Constantino: o menino de Redol que quer continuar a sonhar

Alves Redol é autor de grandes obras da literatura portuguesa como Avieiros, Fanga, Gaibéus, Barranco de Cegos e muitas outras. Entre elas está o livro que conta a história de Constantino, o menino guardador de vacas e de sonhos que ainda vive e inspirou a criação de um roteiro na aldeia do Freixial.
“Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos” é o romance com que Alves Redol cristalizou a infância rural portuguesa na década de 1950 do século XX e o roteiro literário lançado na última semana pela Câmara de Loures evoca a memória e os tempos em que o Freixial, em Loures, terra de Constantino Cara-Linda, era apenas um povoado de meia dúzia de casas.
O roteiro de Constantino não é apenas um passeio, é um convite a sentir o cheiro da madeira húmida, a escutar os pássaros nos canaviais e a reconhecer nas pequenas coisas a imaginação que Alves Redol via como força capaz de transformar o mundo sem sair da aldeia e que viria a dar corpo em Constantino Cara-Linda, o outrora menino de olhar maravilhado que fugia de manhã para não aturar o escritor. Constantino, que se pode gabar de ser um dos poucos personagens vivos de um livro famoso, agraciou os presentes na cerimónia de lançamento com a sua presença, tendo sido abraçado por António Mota Redol, filho do escritor, como se de um irmão se tratasse.
Pena foi que a Câmara de Loures, a mesma que durante quatro anos teve tanto cuidado em desenvolver o roteiro, tenha depois enviado à cerimónia o seu vereador mais novinho, quando o mínimo que se esperaria é que tivesse sido Ricardo Leão, o presidente da câmara, a comparecer à cerimónia para confirmar, sem dúvidas, a importância do momento.
Alves Redol seguiu de perto a vida de Constantino quando este tinha 12 anos, inspirando-se nele para escrever o livro que, para muitos críticos, é uma referência da literatura portuguesa. Em entrevista a O MIRANTE em 2011, Constantino confessava que se levantava de madrugada para fugir do escritor, porque o achava “chato” e queria era brincar. A avó de Constantino muitas vezes chamava-o quando este tentava escapar ao escritor e, com mais ou menos dificuldades, o livro foi-se escrevendo. Todos os episódios do livro aconteceram na realidade, excepto a viagem de jangada até Lisboa. Nos anos 60 muitas excursões de escolas foram ao Freixial para conhecer o “menino de Redol”, mas para Constantino isso foi maçador porque, ainda hoje, prefere o anonimato e viver a sua vida sossegado. Ainda hoje guarda o exemplar do livro com dedicatória de Redol: “Este livro pertence-te por muitas razões meu bom amigo. Escrevi-o com muito carinho por ti e pelos teus e espero que faça de ti um homem digno daquilo que penso de ti”.
Na conversa com o nosso jornal considerava a revolução uma oportunidade perdida para mudar Portugal e de guardador de vacas tornou-se mecânico de aviões, trabalhando nas OGMA, em Angola, na TAP e depois numa fábrica de helicópteros em Tires. “Se o Alves Redol me encontrasse hoje acho que ficaria orgulhoso de mim, porque fui uma pessoa com uma vida humilde, que nunca tratou mal ninguém, sempre fui muito trabalhador, nunca roubei e tenho tido uma vida justa e de sacrifício”, dizia o homem que vai continuar a sonhar até morrer e para quem os computadores são como pianos. “Máquinas com teclas. Não sei mexer neles”, brincava.

Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos já vai na 23ª edição
O livro de Alves Redol, “Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos” vai na 23ª edição. A primeira saiu em 1963, com a chancela da Portugália, depois teve várias edições de bolso na Europa América e, nos últimos anos, tem sido editado pela Caminho. A última edição é de 2021. A primeira edição do livro tem várias fotografias e foi a única a ser impressa com fotos, daí o seu valor para coleccionadores. A prosa de Alves Redol continua a encantar quem lê ou relê o livro, e imagina como era a vida naquele tempo, e como a paisagem do Freixial mudou, e hoje está irreconhecível para quem a imagina contada por Alves Redol. O livro já foi adaptado ao teatro e ainda hoje há muitos professores que fazem do livro matéria de trabalho nas suas aulas.