Especiais | 04-03-2024 16:00

Lealdade, humildade e bom senso são qualidades que não podem faltar a um líder associativo

Lealdade, humildade e bom senso são qualidades que não podem faltar a um líder associativo
Personalidade do Ano Vida - José Eduardo Carvalho
José Eduardo Carvalho é presidente da Associação Industrial Portuguesa (AIP) e foi presidente da Nersant durante 17 anos. Considera que o associativismo empresarial já teve melhores momentos e é preciso haver ajustamentos

José Eduardo Carvalho, ribatejano de Vila Chã de Ourique, é um homem há muitos anos ligado ao associativismo empresarial. Foi presidente da Nersant e lidera actualmente a Associação Industrial Portuguesa (AIP) tendo-se candidatado a mais um mandato de quatro anos. Lealdade, humildade e bom senso são qualidades que considera essenciais para ser bem-sucedido na vocação de servir e apoiar as empresas.

Como se lidera uma associação empresarial que tem relações privilegiadas com os governos?

O cerne das confederações, como a CIP – Confederação Empresarial de Portugal -, que a AIP integra, é formatar a política económica e apresentar propostas, de influenciar e de tentar que a política económica e a política pública satisfaçam os interesses das empresas. E têm o monopólio da representatividade associativa na concertação social e na intervenção pública sobre assuntos relacionados com a concertação. Já o cerne das associações empresariais, como a AIP, é conceber projectos e acções que possam aumentar a competitividade e produtividade das empresas e a sua qualidade de gestão. Significa que a relação de proximidade ou confronto com o Governo é muito mais por parte da CIP. A AIP tem um papel muito mais próximo das empresas e menos dos governos, daí um défice de intervenção pública que se possa percepcionar.

Há algum governante com quem se dê melhor?

No actual Governo tínhamos uma relação de trabalho muito forte com o Ministério da Economia e com o ministro.

É fácil gerir as amizades com alguns políticos sem haver conflitos de interesses?

Actualmente, o escrutínio está feito de tal forma que ninguém se arrisca a meter-se em confusões nesses aspectos.

Mas neste momento não pode dizer que tem um amigo ministro, como já teve noutros governos. Ou tem?

Independentemente das concepções ideológicas e político-partidárias, quando existe lealdade na relação criam-se boas amizades. Sabe-se que sou muito amigo do Miguel Relvas, mas a amizade tem diversos graus. Tive sempre uma excelente relação com o Nelson de Souza quando foi ministro…

Mantém contacto com Miguel Relvas?

Sim. Como sou padrinho do seu filho mantemos uma relação de amizade e falamos frequentemente sobre diversas situações. Outra pessoa de quem apreciei muito o trabalho foi o Eurico Brilhante Dias quando foi secretário de Estado da Internacionalização.

Quando chegou à direcção da AIP herdou uma associação endividada e com problemas estruturais. Como estão as coisas agora?

A AIP é uma instituição com 187 anos e um grande legado histórico. Aquelas paredes reflectem uma história. Tenho feito por honrar esse legado, nunca acertando contas com o passado. Não foi um percurso fácil. Passou-se de um passivo de 37 milhões de euros para 7 milhões. Houve muitos investimentos, houve um engrandecimento patrimonial muito grande, o modelo de negócio também se alterou, as feiras deixaram de ser tão rentáveis como dantes… Os modelos alteram-se e tem de haver ajustamentos, o que foi conseguido através de muito compromisso.

A AIP está bem e recomenda-se?

Sim. O ano passado foi excepcional. Atingimos o pico de empresas envolvidas, com 6.700 empresas em projectos e nas nossas actividades, 27 mil participantes nos projectos, temos 6.600 filiados directos e mais uns milhares que são associados por inerência através das associações que são nossas filiadas.

A AIP vai a eleições a 28 de Fevereiro. Vai recandidatar-se a presidente?

Vou. Ainda me sinto com energia e disponibilidade para fazer mais um mandato. Há uma grande estabilidade em termos directivos. O núcleo duro continua a ser o mesmo.

Qual é o estado de saúde do associativismo empresarial?

Já teve momentos melhores. É preciso haver ajustamentos. Uns estão a fazê-lo, a tratar modelos de negócios, a definir estratégias, está a haver uma grande renovação.

Como analisa o período que a Nersant – Associação Empresarial da Região de Santarém está a atravessar, nomeadamente a nível financeiro?

Não irei falar do passado. Foram 18 anos de entrega, de compromisso, de dedicação, até de paixão, com equipas muito boas. O trabalho que se fez dependeu muito disto e da estratégia montada, dos planos de acção definidos, de uma gestão orientada para objectivos e na cultura de trabalho muito rigorosa.

E o que tem a dizer sobre o presente?

