A chita veste-se de gala em Samora Correia
A artista plástica Sónia Lapa e o director artístico Joaquim Salvador juntaram-se para recuperar a memória dos bailes de vestidos chita. A exposição em exibição no Palácio do Infantado, em Samora Correia, une o passado e o presente numa homenagem à cultura e à criatividade nacionais.
Há tecidos que contam histórias. Há padrões que guardam memórias de um tempo em que a simplicidade era a forma mais autêntica de beleza. A chita portuguesa é um desses símbolos. Feita de cores vivas e desenhos florais, acompanhou gerações. Nas galerias do Palácio do Infantado, em Samora Correia, a exposição idealizada por Joaquim Salvador e Sónia Lapa, numa organização do sector da cultura da Câmara de Benavente, convida o visitante a viajar no tempo e a redescobrir o encanto deste tecido que faz parte da alma portuguesa. “A ideia é irmos buscar as raízes e mostrar a quem nos visita como era a vida nesta terra”, explica Joaquim Salvador a O MIRANTE. “As casas não tinham portas; eram cortinas de chita. Tapavam-se os piais com chita, cobriam-se as louças. Era uma presença constante no quotidiano”, conta.
Mas a chita era também sinónimo de festa. “Nos anos 60 começaram os bailes da chita, que eram uma verdadeira instituição”, recorda. “As costureiras faziam vestidos a partir dos tecidos mais coloridos, e as raparigas concorriam ao melhor traje. Havia alegria, criatividade e orgulho no que era nosso”, diz. Com esse espírito em mente, Joaquim Salvador lançou um desafio à artista plástica Sónia Lapa, que há três anos trabalha o universo da moda e do design em parceria com a Passerelle D’Ouro, iniciativa da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira.
O tema deste ano, Portugalidade, foi o ponto de partida para reinterpretar o tecido tradicional. “Foi um desafio apaixonante e fora do comum”, confessa Sónia Lapa. “Hoje em dia, não é habitual ver alguém casar ou desfilar com fatos de chita. Quis dar-lhe uma nova vida, com um toque de mistério e de fantasia, e a reacção das pessoas tem sido maravilhosa”.
A exposição reúne dez figurinos originais, criados por Sónia Lapa a partir de diferentes padrões e estilos. Cada peça é uma viagem estética e simbólica. Há vestidos inspirados nos anos 50 e 60, trajes com referências às marchas populares, modelos com influência sevilhana e ribatejana, e outros que quebram convenções, como o fato feminino com cartola e capa, ou o noivo de tronco nu, de calça subida e manto esvoaçante. “Quis mostrar que a tradição pode ser reinventada, que o que é português também pode ser vanguardista e inspirador”, explica a artista.
As peças foram inicialmente apresentadas em desfile na Passerelle D’Ouro, por manequins profissionais como Merche Romero, Pedro Crispim, Afonso Vilela, Kelly Baron, Valter Carvalho e Sylvie Dias, actriz de Benavente. Juntaram-se-lhes também as actrizes Carla Sá, Juliana Jacinto e Daniela Miranda, do grupo de teatro Revisteiros, de Samora Correia.
Os mesmos figurinos ganham novo significado ao serem expostos entre os trens históricos da Companhia das Lezírias, num cenário que mistura tradição e modernidade, história e arte. “O Palácio do Infantado é uma casa cultural aberta à comunidade e à surpresa”, sublinha Joaquim Salvador. “Queremos que as pessoas venham cá e encontrem sempre algo novo, algo que as ligue à terra e à sua memória colectiva”, explica.
A chita faz parte da nossa identidade
O projecto é também uma homenagem ao trabalho manual e à criatividade. Ao lado de Sónia Lapa estiveram as costureiras Fernanda Serrador e Justa Janeiro, ambas de Samora Correia, e Guida Barroca, responsável pelos adereços. “Nada se faz sozinho”, sublinha a artista. “Elas são o meu braço direito. Têm técnica, têm sensibilidade e trazem ideias. São mulheres talentosas que transformam os meus desenhos em realidade”, sublinha.
A exposição, que tem atraído dezenas de visitantes, é também uma afirmação de orgulho cultural e territorial. “Falamos muito das chitas de Alcobaça, mas a chita não era exclusiva de lá”, lembra Joaquim Salvador. “Era um produto nacional, com vários padrões, o de Alcobaça, o de Belmonte, o francês, o de Viana. Alguns ainda se produzem no Norte. É importante valorizar isso: a chita faz parte da nossa identidade”.
Entre os corredores do Palácio do Infantado, os vestidos ganham nova alma sob a luz que entra pelas janelas antigas. O contraste entre o brilho dos tecidos e o tom austero dos trens e carruagens cria uma atmosfera quase cinematográfica. Para Joaquim Salvador, a exposição é mais do que um exercício estético, é uma forma de devolver à comunidade o sentido de pertença. “O que é nosso tem valor. A arte, a moda, o artesanato, tudo isto são expressões da nossa cultura. Acredito que esta mostra pode e deve circular, quem sabe, chegar a Alcobaça, a Santarém ou a outros pontos do país”, vinca.


