Jogador do Fazendense resgatado de um barco à deriva espera há anos por título de residência

Foi refugiado em Itália depois de ter sido resgatado de um barco à deriva com mais de uma centena de pessoas, incluindo o seu irmão, que fugiam da situação caótica da Gâmbia. Veio para Portugal como imigrante para continuar a jogar futebol e entrou no plantel do Fazendense. Está registado como jogador federado, trabalha, faz descontos, paga IRS e foi apanhado pelo fim da manifestação de interesses decretado por este Governo e anda desde então numa luta burocrática para obter o título de residência.
Fugiu com o irmão da tensão na Gâmbia com o sonho de jogarem futebol na Europa. Três meses depois da fuga foi resgatado num barco à deriva por um navio espanhol. Entrou no sul de Itália como refugiado. Começou a jogar futebol na divisão mais baixa italiana, mas teve de procurar outro destino porque não é permitido haver num clube dois refugiados. Rumou a Portugal e foi parar à Associação Desportiva Fazendense, de Fazendas de Almeirim, onde joga como avançado. Desde então, há mais de dois anos, que luta por um título de residência num país onde trabalha, desconta e paga IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), mas o Estado ainda não lhe reconheceu o direito de viver em Portugal.
A história do jovem de 26 anos, que além do irmão que deixou em Itália tem mais quatro irmãos no país da África Ocidental onde nasceu, que tem cerca de dois milhões de habitantes, é mais que um exemplo de superação. Trabalha como pedreiro, desconta para a Segurança Social, paga todos os impostos e é jogador avançado da equipa que é uma referência no concelho de Almeirim. Mas foi apanhado pelo fim da manifestação de interesse que tinha feito à chegada para se legalizar. Iniciou outro processo para obter o título de residente, mas não tem sido fácil e essa instabilidade está a afectar o seu talento de jogador.
Vive numa casa no campo do clube dirigido por António Botas Moreira que o recebeu de braços abertos e lhe dá todo o apoio possível. Treina depois do trabalho duro na construção civil, fazendo também ginásio para estar em forma. Só pensa em ver resolvida a sua situação para se focar nos jogos da equipa onde é avançado. Apesar de tudo o que passou está sempre a agradecer porque acha que podia ter sido pior. É um homem de fé, que acredita nas pessoas e que agradece inclusivamente o favor de falarem com ele, o que lhe permitiu falar um português fluente, melhor que alguns portugueses.
Torres Gomez saiu da Gâmbia até ao Senegal, passou pela Nigéria e foi para a líbia onde se aventurou num barco com cerca de 130 refugiados que ficou à deriva. Na sua terra natal jogava futebol na rua. Em Itália, onde esteve seis anos, brilhou no campeonato Eccellenza, organizado por comités regionais. Há uns meses recebeu no alojamento do Fazendense uma carta da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), mas não era o que tanto deseja, mas a comunicação de indeferimento do título de residência por não ter entregado registo criminal do seu país de origem, de onde saiu ainda era menor de idade. Já entregou o documento traduzido, que ninguém lhe disse ser necessário quando iniciou o processo.
Quando lhe perguntamos qual é o seu sonho agora, diz que é fazer o melhor todos os dias e ajudar o Fazendense. Agradecendo às pessoas da freguesia do concelho de Almeirim, que o receberam de braços abertos, o que lhe permitiu aprender facilmente a língua, diz que cumpre todas as obrigações como os cidadãos portugueses e ficaria preocupado se não o fizesse. Torres tem medo de ir visitar o irmão, que joga em Itália, ou a família na Gâmbia, que não vê há mais de seis anos, porque teme que fique retido quando regressar a Portugal. A humildade do jogador nota-se na forma como fala de si e do seu percurso. Crente em Deus, diz que não é melhor do que os outros e que há sempre alguém que está numa situação pior.