Andebol adaptado devolveu-lhe o sorriso, depois de ter ficado tetraplégico aos 31 anos

José Pires precisa de uma nova cadeira de rodas para continuar a competir no andebol adaptado. Natural de Samora Correia, uma infecção deixou-o paralisado dos membros inferiores em 2017 e encontrou no desporto uma nova forma de viver. Lançou uma campanha para angariar fundos com o objectivo de adquirir uma cadeira desportiva para substituir a actual, com mais de 12 anos de uso.
Quando o talento acelera mais do que as rodas permitem, a frustração não é apenas desportiva. Em 2017, uma infecção deixou José Pires paralisado dos membros inferiores e descobriu no andebol adaptado uma razão para continuar a viver com paixão. Mas o que não encontrou foi um Estado à altura do desafio. Enquanto luta por uma nova cadeira desportiva para continuar a competir, expõe as fragilidades de um sistema que vira as costas ao desporto adaptado, empurrando os atletas para campanhas de angariação de fundos em vez de os apoiar naquilo que mais sabem fazer: resistir e jogar.
José Pires, que nasceu e vive em Samora Correia, joga andebol adaptado em cadeira de rodas desde a época 2023/2024. Representa a equipa do clube do Centro de Reabilitação Rovisco Pais, da Tocha, uma unidade de referência na zona centro do país. Apesar da paixão pela modalidade, o equipamento que utiliza já não acompanha o nível competitivo actual.
“As cadeiras que temos têm cerca de 12 a 13 anos e já passaram por muitos atletas. Estão muito desgastadas e, em alguns casos, já nem existe material de substituição. Hoje usam-se raios de carbono e nós ainda jogamos com raios de alumínio”, explica o atleta. Foi nesse contexto que surgiu a ideia de lançar uma campanha de angariação de fundos para a aquisição de uma nova cadeira desportiva. “Estava reticente. Pensei se devia mesmo avançar, porque não é algo de essencial à vida. Mas as pessoas perceberam e têm ajudado”, frisa José Pires, explicando que, nos primeiros quatro dias, foram angariados cerca de 2.800 euros dos 8.000 necessários.
José Pires conta que, esta época, participaram apenas cinco equipas no campeonato nacional, quando anteriormente eram seis ou sete. A redução está ligada, em grande parte, ao elevado custo dos equipamentos. Há equipas melhor classificadas que utilizam cadeiras mais actuais, com rodas maiores, mais leves e rápidas. Tudo faz diferença na competição.
A prática do andebol tem sido um forte contributo para ser feliz. O atleta faz deslocações de mais de 200 quilómetros até à Tocha, onde fica durante semanas para treinar e jogar. “Fico nas instalações do clube, que nos permite pernoitar, e treinamos para os jogos. Às vezes, temos três jogos seguidos ao sábado e fico esse tempo a treinar”, conta.
A equipa onde joga conta com apoios para o transporte dos atletas, que requer uma logística ímpar que inclui os jogadores, as cadeiras de rodas pessoais de cada um e as cadeiras de competição. O Centro de Reabilitação Rovisco Pais é tutelado pela Unidade Local de Saúde (ULS) de Coimbra e as verbas estão todas estipuladas. Para a equipa de desporto há apenas suporte para o transporte em autocarro ou em duas carrinhas para deslocações que são, entre outras, ao Porto ou a Messines, no Algarve.
No andebol, José Pires encontra grande parte da sua felicidade. Ajuda fisicamente, mas também psicologicamente. Criam-se amizades e uma partilha entre pessoas que vivem com a mesma condição, o que torna o dia-a-dia mais fácil. No entanto, aponta falhas nos apoios públicos ao desporto adaptado. Não há apoio do Estado nesta área. Já a nível pessoal, a situação é diferente. Os apoios existem, mas a burocracia faz arrastar os processos por muito tempo.
Mielite virou-lhe a vida do avesso
Com paralisia das pernas desde Fevereiro de 2017, José Pires foi diagnosticado com uma mielite, infecção na medula. “Foi uma bactéria, mas nunca se soube qual, nem como aconteceu. Não havia respostas. Sempre fui saudável, tinha 31 anos, nunca tinha ido ao hospital. Foi um choque tremendo”, admite.
A doença, permite-lhe ter activa a função dos membros superiores, embora sem a sensibilidade total, trouxe uma revolução completa à sua vida: perdeu o emprego, divorciou-se e teve de vender a vivenda onde vivia. Construiu de raiz uma casa adaptada à sua condição e hoje vive de forma autónoma. Sobrevive do rendimento da reforma por invalidez, um vencimento baixo face aos poucos anos de descontos, mas tem a casa paga e um carro adaptado, fazendo a sua vida com total autonomia.
No centro de tudo, estão as filhas: Maria Eduarda, de 10 anos, e Maria Laura, de 8. “São a razão para seguir em frente. Não há melhor razão”, vinca. José recebeu O MIRANTE na sua habitação e, logo à entrada, estavam as duas meninas, uma de cada lado, sorridentes e felizes com o pai. Ouviram a entrevista, acompanharam o pai ao jardim perto de casa onde fizemos a reportagem fotográfica e o vídeo, sempre com um forte sentido de responsabilidade na ajuda a abrir a porta de casa ou para subir uma rampa.
“Durante anos estive zangado com a vida”
Com 40 anos, José Pires é um filho de Samora Correia, cidade onde estudou até ao 9.º ano, completando o 12.º, com a especialidade de Desenhador, na Escola Profissional de Salvaterra de Magos. Trabalhou em carpintarias, tirou uma formação na Universidade Lusófona e integrou os quadros da Teixeira Duarte. Depois de uma experiência menos bem-sucedida em Angola, voltou a Portugal e, mais tarde, quando já trabalhava numa empresa de regas em Salvaterra de Magos, a doença mudou-lhe a vida.
Hoje, sente-se feliz. “Durante anos estive zangado com a vida. Mas agora posso dizer que sou feliz. E o andebol contribui muito para isso”, realça. Tem projectos para o futuro, entre eles uma Volta a Portugal em cadeira de rodas, em colaboração com dois amigos, e promover acções de sensibilização. “Não é trabalho, é partilha”, diz.