Cultura | 30-12-2025 15:00

As “mãos de fada” por detrás dos presépios de sal em Rio Maior

As “mãos de fada” por detrás dos presépios de sal em Rio Maior
Cristina Alves, de 53 anos, dá vida aos presépios de sal que embelezam as Salinas de Rio Maior - foto O MIRANTE

Cristina Alves é a escultora autodidata que transforma o sal das Salinas de Rio Maior em presépios únicos, dando forma a uma tradição feita de esforço e identidade local.

Nas Salinas de Rio Maior, por detrás das figuras brancas dos presépios de sal que ganham forma na época natalícia, há um rosto discreto com “mãos de fada” e uma história de vida feita de trabalho duro, perdas e superação. Cristina Alves, de 53 anos, é hoje o nome incontornável quando se fala dos presépios de sal, mas o seu caminho até aqui foi tudo menos previsível.
Junto ao presépio da Câmara Municipal de Rio Maior, criado pela primeira vez este ano, a cena parece obedecer à imagem clássica da Sagrada Família, mas a aparente simplicidade desfaz-se rapidamente pelas palavras de Cristina Alves, que garante que nada ali é simples. “Não é fácil construir estas esculturas, fazer peças desta dimensão é sempre muito difícil. Mas com força de vontade e paciência conseguimos”, diz, com a naturalidade de quem já passou incontáveis noites a moldar o sal. Como este há muitos outros, iniciando a construção dos presépios meses antes de as figuras chegarem ao olhar do público. O sal, com apenas 4% de humidade, é armazenado ao longo do ano em grandes embalagens e deixado ao sol para ganhar consistência, havendo blocos que passam oito meses a endurecer antes de poderem ser trabalhadas. Curiosamente, Cristina Alves não nasceu perto do sal, sendo natural de Seia, perto da Serra da Estrela. “Nunca fui uma pessoa do sal, sou uma pessoa do gelo e da neve”, brinca, explicando que chegou a Rio Maior há cerca de 30 anos, depois de uma vida marcada por sacrifícios e muito trabalho.
Aos 15 anos saiu do conforto da sua família e foi para o Algarve trabalhar numa gelataria, tendo depois seguido para Lisboa e acabado por se fixar em Rio Maior, onde construiu uma família composta por dois filhos e onde mais tarde conheceu o actual marido, presidente da Cooperativa do Sal, que acabaria por ser quem a ensinou a moldar o sal.

A origem da tradição
Os presépios de sal nasceram em 2012, numa tentativa de trazer vida às salinas durante o Inverno, quando não havia visitantes, tendo os primeiros sido pequenos, feitos com um ou dois quilos de sal. Foi em 2014, já com a beirã envolvida, que surgiu o primeiro presépio de grandes dimensões, construído a partir de pedras de sal antigas que estavam guardadas num armazém. A partir daí, a evolução foi constante, estando este ano espalhados pelas ruas e lojas aderentes mais de 40 presépios, de diferentes tamanhos e feitios. Com crescente sucesso do evento, Cristina Alves é mais exigente consigo própria e nunca fica totalmente satisfeita com o resultado final, estando sempre a ver o que pode melhorar, mesmo quando as peças já estão em exposição. Os maiores desafios estão nos rostos e nas mãos e para os criar recorre a tudo o que possa cortar ou esculpir, desde navalhas, serrotes, berbequins e pincéis, usados com uma precisão aprendida com o tempo, conta, sublinhando que os presépios maiores podem demorar cerca de um mês a ser concluídos, com jornadas que se estendem até de madrugada, sempre com a ajuda do marido.

Crescimento e significado do evento
“Este ano já superámos as expectativas, em comparação com o ano passado”, afirma entusiasmada, mencionando que o presépio da Cooperativa do Sal é o mais emblemático de todos e o mais antigo. O aumento da visibilidade do evento é muito devido ao apoio do município de Rio Maior, salientando que a partir de 2017, com o envolvimento directo da câmara, o evento ganhou outra dimensão. Os grandes presépios continuam a depender quase exclusivamente de Cristina Alves e mais três pessoas. Apesar de ser das poucas praticantes, Cristina Alves refere que nunca teve formação artística e que isso ainda a surpreende, tendo o desejo de obter formações na área da escultura, explica, realçando que o reconhecimento e elogios do público são a grande recompensa. Uma dessas histórias marcou-a particularmente, após uma mulher que veio de propósito da Guarda dar-lhe os parabéns e dizer que tinha “mãos de fada”. O elogio chegou num ano especialmente difícil, marcado pela morte da mãe, em Setembro, admitindo a escultora que não teve tempo para fazer o luto, pois o Natal aproximava-se e os presépios tinham de avançar. “A minha mãe sempre me apoiou muito, ela e o meu pai que também já faleceu. Todos os anos ela vinha ver os presépios e tenho a certeza que está orgulhosa de mim”, afirma com emoção. Filha de uma família humilde, criada no trabalho e no esforço, Cristina Alves carrega essa herança em tudo o que faz e tenta passá-la aos dois filhos e quatro netos.

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