Preocupa-me que seja cada vez mais difícil distinguir a realidade da ficção, a verdade da mentira e os factos das criações
Para combater as alterações climáticas vale a pena alterar comportamentos mas vai ser difícil obter resultados significativos se alguns dos países com mais emissões não corrigirem as suas políticas energéticas.
Portugal vai celebrar os 50 anos do 25 de Abril? Com base na sua experiência qual a importância da chamada Revolução dos Cravos, para o país?
O 25-04-1974 assegurou-nos o fim de um regime antidemocrático e de uma guerra colonial sem sentido. Com a transição para a democracia surgiu a liberdade de imprensa, de expressão, de associação e de reunião. Deram-se passos para a massificação da educação e dos cuidados de saúde e criou-se o Poder Local democrático, principal motor da infra-estruturação do país que assegura aos cidadãos as melhores condições de vida possíveis, no desporto e na cultura, na educação e nos apoios sociais, no ambiente e na mobilidade e, cada vez mais, no turismo, nas actividades económicas e até na saúde.
Consegue explicar, com um ou dois exemplos, como acha que seria a sua vida, a nível pessoal e profissional, num país não democrático?
Tendo tido a oportunidade de viver em democracia a minha vida adulta não consigo conceber essa possibilidade. Assusta-me todo o tipo de violências sobre as pessoas, as tentativas de condicionamento e até alguma pseudo-higienização que alguns badalam nos dias de hoje, com um excesso de regulação do consumo do tabaco, as limitações ao que se pode ver no mundo rural, entre outros exemplos perniciosos.
Na Constituição da República estão inscritos os direitos e os deveres dos cidadãos. É capaz de indicar dois ou três dos nossos deveres constitucionais?
Há direitos e deveres de natureza política, familiar, ambientais, mais genericamente, de âmbito social, mas também económicos. A cidadania, o respeito (ou a falta dele) pelos outros e pelo nosso património colectivo diz muito sobre a qualidade dos nossos valores.
Há cada vez mais pessoas que optam por ser informadas através do que lhes chega pelas redes sociais. É o seu caso?
Talvez por ser de uma geração muito próxima do 25 de Abril de 1974 prefiro os meios de comunicação tradicionais e no caso dos jornais claramente o suporte em papel. Dizia-se, quando surgiu a televisão, que a rádio acabaria e não foi o caso. Tenho a expectativa de que com as redes sociais suceda o mesmo. Concebo viver num mundo onde não tenha forma de fazer o confronto da informação pois a “verdade” ficaria na posse de meia dúzia de empresas que tutelassem, a nível mundial, as redes sociais.
A informação devia ser toda gratuita e de acesso livre?
O acesso à informação é muito importante, o acesso à cultura, à educação e à saúde também. Há hoje muita informação de acesso livre, em que os custos são suportados pela publicidade e nalguns casos co-financiados pelo Estado. A especificidade, a qualidade, paga-se e julgo que assim deve continuar. Prefiro isso a que deixe de existir.
Há muitos jornais em dificuldades e há alguns que já deixaram de se editar, nomeadamente regionais? É algo que o preocupa?
Preocupa-me que se percam fontes noticiosas. É importante que se mantenham os órgãos de comunicação social de âmbito nacional mas também os de características locais e regionais, até pela proximidade aos cidadãos e porque de algum modo facilitam a identificação com uma determinada comunidade ajudando muito na divulgação do seu património e das suas gentes valorizando o movimento associativo.
Que opinião tem sobre a crescente presença da Inteligência Artificial na nossa vida?
A Inteligência Artificial é, e será sempre, de difícil e atempada regulação pelo que gerará sempre uma oportunidade de utilização por criminosos. Sinto-a cada vez mais presente, nesta fase, pela comunicação social. Preocupa-me muito que cada vez seja mais difícil a um cidadão distinguir a realidade da ficção, a verdade da mentira, os factos das “criações”.
As alterações climáticas são uma realidade ou há muito exagero no que é apresentado?
As alterações climáticas sentem-se todos os dias e estão tecnicamente documentadas. Vale a pena alterar comportamentos mas vai ser difícil obter resultados significativos se alguns dos países com mais emissões não corrigirem as suas políticas energéticas. O gradualismo das medidas é fundamental para as economias das famílias e das nações mas isso pode atrasar o combate às alterações com consequências de difícil estimativa, ainda que acredite que haja alguma capacidade de readaptação do planeta.
Qual foi o último texto que leu em O MIRANTE de que gostou?
Não vou individualizar. Gosto muito de ler sobre o que se faz na região. Aquilo que é concretizado pelas autarquias, mas também os eventos e as iniciativas que decorrem da acção do movimento associativo, desportivo, cultural e recreativo. Prefiro enfatizar o que de bom temos e fazemos porque assim, colectivamente, estamos a “construir” algo. Com o pior que cada um de nós terá nunca se alcançará nada de positivo.
Se tivesse que classificar a classe política que vai festejar os 50 anos do 25 de Abril na Assembleia da República que pontuação lhe dava de 1 a 10?
A classe política não resulta de nenhum epifenómeno, ela é o reflexo do que somos individual e colectivamente. Daria talvez um 6, uma nota positiva, mas baixa. Positiva porque temos conseguido manter a liberdade e a democracia melhorando significativamente a vida das pessoas. Baixa porque temos tido fraca participação na democracia representativa (muita abstenção); não conseguimos contrariar a tendência para a generalização (todos os políticos são iguais) e alguns de nós vão inadvertidamente alimentando os movimentos populistas que se servem da ignorância das pessoas sobre temáticas mais complexas usando slogans e simplificações de linguagem que aparentam indicar uma solução mas que não têm real adesão à resolução desses problemas.