[Quando esteve na liderança da Nersant] Percebemos que estávamos integrados num sistema territorial que tinha seis pilares: empresas; autarquias; universidades; pessoal político; CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional); e imprensa, que faz a ligação disto tudo e que acaba por dar notoriedade, ou não, às coisas boas que se estão a fazer. O que está estudado desde a década de 60 é que as regiões mais desenvolvidas são as que têm um grau maior de coesão e de não conflitualidade entre estas seis peças. Acho que está na altura de colocar novamente estas seis peças em harmonia.

Tem havido demasiada conflitualidade?

Toda a gente sabe que há um conflito aberto entre a Nersant e a imprensa, nomeadamente o seu principal jornal, que está a causar estragos consideráveis. Também acho que começa a haver alguma saturação do conflito e estas guerras não podem durar sempre. Nunca serei um intermediário desta contenda, porque não tenho jeito para isso, mas começa a haver necessidade de alguém que assuma esse papel. Conclusão: para que haja competitividade territorial é preciso um grau de consenso e de não conflitualidade entre estas peças. Foi a grande lição que tirei dos meus 18 anos na Nersant.

Dói-lhe ver ao abandono o pavilhão de feiras da Nersant em Torres Novas?

Aquilo começou a decrescer ainda no meu tempo quando trouxemos a Fersant para Santarém. Começámos com feiras espectaculares e depois começou a decair. A Fersant deixou de ter atracção e aquilo que se vê actualmente é que os pavilhões de outras associações estão a ser transformados em centros de negócios. O pavilhão tem que ser aproveitado para outras valências.

Não lhe falta experiência acumulada. Gostava de exercer um cargo governativo? Alguma vez recebeu convites nesse sentido?

Cargos governativos não. Tive o convite de um governo para coordenar um grupo de trabalho que participou na elaboração e discussão de um plano de infraestruturas a nível nacional. Depois tive um convite para presidir a uma empresa pública, que não aceitei...

Pode saber-se qual era essa empresa?

Era a Carris. Com a minha personalidade e cultura de trabalho teria muita dificuldade, por exemplo, em ser presidente de câmara, em ser presidente da CIP ou em ser presidente de uma empresa pública.

Porquê?

Porque há um grau de exigência e de definição de objectivos e de recompensa para quem atinge objectivos e de censura para quem não os atinge que teria dificuldades em gerir. Teria dificuldades em estar numa câmara, ver uma directora de urbanismo cometer um erro brutal, que pode condicionar o desenvolvimento do concelho, e eu com medo de actuar, por represálias ou problemas que pudesse ter. Defendo a necessidade de diferenciar pessoas pelo compromisso, competência, dedicação e esforço. Se tratar de forma igual o bom e o mau trabalhador, o primeiro desmotiva e o segundo não melhora.

Que experiência guarda do trabalho de pôr de pé a Tagusgás que depois foi vendida à Galp?

Foi de facto um grande trabalho, partilhado com um homem por quem tinha grande admiração, o Carlos Cunha, que era Governador Civil de Santarém. Vi aquele homem tomar posições no gabinete dos ministros que nunca mais vi. Vi-o chamar nomes, ser agressivo, ameaçador, porque os grandes interesses nacionais na altura estavam contra esse projecto em Santarém, contestando a sua viabilidade, a sua rentabilidade. Havia outras empresas constituídas dentro do mesmo ramo que também não queriam. O Carlos Cunha foi fundamental.

A venda à Galp era inevitável?

Sim. Os próprios accionistas privados acharam que era a melhor opção para eles.

A Tagusgás podia ter sido a alavanca para a dinamização daquela área empresarial próxima do Cartaxo.

A questão dos parques de negócios não correu como o esperado porque se partiu do pressuposto que aquilo assentava na iniciativa privada. Nunca se pensou que, em termos de regulamento de sistemas de incentivos, as sociedades de capitais mistos (privados e públicos), mas maioritariamente privados, não tivessem acesso a fundos estruturais da União Europeia. As infraestruturas foram feitas através de investimentos e com apoios financeiros e bancários. Já os parques de algumas autarquias conseguem vender os lotes muito mais baratos porque conseguiram ir buscar esses incentivos. É difícil competir com essa realidade.

Num artigo de opinião falou da saturação fiscal e de haver quatro mil impostos directos e indirectos. Há um esbulho do Estado às empresas e contribuintes particulares?

Comparando um salário de dois mil euros na Holanda e em Portugal, o custo anual para a empresa são 31,5 mil euros na Holanda e em Portugal são 34,7 mil euros, mais 10%. Com esses dois mil euros o trabalhador na Holanda recebe 24,4 mil euros por ano e em Portugal recebe 19,1 mil euros, menos 22%. A diferença vai para o Estado e a Segurança Social. A arrecadação fiscal bateu no fundo e condiciona o crescimento económico. É um sistema muito complexo com esses 4.300 impostos e 457 benefícios fiscais. É uma confusão total.

