Francisco Morgado conserta sapatos há três décadas no Forte da Casa

Francisco Morgado é uma figura conhecida no Forte da Casa, onde há mais de 30 anos conserta sapatos num quiosque da vila. Reformado do Metropolitano de Lisboa, mantém vivo um ofício cada vez mais raro e adapta-se às mudanças dos hábitos de consumo da sociedade. Fechar a porta será difícil, porque gosta de conversar com as pessoas e criou amizades ao longo dos anos.
Poucos são os residentes mais antigos do Forte da Casa que não conhecem o sapateiro da vila. Francisco Morgado tem 69 anos, nasceu em Trancoso e chegou a Lisboa aos 16. Vive há 39 anos no Forte da Casa, onde, na mesma rua da sua casa, tem o quiosque de sapateiro que mantém há mais de três décadas. Reformado do Metropolitano de Lisboa, consertar sapatos começou por ser um segundo ofício, mas depressa se tornou uma paixão. Incentivado por ver outros sapateiros, quis aprender a profissão e hoje tem clientes fiéis de várias localidades do país, e até da Suíça, tendo já tratado do calçado de artistas e músicos.
Até à reforma manteve as duas profissões e confessa que dormia e passeava pouco. Na altura em que também fazia sapatos para as noivas, chegava a trabalhar até à meia-noite e a entrar no Metropolitano às 05h00 ou às 06h00. “Sei fazer um sapato do início ao fim, mas isso acabou. O material é caro e dá muito trabalho. Acabei com as formas, não dava mais”, conta.
Francisco Morgado coloca capas nas solas dos sapatos, mas também engraxa cintos, coloca fivelas novas e até arranja malas. Cobra preços em conta, diz, porque não vive só do ofício, caso contrário teria de aumentar os preços. Uma lata de cola, por exemplo, aumentou 15 euros, e um tubo de cola mais pequeno, que custava pouco mais de três euros, custa agora sete.
Maioria do calçado é de fraca qualidade
Hoje em dia, lamenta o sapateiro, as pessoas andam com sapatos de má qualidade e muitos de ténis. “Deve-se investir em calçado confortável, porque é o que suporta o peso do nosso corpo. O material ideal é couro ou, em alternativa, pele de vaca. Eu não tenho calçado de plástico e uso muito sapato preto”, explica, referindo que a maior parte dos consertos é de colagem.
Apesar de ter preços baixos, quem entra no quiosque vê as prateleiras cheias de sapatos de pessoas que nunca os vieram buscar. Enquanto mostra umas botas novas, agora sem dona, Francisco Morgado diz que entrega o calçado por levantar às instituições. “Mesmo que leve um euro, as pessoas não vêm buscar. O problema é o consumismo. Vão às lojas, vêem uma promoção e compram sem olhar à qualidade. Acontece o mesmo com as modistas”, diz. Ainda assim, não pede dinheiro adiantado e não tem coragem de exigir pré-pagamento aos clientes ao fim de trinta anos.
Comovido, o sapateiro diz sentir o reconhecimento da comunidade pelo seu trabalho, por isso não arrisca dizer quando vai fechar a porta. “A minha estimativa era sair daqui por um ano, aos 70, quando vender as máquinas. Mas as pessoas pedem-me para continuar e tenho aqui raízes. Foi tudo feito por mim com gosto e carinho, e gosto de conversar com as pessoas. No Forte da Casa todos conhecem o sapateiro. Criam-se amizades”, sublinha.
Francisco Morgado abre a porta semanalmente das 09h00 às 13h00 e das 15h00 às 19h00, e aos sábados até às 13h00. Sobre o futuro da profissão, prevê que venha a acabar, porque não há ninguém para aprender. Defende que é necessário amor à profissão e, como ele, ter brio. Sobre a vila do Forte da Casa, opina que “não está má”, mas, na sua perspectiva, a pandemia de Covid arrasou com 80% do comércio e, desde aí, nunca mais foi a mesma coisa.