Anabela concretizou o sonho de ser motorista de autocarros
Quase a entrar nos 60 anos, Anabela Nogueira é a prova de que nunca é tarde para ir atrás dos sonhos. Depois de muito ambicionar um emprego ao volante de um veículo pesado, e de muitas portas lhe terem sido fechadas por ser mulher, encontrou na Rodoviária do Tejo “o melhor trabalho do mundo”.
Desde muito nova que Anabela Nogueira começou a sonhar em trabalhar ao volante de um veículo pesado. Sempre que via passar um camião ou ia de autocarro para a escola em Santarém punha-se a imaginar que um dia seria ela a conduzi-los. Pouco depois de fazer 18 anos, com o dinheiro que amealhou a vender roupas de bebé numa pequena banca na rua, tirou as cartas de condução que lhe iam permitir concretizar esse sonho. Mas a sorte naquele tempo, e durante muito tempo, não lhe sorriu. Isso ou, se quisermos, a desigualdade no acesso a uma profissão conotada como sendo para homens. “Corri tudo, do Carregado à Zona Industrial de Santarém, e ninguém me dava emprego. Nos autocarros diziam-me que não aceitavam mulheres”, lembra a motorista de 57 anos que há dois anos conseguiu a sua “profissão de sonho”.
De cabelo curto e grisalho, e camisa bem arrumada dentro das calças, Anabela Nogueira recebe O MIRANTE na Rodoviária do Tejo, em Santarém. É desta garagem que todos os dias sai ao volante de um autocarro com um sorriso no rosto e com os olhos sempre brilhantes, como no primeiro dia em que arrancou, “à primeira”, com um dos autocarros da empresa. “Nesse dia as lágrimas vieram-me aos olhos. Sou muito, mas muito feliz a fazer o que faço. Emociono-me porque depois de tantos anos consegui o que sempre quis”, afirma a antiga comerciante que foi proprietária de uma mercearia no Jardim de Cima, em Santarém.
Amor ao trabalho visível até na manicura
E se dúvidas houvesse da felicidade de Anabela a trabalhar como motorista na Rodoviária do Tejo, que actualmente emprega 61 motoristas mulheres, bastaria olhar-lhe para as duas unhas das mãos - que se destacam das restantes pintadas com verniz vermelho - onde tem o logótipo da empresa que lhe deu “o melhor trabalho do mundo”. Quase a fazer dois anos de serviço, a motorista garante que nunca sentiu discriminação de género, pelo contrário: dos homens ouve elogios e das mulheres diz sentir admiração e orgulho. “Quando uma mulher que vai na rua olha e me vê ao volante sorri e acena-me. Há uma senhora que todos os dias me dá uma flor quando vou apanhar a neta dela para a levar para a escola”, conta antes de meter a primeira e arrancar para uma volta que serviu de cenário para as fotografias e para demonstrar, através dos acenos que deu e recebeu, inclusive de um polícia, como é estimada pela comunidade.
A Anabela, motorista zelosa dos autocarros que conduz, onde nunca falta um pano para limpar se for preciso, não se pode aplicar a graçola de “mulher ao volante perigo constante”. Logo no primeiro dia, recorda, passou com distinção “numa estrada muito estreita”. Até lhe dizem, salienta, que se desenrasca melhor do que muitos homens. Já teve um acidente enquanto motorista da Rodoviária do Tejo, do qual, apressa-se a explicar, não foi culpada. Uma senhora é que “entrou contra a mão na rotunda” e sem tempo de se desviarem os veículos chocaram.
A poucos minutos de entrar ao serviço, Anabela conta ainda como teve o apoio incondicional do marido na concretização deste sonho, da surpresa e alegria da sua filha e filho, e da admiração que recebeu da sua mãe, de 76 anos. “Houve um dia em que a avisei que ia passar de autocarro lá à porta de casa. Quando me viu ficou toda emocionada”, recorda a motorista que durante os 10 anos em que trabalhou no Hospital de Santarém achou que o carro de transporte de roupa hospitalar que manobrava todos os dias ia ser o único que ia conduzir profissionalmente. Felizmente, para Anabela e para os seus passageiros - os mais novos que leva à escola e que carinhosamente lhe chamam Bela, e os mais velhos com os quais gosta de conversar ajudando-os a afastar a solidão - não foi.