Ricardo Batista: o triatleta de Torres Novas que se estreou e fez história nos Jogos Olímpicos
Ricardo Batista iniciou-se no triatlo aos 12 anos e aos 23 regressou dos Jogos Olímpicos de Paris com dois diplomas. Em Los Angeles quer fazer melhor.
Diz que o grande problema do desporto em Portugal é não haver apoio desde os escalões de formação e defende que as expectativas dos pais não podem ser gatilhos de pressão para os atletas. No seu caso, garante, nunca foram.
Tem do desporto uma visão simplista que não lhe atrapalha o foco e a determinação com que encara cada treino ou prova. Descrito pelo seu treinador como “um monstro da competição”, não lhe falta confiança para encarar os adversários sem medo de ser menos forte que algum num dos três segmentos do triatlo. Embora quando se estreou na modalidade, aos 12 anos, fosse “muito mau” na corrida e ciclismo, há muito que deu provas de que é bom naquilo que faz. Melhor exemplo disso é o facto de, aos 23 anos, ter voltado da sua estreia nos Jogos Olímpicos (JO) de Paris com dois diplomas olímpicos, ao alcançar um sexto lugar no triatlo individual e um quinto na prova de estafeta mista.
O triatleta, que vive do que o desporto lhe dá, considera que devia haver mais apoios, sobretudo para os atletas em formação. Não se assusta com a carreira curta associada à profissão que escolheu e quando a terminar espera conseguir tirar a licenciatura em Ciências do Desporto, na qual está inscrito mas que não frequenta. “É impossível conciliar treinos de três modalidades com os estudos”, justifica sem hesitações.
É em Torres Novas, concelho de onde é natural e ao qual gosta de regressar sempre que há tempo para uma pausa nos treinos e competições, que Ricardo Batista, acompanhado do treinador Paulo Antunes, recebe O MIRANTE. Uma conversa onde fala da importância do modo de estar da sua família no seu percurso como atleta profissional, das suas ambições e de como lida com os resultados menos bons que se reflectem no salário ao final do mês. Mas isso, diz, não é o mais importante. Até porque com um resultado menos bom vem mais motivação. “Sei que tenho de trabalhar mais para fazer melhor”, vinca o triatleta que antes de entrar na última volta em Paris estava a três segundos da medalha e acabou a 13.
Qual é a sensação de te veres num outdoor em Torres Novas? É sempre positivo ter estas homenagens espalhadas pela cidade onde cresci e entrei na modalidade. Já não treino em Torres Novas mas gosto de cá vir e é sem dúvida muito especial passar pela cidade e ver vários placards com a minha cara. É uma forma que o município tem de agradecer por toda a visibilidade que eu, a Maria Tomé e o Paulo, atletas e treinador do Clube de Natação de Torres Novas, temos dado.
O que vem depois de se conquistar o sonho de participar nos Jogos Olímpicos? As ambições acabam por ser as mesmas de antes dos JO. Tirei o meu tempo de descanso no fim dos Jogos porque toda a preparação, treino e pressão com que temos de lidar é muito dura. Temos os olhos de um país em nós durante aquelas duas semanas. Agora penso que temos novos JO [em Los Angeles] daqui a quatro anos e quero lá voltar, mais forte do que em Paris.
Esta modalidade soa a treinos a triplicar. Como é a tua rotina? É uma rotina dura, especialmente a preparar uma prova. Praticamente todos os dias tenho treinos tridiários e treino cerca de 30 horas semanais, o que faz grande mossa no corpo. Mas para mim todas essas horas não são sofrimento. Todos os atletas profissionais têm de gostar do que fazem. Não temos uma carreira tão longa como um trabalhador normal mas, no fim de conseguirmos o resultado, o esforço acaba por compensar.
Seria mais leve se tivesses condições de treino em Torres Novas, ao invés de teres de ir para o Jamor? Estar em Lisboa é por todo o grupo que temos lá, cerca de 15 atletas, uns com ambições maiores que outros mas todos com um compromisso muito elevado com o treino. E essa envolvência de estar num grupo ajuda bastante. Muitas vezes não estamos em Lisboa mas em estágios fora de Portugal. Para preparar os JO estive dois meses fora, o que ajuda a estar ainda mais concentrado.
