Michele Rosa é a mais entusiasta produtora de figo preto de Torres Novas
Michele Rosa deixou a vida profissional de técnica de desporto para dar continuidade ao trabalho dos seus pais.
Há cerca de 10 anos que se dedica a tempo inteiro à produção de figo, pêssego e uvas, numa aldeia do concelho de Torres Novas. Michele sabe que o figo e o sector primário são pouco valorizados em Portugal e, por isso, criou a GoFigo para que a produção do figo preto de Torres Novas não seja abandonada e volte a ter a importância que merece na economia da região.
Na aldeia de Adofreire, em Torres Novas, por estradas estreitas e caminhos de terra, encontram-se os pomares de Michele Rosa, de 44 anos, que se dedica à produção de figos, damascos e uvas de mesa. Licenciada em Ciências do Desporto e funcionária do município de Torres Novas, Michele Rosa decidiu abandonar a actividade há cerca de uma década e agarrar-se à exploração das terras dos seus pais para que os pomares não morressem. Depois de 10 anos de trabalho, com várias formações práticas e teóricas, fala dos problemas do sector com conhecimento de causa, com a vantagem de ter aprendido tudo no terreno. Hoje consegue olhar para o ramo de uma figueira e perceber quantos anos tem.
Num dos últimos dias de Setembro a empresária frutícola recebeu O MIRANTE com um grande sorriso e toda a disponibilidade para explicar as razões do seu sucesso como produtora. Na quinta onde conversamos e de onde saímos para o meio do figueiral andavam galinhas e patos à solta. Michele Rosa convidou os repórteres de O MIRANTE a visitar os cerca de 10 hectares cultivados e regados com água do poço dos 26 hectares que possui, alguns ainda com figueiras de sequeiro.
Na conversa junto do figueiral explica como se faz a poda da figueira, como se evita a pulverização com químicos e se produz de forma biológica, e admite que uma das suas grandes preocupações é a diferença da quantidade de água disponível de ano para ano, e que no futuro, é mais que certo, vai ter que apostar na captação de água através de furos. A aposta na rega por gravidade, com um depósito de água na cota mais alta do terreno, assim como a gestão de rega só a partir de Abril, consoante a quantidade e intensidade da água da chuva, são algumas das estratégias da produtora para poupar água. No entanto, pelo caminho, Michele Rosa conta que o calor excessivo que se tem feito sentir não é só desgraça, também veio ajudar a secar as passas das uvas.
Durante o passeio pelos terrenos do figueiral, Michele Rosa vai mostrando as figueiras de produção biológica com cerca de 30 anos, já do tempo do pai, um dos poucos produtores do concelho que nunca deixou o figo. O entusiasmo de Michele Rosa é perceptível por todas as explicações sobre características e aspectos técnicos das figueiras. Mostra também a nova plantação de cinco filas de figo preto alinhadas a dois metros e meio, em regadio, com apenas alguns meses de plantação. “O objectivo é perceber o comportamento do figo preto de Torres Novas nessas condições. Dizem-me que tenho um figueiral muito bonito, mas tem mesmo de ser porque eu vivo disto”, afirma, depois de mostrar e explicar como funcionam as armadilhas penduradas nas figueiras para apanhar a mosca, e assim evitar as pulverizações com químicos.
Questionada sobre os riscos de produzir de forma biológica, uma vez que a corre mais riscos de produzir menos quantidade, Michele Rosa admite que é um risco mas que não se vê a produzir de outra forma. “Tenho que trabalhar segundo as minhas opções, e seguir aquilo que a minha consciência manda. Se digo que os meus produtos são biológicos, é de forma biológica que tenho que produzir”.
Enquanto oferece figos aos repórteres de O MIRANTE, explica que o seu trabalho é muito físico, muito exigente, especialmente nos dias de Verão quando chega a trabalhar mais de 12 horas por dia. Michele Rosa produz, poda, apanha, rega, distribui, comercializa e ainda vigia os terrenos principalmente quando os javalis atacam, o que tem acontecido com alguma frequência nos últimos tempos. “Os meus pais são os meus braços direitos”, conta, assim como Nelson, o funcionário que ajuda Michele Rosa. A mão de obra é escassa e o custo para a apanha de produção de cerca de seis toneladas de figo que produz é elevada, uma vez que o figo tem de ser apanhado um a um, com uma tesoura, de forma cuidadosa, para depois poder ser comercializado. “É certamente um dos frutos mais caros e com mais mão de obra na apanha”, admite.
“Viver só do figo é um stress”
Por isso, Michele Rosa dedica-se de forma ainda mais esforçada à vindima e à apanha dos pêssegos, e à plantação de damasqueiros, que lhe podem dar uma maior rentabilidade pois “viver só do figo e não ter a certeza se temos quem o queira comprar é um stress que nos consome a vida”, reconhece. Para Michele Rosa tanto a produção de figo como em regra o sector primário são pouco valorizados em Portugal e explica que, tal como as pessoas têm filhos “altos, baixos, magros e gordos”, as árvores também.
Devido à falta de valorização do trabalho pelos consumidores, Michele Rosa passou também a produzir apenas uma pequena quantidade de doce com os frutos das suas árvores. Durante a conversa, que durou cerca de uma hora e foi decorrendo enquanto subimos e descemos os terrenos da propriedade, Michele Rosa lamentou a falta de apoios do Estado aos produtores, contando situações caricatas que só atingem os pequenos produtores que por dá cá aquela palha são penalizados por serem os elos mais fracos de uma sistema que favorece quase sempre os mais espertos e os mais abastados.
No caminho de volta à quinta, Michele Rosa desviou caminho e chamou-nos para nos mostrar o que ela própria acabava de descobrir: o bicho “cabeça de martelo” que anda ao ataque num pequeno pomar de pessegueiros já perto da sua casa. “É um bicho muito esperto! Quando chegamos perto da árvore, esconde-se, e se eu me aproximar o bicho cai no chão e finge-se de morto”, conta para depois reconhecer que fica “encantada com a natureza dos animais”. Os estorninhos também lhe dão dores de cabeça mas neste caso a forma de os espantar é ainda mais curiosa: “tenho um altifalante que emite um som a imitar aves de rapina, mas mesmo assim os estorninhos vão ao pomar, nem sempre consigo afasta-los”, conta com boa disposição, já no final da nossa conversa, depois de termos visitado o armazém e provado outra vez dos figos pretos mais pequenos que não vão para o mercado, embora sejam os mais doces e apetecidos.
Aliança para salvar o figo preto de Torres Novas
De forma a desenvolver o negócio e a salvar o figo preto de Torres Novas, Michele Rosa, juntamente com oito produtores da região, criaram a GoFigo Produção em 2020, uma sociedade agrícola com a missão de explorar, produzir, transformar e comercializar o figo fresco, seco e transformado. Para a realização do projecto contactaram com o apoio do Pólo de Inovação de Alcobaça – Estação Nacional de Fruticultura Vieira Natividade (ENFVN) coordenado por Rui de Sousa, o maior e o que mais conhece sobre a produção de figos em Portugal, através do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (ISA), Centro Operativo Tecnológico Hortofrutícola (COTH) e a Associação Qualifica, com o grande objectivo de ter uma Indicação Geográfica Protegida (IGP) ou uma Denominação de Origem Protegida (DOP). “Esse é o ponto de certificação que estamos longe de atingir porque precisamos de mais produção, não temos quantidade suficiente”, afirma a empresária, embora dando sempre sinais do entusiasmo pelo seu trabalho e esperança de que venham aí dias melhores para o figo preto de Torres Novas que é único no mundo.