Família Marchão e as três gerações de futebolistas em Abrantes
Não há ninguém em Abrantes que não conheça a família Marchão e a importância que tiveram no desenvolvimento do futebol no concelho. Joana Marchão é atleta da selecção nacional e assinou recentemente um contrato com uma equipa da primeira liga italiana. O MIRANTE conversou com o seu pai, Orlando Marchão, para conhecer melhor a história da família que é referência no desporto abrantino.
A família Marchão está recheada de atletas e todos desempenharam um papel importante no panorama desportivo de Abrantes. O pai de Orlando Marchão, Carlos Alberto Marchão, actualmente com 92 anos, jogou no Benfica de Abrantes e foi dirigente do clube. Orlando Marchão, com quem O MIRANTE conversou, jogou em vários clubes do concelho de Abrantes até aos 39 anos. O filho, João Marchão, de 23 anos, jogou durante seis anos no Sporting CP e esta época vai jogar no Sport Abrantes e Benfica. Joana Marchão tem 25 anos e tem dado cartas no futebol feminino. Esta época trocou o Sporting Clube de Portugal, onde jogou nos últimos seis anos, para assinar pelo Parma, equipa da liga principal italiana. A jovem está em Parma desde 26 de Julho tendo já começado os treinos.
Orlando e Fernanda, sua companheira de longa data, fizeram milhares de quilómetros para acompanharem os filhos nos treinos e jogos. “O único dia que tínhamos de descanso era a segunda-feira. Terças, quintas, sextas-feiras e domingos era para a Joana. Às quartas-feiras e sábados era para acompanhar o João. Não nos arrependemos nada do que fizemos. Sabemos que era a felicidade dos nossos filhos e isso é o mais importante”, garante.
Orlando Marchão ainda pensou seguir uma carreira profissional, mas aos 25 anos começou a trabalhar na Câmara de Abrantes e optou por uma profissão mais estável.
Começou a jogar futebol aos oito anos nas camadas jovens do Clube Desportivo de Alferrarede, onde fez a sua formação. Depois jogou no Sport Abrantes e Benfica, Tramagal, Pego e Bemposta. Aos 60 anos, o assistente técnico na Biblioteca Municipal António Botto ainda faz o gosto ao pé em jogos entre amigos. Foi dirigente do Sport Abrantes e Benfica, treinador e director durante cerca de três anos enquanto a filha jogou no clube. Diz que as principais dificuldades de um dirigente é lidar com a falta de dinheiro e a falta de apoios. “Muitas vezes são os pais que têm que comprar os equipamentos. Não é fácil. É preciso muito amor ao desporto e muita carolice”, admite.
Considera que Abrantes está muito desenvolvida em termos desportivos, com muitas actividades de diversas modalidades. “A câmara municipal tem apoiado muito o desporto nos últimos anos e isso reflecte-se na enorme actividade que o estádio, as piscinas e todo o complexo desportivo têm diariamente”, realça.
Como funcionário da biblioteca municipal, Orlando Marchão adora ler e confessa que O Perfume, de Patrick Süskind, “O Cardeal”, de Nuno Nepomuceno, ou os vários livros de José Rodrigues dos Santos estão entre os seus eleitos. Lamenta que as pessoas cada vez leiam menos e optem pelos computadores ou telemóveis. “Não há como sentir o cheiro do livro e a sensação de folheá-lo”, afirma.
A amizade com Fernando Chalana
Orlando Marchão foi muito amigo de Fernando Chalana, um dos maiores jogadores portugueses de todos os tempos, e antiga glória do Sport Lisboa e Benfica, falecido a 10 de Agosto. A ex-mulher de Chalana, Anabela, era natural de Abrantes e Orlando conheceu o jogador através dela. Orlando conta que Chalana terminava o jogo ao sábado e ia para a cidade abrantina. “Chegava à minha porta e pedia à minha mãe se lhe fazia uma sopa de caldo verde. Fazíamos grandes almoçaradas quando ele cá estava”, recorda, com saudade.
Desmente o boato de que Chalana se lesionou com gravidade no Verão de 1984, antes de ingressar no Bordéus (França), no jogo de futebol de salão, em Rossio ao Sul do Tejo. “Ele jogou em Rossio ao Sul do Tejo e magoou-se mas não foi com gravidade. Fez vários jogos depois. Não foi esse ‘toque’ que o lesionou com gravidade”, garante. Chalana adorava pombos e era columbófilo, mas em Abrantes ganhou outra paixão: a pesca. “A avó da Anabela adorava pescar e com 84 anos ainda pescava. O Fernando comprou canas e vinha a Abrantes de propósito para pescar com a D. Miquelina no rio Tejo”, recorda com um sorriso.

Joana Marchão; do Ribatejo para o Mundo
Aos três anos Joana Marchão acompanhava o seu pai aos treinos de futebol no Abrantes Futebol Clube. Foi por isso com naturalidade que os seus pais aceitaram a vontade da filha em praticar futebol. Enquanto as suas amigas levavam bonecas para a escola Joana ia sempre com uma bola debaixo do braço. “A Joana sempre foi maria-rapaz. Não gostava de vestidos ou saias. Era sempre um calção, t-shirt, ténis, um boné e não podia faltar a bola”, recorda o pai.
Joana Marchão começou por treinar em equipas masculinas até aos 13 anos, idade limite para equipas mistas. Os pais ainda a levaram a uma equipa de futsal em Mação, onde treinou com jogadoras de 20 anos, mas Joana não gostou. “No final do treino disse-nos que faltava o cheiro da relva”, conta. Encontraram uma equipa feminina no União de Tomar, onde ficou cerca de ano e meio, até que foi jogar para o Ouriense onde esteve seis anos e foi duas vezes campeã nacional. Foi nessa altura que chegou pela primeira vez à selecção nacional.
No quarto de Joana, em Abrantes, não faltam bolas, chuteiras, medalhas, troféus e camisolas das várias equipas por onde passou e de adversárias. Aos 18 anos assinou pelo Sporting Clube de Portugal, o clube do seu coração. Esteve no clube durante seis anos e este ano já tinha decidido que queria arriscar uma carreira no estrangeiro. O seu pai conta que teve convites de clubes de Inglaterra, Espanha e França. Acabou por escolher o Parma, que joga na liga principal de Itália.
A família ainda não foi a Parma e só conhece o apartamento onde Joana agora vive através de fotografias e videochamadas. Mas em Outubro, no aniversário da jogadora, já está programado visitarem-na. “Vamos a Itália sempre que for possível porque também queremos que se sinta apoiada”, afirma.
Questionário de Proust
Qual é o seu maior defeito? Ser orgulhoso. E a sua principal qualidade? Ser amigo dos meus amigos. Qual é o seu maior medo? Perder os meus filhos. Quem é a pessoa viva que mais admira? O meu pai. O que é que mais valoriza nos seus amigos? A lealdade. O que detesta em si próprio? Ser orgulhoso. O que mais detesta nos outros? A mentira. Quem são os seus heróis da vida real? O meu pai, que tem 92 anos. Qual é o seu maior arrependimento? Ser orgulhoso (risos). Como gostaria de morrer? Em paz e sossego. Adormecer e no outro dia já não estar cá, sem dar por nada.