Quando é que tens tempo para ser um jovem banal de 23 anos? Vou tendo o meu tempo... Quando há provas perto tenho de estar 100% concentrado e é muito difícil fazer o que quer que seja fora do desporto, porque nessas semanas mais duras é treinar, descansar e voltar a treinar no dia seguinte. Mas quando tenho tempo gosto de ir a casa. É bom estar em Torres Novas com o meu irmão [o triatleta João Nuno Batista] e os meus pais, com quem raramente falo de resultados de provas ou de triatlo. Tem de haver uma certa distância dos pais para que funcione e não haja mais pressão.
Quando é que percebeste que tinhas realmente jeito para esta modalidade e que te podias tornar profissional? Não foi de um dia para o outro, fui-me apercebendo. Acabei por treinar de forma consistente para uma criança durante alguns anos e isso foi-me trazendo resultados. Foi um crescimento natural, com vários pódios, numa altura em que não encarava, nem podia encarar, um treino como encaro agora que sou profissional do treino. Na altura tinha de conciliar o desporto com várias outras coisas. Acho que foi um processo bastante natural, que passou quase sem me aperceber. Era impossível ter tido um percurso mais saudável.
“É possível viver só do desporto se formos muito bons”
Continuas no triatlo por saberes que tens jeito ou porque és um apaixonado por este desporto? Pelos dois. Gosto muito da modalidade, mas se não tivesse jeito, se não conseguisse estar a ser profissional do treino e se não estivesse a ter rendimento com este desporto não estava nele.
O que falta para que o desporto possa ser uma opção de vida considerada normal como é ser médico ou advogado? Em Portugal é possível viver só do desporto se formos muito bons. Mas há um salto muito grande entre o conseguir viver do desporto e o não conseguir e isso muda só com um resultado. Por vezes, o treino de um atleta que não consegue viver do desporto e o de um atleta que consegue é exactamente o mesmo, mas no dia da competição o resultado não acontece e isso muda tudo. Por isso acho que devia haver mais apoios não só nos níveis mais altos mas também nos intermédios, porque acaba por ser uma escada muito grande. O grande problema do desporto em Portugal é que não há o apoio devido desde os escalões de formação. Só quando já temos um bom resultado é que temos apoio para estar no desporto. Até lá é o nosso investimento.
Assusta-te a carreira curta dos atletas? Não é algo em que pense muito. Todos estamos cientes de que a carreira não é muito longa, até aos 30, 35 anos em modalidades endurance… depois disso talvez vá acabar o curso e fique ligado ao desporto de alguma forma.
Começar no clube da terra, somar vitórias e ir para um dos grandes seria o percurso esperado. Porque é que foges à regra? É o clube em que sempre estive e onde me sinto bem, é por isso que ainda estou cá. Nunca fui aliciado, isso não acontece tanto no triatlo como noutras modalidades. A diferença é que nas maiores competições de triatlo não estamos a competir pelo clube mas por Portugal. Pelo CNTN talvez compita uma a duas vezes por ano, mas importa dizer que este clube é campeão nacional há cinco anos seguidos, ou seja, é dos melhores.
O que dirias a uma criança que está a começar num desporto? É sempre importante fazê-lo com paixão e dar os passos certos, não tentar fazer com que aconteça rápido demais, porque isso traz desgaste emocional. Nos escalões jovens o resultado não pode ser o mais importante. Quando somos atletas profissionais e vivemos dos resultados aí sim, temos de focar no resultado. Quando somos jovens é aproveitar ao máximo o que o desporto traz de bom e tê-lo como o momento do dia para estar com os amigos.
Um mau resultado agora custa emocionalmente mas financeiramente também... Os valores monetários são importantes, mas é mais duro emocionalmente. Não olho para uma prova a pensar que se tivesse feito menos dois segundos ganhava mais dinheiro. Não podemos olhar para o desporto pelo dinheiro, porque muitas vezes pode não ser o nosso dia.