Cultura | 23-09-2025 18:00

Na Barrosa há uma rua de artesãos que ambicionam mais reconhecimento

Na Barrosa há uma rua de artesãos que ambicionam mais reconhecimento
Os artesãos e vizinhos José e Ana Silva, Manuel Cotrim e Elsa Arsénio - foto O MIRANTE

Quis o destino que quatro artesãos da aldeia da Barrosa, no concelho de Benavente, residissem na mesma rua. Os quatro vizinhos partilham o gosto pelo artesanato e gostavam de ter mais apoios na divulgação da sua arte.

Na Barrosa, aldeia do concelho de Benavente, há uma rua que concentra em poucas dezenas de metros uma particularidade rara: quatro vizinhos que decidiram transformar o tempo livre e a criatividade em arte. É na Rua Popular que José e Ana Silva, Manuel Cotrim e Elsa Arsénio vão dando vida a peças em vime, cabaças e cortiça, resistindo à invisibilidade a que muitas vezes o artesanato local é condenado. O acaso quis que todos residissem na mesma rua. Não se trata de um bairro dedicado às artes nem de uma tradição comunitária antiga, mas da soma de vontades individuais que, no entanto, revelam o pulsar criativo de uma aldeia que ainda guarda o sabor das artes manuais e da tradição.
José Silva é natural da Várzea Fresca mas reside há 25 anos na Barrosa. Reformado, confessa que a curiosidade pelo vime o acompanhou desde os tempos de rapaz. “Sempre me fascinou ver os mais velhos a trabalhar a madeira e o vime, mas nunca tive oportunidade de aprender”, recorda. A reforma trouxe-lhe tempo e liberdade. E foi nesse momento que decidiu dar asas ao desejo antigo. Hoje, com a ajuda da internet e de contactos com outros artesãos, já faz cestas de diferentes tamanhos, feitios e com fundos diferentes, capazes de conjugar tradição e inovação.
A seu lado está a esposa, Ana Silva, igualmente reformada, que se deixou contagiar pelo entusiasmo do marido. “Comecei só a ajudar, a segurar aqui e ali, e acabei a aprender também”, conta com um sorriso. Para o casal, esta partilha transformou-se numa ocupação diária e num motivo de orgulho. José Silva deu recentemente um passo simbólico, obtendo a carta de artesão. “É um reconhecimento importante, que nos dá mais legitimidade para mostrar o nosso trabalho em feiras e mercados maiores”, explica. Para a esposa, o documento é também uma prova de que o artesanato não é apenas um passatempo, mas um ofício que merece ser respeitado.

Uma arte que requer paciência
Mais abaixo na rua, Manuel Cotrim dedica-se a uma matéria-prima menos habitual: as cabaças. Não se assume como artesão a tempo inteiro, prefere encarar o trabalho como um passatempo. “Sempre gostei de mexer nas coisas, de inventar, e um dia olhei para uma cabaça e pensei no que podia fazer com ela”, relata, admitindo que tinha de arranjar algum entretenimento para “não estar a olhar para as paredes”.
A partir da forma natural da fruta, cria presépios e peças decorativas que conservam a rusticidade original. É um trabalho paciente, que exige limpeza, tratamento e, depois, imaginação para adaptar a estrutura a cada ideia. “Não me considero um artista, mas gosto de ver a cara das pessoas quando descobrem que uma simples cabaça pode transformar-se em algo completamente diferente”, admite. Apesar da modéstia, as peças de Manuel Cotrim chamam a atenção pelo detalhe e pela capacidade de reinterpretação de um objecto tão comum nos campos.
No final da mesma rua, encontra-se a oficina improvisada de Elsa Arsénio. A reforma precoce, devido a problemas de saúde, levou-a a procurar uma actividade que a ocupasse e lhe trouxesse realização pessoal. Encontrou-a na cortiça, material abundante na região mas que descreve como “difícil e duro de trabalhar”. Confecciona cochos de cortiça, tradicionais recipientes usados no campo, pequenos porta-chaves e outras peças utilitárias. “Cada corte tem de ser feito com cuidado, porque a cortiça parte-se facilmente. É preciso conhecer-lhe a resistência e ter paciência”, explica. A artesã assume que o processo lhe devolveu uma sensação de utilidade e de ligação à terra. “A cortiça é um símbolo nosso, e ao trabalhá-la sinto que estou a preservar uma tradição que se vai perdendo”, afirma a artesã que é natural do Couço, vila rica na produção de cortiça.

Faltam convites e divulgação
Apesar da diversidade de materiais e da riqueza criativa, os quatro artesãos da Rua Popular consideram que não lhes é dada a devida visibilidade. Nenhum deles vive exclusivamente daquilo que faz, mas todos gostariam de ver o seu trabalho reconhecido e divulgado. “Há feiras de artesanato e festas populares onde gostaríamos de estar, mas muitas vezes não somos convidados ou sequer lembrados”, lamenta José Silva. Elsa Arsénio concorda. “Se houvesse mais apoio da autarquia, poderíamos mostrar o que fazemos, e até atrair visitantes à Barrosa”, diz. A ausência de divulgação traduz-se em desânimo, ainda que não em desistência. A paixão pela arte e pelo acto de criar continua a movê-los. Mas há uma sensação de que o valor cultural e identitário do artesanato local é subestimado.

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