Investimento milionário “nunca visto na região” anunciado para o concelho de Abrantes

Criação de data center na zona do Pego prevê criar mais de mil postos de trabalho directos e indirectos até 2030. O investimento falado é de uns astronómicos 7 mil milhões de euros. Câmara de Abrantes aprovou isenções de taxas num valor superior a 16 milhões de euros. Empreendimento está anunciado para o local onde se pretendeu construir o fracassado projecto da RPP Solar.
A Câmara de Abrantes aprovou a isenção do pagamento de taxas no valor de 16,2 milhões de euros à empresa EDC ONE Lda, para apoio a um investimento num centro de dados (data center) avaliado em 7 mil milhões de euros. “Trazemos aqui a esta reunião um Projecto de Interesse Nacional (PIN) a aprovar pela câmara e, obviamente, a autorização para todas estas reduções de valores muito consideráveis a levar a efeito, tendo em conta um projecto que pretende criar 450 postos de trabalho directos e 700 indirectos até 2030”, disse o presidente da autarquia, Manuel Jorge Valamatos (PS), na reunião de executivo que declarou o projecto como de interesse municipal (PIM).
O projecto para o Data Center – que ainda carece de outras aprovações finais do Governo – é apontado pelo município como um “investimento nunca visto na região” e uma “notícia absolutamente extraordinária” para Abrantes, ao dar nova vida às antigas instalações da RPP Solar”, fábrica de painéis solares que não chegou a vingar, localizada em terrenos nas proximidades da Central do Pego. Na reunião, o autarca socialista destacou a importância da requalificação das antigas infra-estruturas e a nova dinâmica que o projecto poderá trazer à zona industrial do Pego e ao concelho de Abrantes.
De acordo com Manuel Valamatos, em causa está a instalação de um Data Center junto à Central do Pego, “uma estrutura ao exemplo daquilo que tem acontecido em Sines, que está a transformar e a desenvolver economicamente toda a região e o país. Estamos a falar de quadros qualificados, de pessoas na área da tecnologia. São, de facto, muitos postos de trabalho e uma nova dinâmica”. A decisão, tomada por unanimidade, mas com reservas da oposição, surge para apoiar a concretização de um investimento de 7 mil milhões de euros até 2030, destinado à instalação de um centro de processamento e armazenamento de grandes volumes de dados informáticos, com servidores protegidos por sistemas de segurança física, energia e refrigeração, cada vez mais necessários para garantir operações online contínuas e seguras.
Nesse sentido, a Câmara de Abrantes aprovou a atribuição de isenções de IMI, IMT e Derrama no valor global de 16,2 ME à empresa EDC ONE Lda., no âmbito de uma candidatura a Projecto de Interesse Municipal (PIM). Ainda durante a sessão, Manuel Valamatos anunciou que este é “um primeiro de vários projectos que estão em fase de licenciamento”, acrescentando que a aprovação surge no tempo da empresa e não por conveniência política.
Oposição aprovou com reservas
Em declarações à Lusa, o vereador do PSD, Vítor Moura, que criticou o ‘timing’ da proposta, disse que votou favoravelmente a isenção de taxas, mas que tem “reticências e algumas dúvidas sobre a concretização” do projecto. “Uma proposta deste tipo não podemos ser nós a inviabilizá-la. Temos de votar favoravelmente”, afirmou, tendo indicado “alguma preocupação relativamente às características da deliberação e, sobretudo, ao perfil da empresa” proponente, que “tem um ano de existência”, que “tem um capital social de cinco mil euros e fala em investir sete mil milhões de euros”.
O vereador do movimento ALTERNATIVAcom, por sua vez, disse à Lusa que votou a favor da isenção de taxas e da declaração de interesse municipal, mas “com mais dúvidas do que certezas” sobre o projecto. “O sentido de voto que tinha preparado era a abstenção, devido ao capital social” do proponente, “montante de investimento, o facto do CAE da empresa ter sido alterado há um mês, e também pelo facto de termos tido, num passado recente, alguns casos mais ou menos com este cenário e que depois não se concretizaram”, disse Vasco Damas, que decidiu aprovar a deliberação para “não haver aproveitamentos políticos” em véspera de eleições “e ser acusado de estar a ser uma força de bloqueio para o desenvolvimento da cidade e do concelho”.
Questionado pela Lusa sobre as dúvidas da oposição e se recebeu garantias de investimento por parte da empresa, o presidente do município disse que o projecto e a intenção de investimento foi apresentado ao município “há mais de um ano” e que o mesmo tem um “suporte financeiro internacional” para um “investimento muito ambicioso que acontece porque existe ali o ponto de injecção” de energia no Pego. “Este é o início de um processo que vai demorar o seu tempo a concretizar-se”, afirmou, revelando ter “boas expectativas” sobre o mesmo e notando que, no entanto, a concretização do mesmo não está nas mãos do município.

RPP Solar: um negócio de milhões que deu em nada
Há 16 anos, o empresário Alexandre Alves anunciava um investimento no valor de 1.052 milhões de euros com vista à construção de uma fábrica de painéis fotovoltaicos no concelho de Abrantes, que previa a criação de cerca de dois mil postos de trabalho. O empresário, mais conhecido por Barão Vermelho, garantia que ia começar a produzir painéis fotovoltaicos em Janeiro de 2010 num terreno comprado pela Câmara de Abrantes. O anúncio foi feito, em Outubro de 2009, após a assinatura do protocolo entre a autarquia e a RPP Solar, que decorreu no salão nobre dos paços do concelho. Tendo em conta as características do projecto, o Governo atribuiu na altura o estatuto de Projecto de Potencial Interesse Nacional ao complexo de energia solar.
O protocolo oficializou a instalação do Projecto de Energia Solar na freguesia de Concavada, perto da Central Termoeléctrica do Pego, em 82 hectares de terrenos que o município adquiriu propositadamente para o negócio por um milhão de euros. O objectivo era viabilizar a implantação dessa indústria no concelho. O projecto visava a instalação de sete unidades industriais, cinco a sete torres eólicas, painéis solares e turbinas de co-geração, que estariam a trabalhar 24 horas por dia. Disso nada chegou a funcionar e no local apenas foram construídos alguns pavilhões. E, em Fevereiro de 2022, a RPP Solar foi condenada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a pagar cerca de 1,1 milhões de euros à Câmara de Abrantes, pelos terrenos da fábrica que se comprometeu a construir em 2009.
Empresa da Maia com capital social de 5 mil euros
A EDC ONE Lda., com sede na Maia, foi criada em Julho do ano passado com um capital social de 5.000 euros, para actuar na área da “gestão de activos imobiliários”. Surge agora como possível investidora de 7 mil milhões de euros na construção de um Data Center em Abrantes, depois de uma alteração societária realizada no dia 20 de Agosto, passando a ter como actividade registada a “concepção, construção, operação e manutenção de Data Center e de infra-estruturas de telecomunicações e de energia associadas”.