O novo aeroporto fica melhor em Benavente ou em Santarém?

Acho que não há ninguém que nasça aqui, que dê os melhores anos da sua vida para o desenvolvimento desta região, que tenha cá família, que não gostasse de ter um aeroporto em Santarém. Não sei se a AIP alguma vez virá a ser chamada a tomar posição sobre o assunto; se for logo se verá o que dizer. Agora, não há dúvidas que o país precisa de um novo aeroporto. Lisboa chegou aos 33 milhões de passageiros no ano passado e está saturado.

Concorda com a criação da futura Região do Vale do Tejo e Oeste?

Concordo e tenho esperança que aquilo obrigue a mexer um pouco com o status quo que existe. As pessoas daqui têm que se entender para irem para lá articuladas. Vêm aí novos estudos, novas estratégias de desenvolvimento, acho que só tem vantagens. Penso que nunca tivemos uma sinergia muito forte com o Alentejo, fomos sempre olhados como intrusos.

Como vê a actual situação do país?

Li um artigo do maior economista português da actualidade, que escreve no Expresso, o Ricardo Reis, que falava sobre uma sondagem que conclui que se o universo eleitoral se constituísse só por gente com um curso superior, a AD, o Chega e a IL tinham 80% e o PS 17%. Se o universo fosse só de jovens dos 18 aos 34 anos, o Chega tinha 50%, a AD 17%, a IL 12% o BE 10% e o PS estava em quinto lugar. Isto vem provar que qualquer mudança ou reprodução do poder tem sempre de trabalhar sobre dois segmentos da população: reformados e funcionários públicos. Os jovens, os quadros técnicos superiores, já não contam nesta equação. É por isso que aparecem estas propostas irrealistas, de pensões para ali, de recuperação do tempo dos professores para outro lado, etc… É terrível vermos os segmentos mais dinâmicos da população portuguesa, nomeadamente os jovens e os que têm cursos superiores, a não contarem para a definição do futuro do país.

E como está a situação do distrito de Santarém?

Há poucas coisas no distrito de Santarém onde temos diferenciação a nível nacional. Temos diferenciação em Fátima, nalguns eventos como a Feira da Golegã, a Feira Nacional da Agricultura, a Agroglobal, a Renova e pouco mais. Tínhamos outra, que era um colégio que havia ali em Tremês, que nos rankings distritais era o melhor e era o 12º a nível nacional. Esse colégio foi fechado na altura por uma secretária de Estado da Educação que é uma defensora do ensino público e tem os filhos no Colégio Alemão.

Um papel fundamental no desenvolvimento da região

José Eduardo Carvalho, 66 anos, tem um percurso de vida ligado às mais importantes realizações da região. Natural de Vila Chã de Ourique, concelho do Cartaxo, licenciado em Sociologia e com uma pós-graduação em Gestão Empresarial, é uma referência como dirigente associativo empresarial, nomeadamente como presidente da Nersant - Associação Empresarial da Região de Santarém -, cargo que exerceu de 1994 a Março de 2011 e presidente da direcção da Associação Industrial Portuguesa (AIP) – Câmara de Comércio e Indústria, de então para cá.
Esteve ligado à entrada do gás natural da região, à sociedade de garantia mútua Garval, à constituição de parques de negócios e de escolas profissionais, à organização de dois congressos empresariais e a muitas outras mais-valias para o desenvolvimento empresarial e promoção de empresários e empresas. À frente da AIP tem contribuído para a consolidação e equilíbrio da sua exploração e sustentabilidade financeira e para colocar a associação na liderança do movimento associativo no que concerne à concepção e execução de programas, apoios e acções com o objectivo de aumentar a competitividade das empresas.
Em termos associativos José Eduardo Carvalho foi também presidente do Clube de Empresários de PME que formou com o ISCTE, CGD e IAPMEI a primeira “business school” do país, o INDEG/ISCTE. A nível empresarial, entre outros cargos, foi presidente do conselho de administração do TVT – Terminal Multimodal do Vale do Tejo, S.A. e presidente do conselho de administração e da comissão executiva da Tagusgás, SA.
José Eduardo Carvalho vive no concelho de Santarém, tem três filhas e dois netos. As duas filhas mais novas são atletas já com resultados dignos de relevo nas suas modalidades, ski alpino e atletismo, motivando-as e acompanhando-as de perto. Entusiasta da prática desportiva e do exercício físico, ainda faz uma perninha em jogos de futebol, modalidade de que foi jogador federado há uns bons anos no Estrela Ouriquense.
Diz que para se ser líder de uma associação empresarial com milhares de filiados é preciso ter bom senso, ter estratégia e ter a noção que está a desempenhar uma função para servir os outros. E também ter um grau de lealdade na relação profissional e ser fiel aos compromissos.

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