O tenor escalabitano que regressa a casa para cantar Mozart na Sé de Santarém

Natural de Santarém, Gerson Coelho cresceu ao piano mas foi no canto que encontrou a sua verdadeira vocação. Hoje, aos 34 anos, soma experiências em palcos de vários países europeus e regressa à cidade natal para actuar pela primeira vez como tenor solista, na Sé Catedral.
A 5 de Outubro, a Sé Catedral de Santarém vai encher-se de música com a “Coronation Mass K317” de Mozart, dirigida pelo maestro Nikolay Lalov. Entre os solistas estará o tenor Gerson Coelho, natural de Santarém, que regressa à cidade onde deu os primeiros passos na música, acompanhado pelo Schola Cantorum da Catedral de Santarém e pela Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras.
A ligação de Gerson Coelho à música começou cedo, com apenas cinco anos, numa escola de piano em Santarém, tendo mais tarde entrado no Conservatório de Música da cidade, onde estudou até ao 7º grau. “Sempre quis música, desde miúdo. Mesmo sem saber ainda quem era ou o que queria ser, já queria música”, recorda. O caminho académico levou-o até à Escola Superior de Música de Lisboa, onde se licenciou em Direcção Coral e Formação Musical, e durante anos pensou que o seu futuro estaria ligado ao ensino ou à direcção coral, mas rapidamente percebeu que lhe faltava algo. “Sentia-me hipócrita comandar um coro quando não tinha tido aulas de canto; então decidi experimentar e acabei por descobrir a minha voz”, explica.
Depois de mais de 15 anos a viver em Lisboa, Gerson Coelho mantém ligação à cidade natal, onde ainda vem visitar o pai e reencontrar professores e amigos, afirmando que cantar a solo pela primeira vez na cidade será um momento especial e com “outra pressão, mas também um bocadinho de nostalgia”. Acredita que Santarém tem potencial para afirmar-se mais no panorama cultural, sendo, contudo, importante haver mais apoios na educação musical e “desconstruir a ideia de que a música clássica é demasiado séria e inflexível”.
Apesar de ter começado a ter aulas de canto apenas aos 23 anos, com dedicação e consistência construiu uma carreira que hoje o leva a cantar em palcos de Portugal e da Europa, trabalhando regularmente com grupos da Bélgica, Holanda e Espanha e colaborando com maestros de renome como o catalão Jordi Savall. “Defendo que a voz é um músculo. Qualquer pessoa pode cantar, apenas é preciso treino, paciência e consistência”, explica. Essa disciplina tornou-se um foco na sua vida profissional, onde entre concertos, aulas particulares de canto e colaborações com o Coro da Universidade de Lisboa, Gerson Coelho vive e respira música.
Os desafios de ser músico em Portugal
A realidade de ser solista não é fácil, pois são raros os que conseguem apenas viver do palco sem dar aulas ou pertencer a projectos musicais, como é o seu caso. O tenor aponta a falta de apoios e a pouca valorização da música clássica em Portugal como os maiores obstáculos em prosseguir uma carreira na área, referindo que outros países europeus estão à frente de Portugal nesta vertente. “Na Alemanha ou na Hungria a educação musical é obrigatória e grátis desde cedo. Aqui, gratuitamente, temos apenas algumas aulas de música no 2º ciclo e o ensino articulado. É uma cultura educativa completamente diferente que depois, obviamente, molda a própria valorização da música clássica no panorama geral”, destaca.
Quanto à remuneração, admite que esta ainda é baixa na maior parte dos casos e que prioriza participar em concertos no estrangeiro por essa mesma razão. “Só conheço uma pessoa em Portugal que vive exclusivamente de cantar em palco. No estrangeiro há mais mercado e melhores condições. Aqui, por um concerto e vários ensaios, às vezes recebemos apenas entre 300 a 500 euros”, salienta.
Com 34 anos, o tenor escalabitano sente que está no caminho certo, sendo o seu maior sonho viver um dia exclusivamente do palco, sendo para isso que trabalha todos os dias. Até lá, vai fazendo o seu caminho e coleccionando experiências que para si são tanto um desafio como uma recompensa. “A melhor parte de estar em palco é sentir a resposta e conexão com o público. É isso que me move”, conclui.