Futebol do Vilafranquense renasce das cinzas após abandono da SAD
União Desportiva Vilafranquense sobreviveu ao “ano zero” depois da polémica saída da Sociedade Anónima Desportiva que deixou o futebol entregue à sua sorte e a competir nas divisões mais baixas do distrital de Lisboa.
Dirigentes querem recuperar a mística do clube com a prata da casa, mas no Cevadeiro ainda há quem tenha um amargo de boca com a traição da SAD.
Se há males que vêm por bem então a polémica saída da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) que geria o futebol do União Desportiva Vilafranquense (UDV) foi um bom exemplo, permitindo ao clube voltar ao espírito do associativismo e aproximar-se dos seus adeptos. Uma convicção ouvida por O MIRANTE entre vários adeptos e dirigentes do UDV a propósito do final da primeira época em que o clube ribatejano teve de recomeçar do zero no futebol e com a prata da casa. As equipas de seniores e juniores que estavam nos nacionais foram parar às divisões mais baixas dos distritais de Lisboa, assim como as de juvenis e de iniciados. Todas subiram com excepção dos seniores.
Isto, recorde-se, na mesma época em que a SAD que saiu de Vila Franca de Xira para a vila das Aves conseguiu subir à 1ª Liga de futebol, dando razão a quem defendia há ano e meio que só a licença desportiva do Vilafranquense valeria mais que os falados 400 mil euros que a SAD então liderada por Henrique Sereno pagou ao UDV a troco de o clube abdicar dos 10% que detinha na sociedade anónima desportiva. Uma parte do valor serviu para saldar uma dívida à Segurança Social.
“Só deixaram os móveis”
Com a saída da SAD, o clube perdeu as licenças desportivas e centenas de atletas, das crianças aos seniores, tiveram de recomeçar do zero os seus percursos desportivos. “Termos permitido a entrada da SAD no clube foi a nossa desgraça. Já vimos que não funciona. É tudo gente que só quer dinheiro e na hora de irem embora até os estojos médicos levaram. Só deixaram os móveis. Foi uma vergonha”, critica a O MIRANTE Paulo Feliciano, adepto de longa data.
Apesar da incerteza, um grupo de dirigentes uniu-se para manter os jovens a jogar e uma equipa sénior a competir. Mário Cortes, 51 anos, é director para o futebol sénior e diz que eticamente o que a SAD fez ao UDV foi condenável. “Infelizmente é o futebol moderno. Já não é o primeiro exemplo em Portugal, veja-se o que fizeram com Os Belenenses e a BSAD. Devia haver legislação que defendesse estes clubes. O Vilafranquense tem uma história incrível e não há a cidade sem o União. Enquanto esteve aqui a SAD não havia identificação com a cidade porque o clube jogava em Rio Maior. E o União é o Cevadeiro”, defende a O MIRANTE.
O futebol sénior tem um novo treinador a chegar, Francisco Roque. “Voltamos a ter um clube nosso e com os nossos jovens a terem oportunidade de subirem ao escalão sénior. É nas dificuldades que se vê a força das instituições”, defende Mário Cortes. “Vamos começar a próxima época com muita força e empenho”, promete o dirigente, notando ser importante as pessoas voltarem a identificar-se com o clube, algo que não estava a acontecer com a SAD. “Acredito que aos poucos isso vai voltar a acontecer. Apostar em rapaziada jovem, um passo de cada vez e criar um grupo forte e unido para lutar pelas subidas”, partilha.
“Um murro no estômago”
Francisco Roque é o novo treinador do UDV. Foi jogador e campeão nacional no Vilafranquense, onde esteve cinco anos. Vive na Póvoa de Santa Iria, é chefe de armazém e como treinador já conquistou quatro subidas de divisão em clubes da região. Reconhece que o objectivo é criar um grupo unido e coeso para voltar a apaixonar a cidade pelo clube e lutar para subir de divisão. “O UDV quer voltar ao que era, crescer, recuperar a mística. A SAD foi embora mas não matou o nosso futebol graças às pessoas que aqui ficaram. O nosso objectivo é fazer caminho, de preferência subir e provar que a raça ribatejana continua cá”, conta.
Quem acompanhou o ano zero do clube foi Liliana Agostinho, directora da formação do futebol do UDV. “No início sentimos a revolta da cidade mas fomos sempre muito bem recebidos pelos pais. Houve uma grande incerteza o ano passado do que iria acontecer ao futebol mas conseguimos manter tudo a funcionar. Fizemos isso pelos atletas. Foi um ano muito difícil. Fico feliz com este regresso ao que o clube era”, diz a responsável, que foi também um dos rostos envolvidos na organização do primeiro torneio Vilafranquense Cup para assinalar o final da época.
“Com a descida de divisão todas as equipas sofreram mas para os Sub-19 foi um grande murro no estômago. Estavam no campeonato nacional e caíram para a 3ª divisão distrital. Mas estão a conseguir reerguer-se”, conta. Para Liliana Agostinho, um ano depois o sentimento para com a SAD não é de raiva mas de injustiça. “Andamos aqui há muitos anos e sempre representámos o União fosse com SAD ou sem ela. A cidade vestiu sempre a camisola. Sonhávamos com mais mas percebemos que não tínhamos aqui condições para chegar à 1ª Liga”, conclui.
À margem/opinião
Onde param os dirigentes?
Finda a primeira época do futebol do UDV sem a SAD, sabe-se que o município mantém a convicção de avançar com um projecto para requalificar e aumentar a capacidade desportiva do Campo do Cevadeiro, um projecto que ainda está em desenvolvimento. Em 1957, quatro clubes da cidade fundiram-se para formar o UDV. Na última assembleia do clube, há ano e meio, os sócios deram o seu aval para que seja extinto e criado um clube seu herdeiro, que mantenha tudo na mesma excepto o nome. Um mecanismo para tentar acabar de vez com uma dívida de um milhão de euros às Finanças que, para muitos, é impagável. O UDV tem hoje várias modalidades e continua a atrair dezenas de jovens atletas e adeptos. Mas, curiosamente, a única coisa que não consegue atrair é dirigentes, desde 2011, para criarem uma lista e formalizarem novos corpos sociais, acabando assim com a comissão administrativa que tem poderes limitados de gestão. Num clube com uma história tão rica, e com a importância que tem na cidade, não se entende como uma dezena de sócios não se organiza e avança com uma lista que permita refrescar a liderança do UDV e dar à cidade um novo fôlego.