeu centenas de pessoas por dia, em dezenas de mesas, mostrando capacidade de organização e de explicação de jogos para públicos muito diversos. Foram também convidados para centros de dia, empresas e autarquias. Contudo, a resposta a tantos convites nem sempre é possível: “Não fazemos disto um negócio e não queremos competir com quem já começa a viver profissionalmente dos jogos. Aceitamos apenas quando existem parcerias e condições justas”, refere Carlos Sousa.

Voluntariado é a base do projecto
O voluntariado é, desde o primeiro dia, a base de tudo. Entre 15 e 17 pessoas, consoante a altura do ano, asseguram as actividades. Muitos são de Samora Correia, mas há colaboradores de Salvaterra de Magos, Benavente, Sintra e até de fora da região. A gratidão é o sentimento dominante: “sem voluntários, isto nunca teria chegado onde está. E sem parceiros e patrocinadores também não, porque são eles que permitem comprar jogos e apoiar a logística”.
A experiência acumulada trouxe histórias curiosas. Como a vez em que, numa partida entre colegas, quem parecia em desvantagem acabou por ganhar, contrariando preconceitos à mesa e mostrando a importância da mediação. Ou como quando, em família, jogos como Catan e Guerra dos Tronos se tornaram palco de negociações acesas e traições, reproduzindo na mesa as dinâmicas da série televisiva. “São aprendizagens que só o jogo proporciona. As pessoas revelam facetas que nem elas próprias conheciam”, nota Sónia Sousa.
O catálogo é vasto e vai muito além dos títulos de supermercado. Entre os mais apreciados estão o Pessoa, criação portuguesa que permite abordar Fernando Pessoa de forma lúdica, o Dodo, de forte impacto visual, ou o Rescue Polar Bears, de temática ambiental. “São jogos que não só entretêm como ensinam, estimulam a reflexão e, muitas vezes, abordam causas importantes”, explicam.
O SamoraJogar também se inscreveu no circuito competitivo, acolhendo etapas nacionais em parceria com editoras e patrocinadores. Não é a sua vocação principal, mas permitiu trazer jogadores de fora, criar convívio alargado e até proporcionar almoços partilhados com apoio da restauração local. A resposta da comunidade nacional foi positiva, colocando Samora Correia no mapa dos encontros de jogos de tabuleiro.

Voluntários reúnem-se todas as semanas na biblioteca de Samora Correia - foto O MIRANTE

“Temos de pensar seriamente na profissionalização”

O quarto aniversário do SamoraJogar, que se assinala no final de Setembro, será celebrado com parceiros de sempre, contando com a presença de elementos da Ludoteca da Estufa e do Instituto de Apoio à Criança. Mas é também momento de balanço e reflexão. “Temos hoje uma estrutura que funciona como uma pequena empresa, com áreas e responsáveis, mas sem remuneração. O peso sobre os voluntários é cada vez maior. Se queremos dar o próximo passo, temos de pensar seriamente na profissionalização”, admitem os fundadores. Entre as hipóteses em estudo está a desvinculação da Associação de Jovens de Samora Correia para criar uma unidade autónoma, articulada com a biblioteca mas com horário próprio, eventualmente nocturno, à semelhança do modelo de Braga. Até lá, a biblioteca de Samora Correia continuará a ser, todos os sábados, casa aberta a quem quiser descobrir que, entre cartas, tabuleiros e dados, há muito mais do que simples diversão.

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