Posso ser visto como demasiado conservador mas acho importante que se cumprimente com um “bom dia” e que se diga “obrigado”
Por ocasião da luta contra a Covid-19, houve várias expressões de agradecimento aos profissionais de saúde, como a pintura de murais ou painéis fotográficos. De repente, parece que isso foi há décadas e que não queremos recordar esse esforço.
Sem presunção, posso dizer que tenho memória de elefante. Nomeadamente nas coisas mais marcantes – que nem sempre são coisas demasiado importantes - , a minha memória de longo prazo regista os factos, pessoas ou dados por muito tempo. Imagens, sons, cheiros e cores permanecem durante anos na minha memória, como se tivessem sido vivenciadas ontem.
Guardo mais boas memórias do que más. Deixo-as instalarem-se na memória de longo prazo, recordando-as amiúde. As más procuro deixá-las partir para não se instalar a mágoa. Mas há algumas, como a perda de familiares, que não esqueço, nem quero esquecer.
Entre as minhas melhores memórias destaca-se, sem dúvidas o dia em que a minha filha me comunicou a gravidez do meu neto Tomé. Entre as piores, tenho a memória do que nunca poderia ter acontecido. O trágico acidente mortal do meu sobrinho Joel; como se já não tivesse sido tão cruel, o falecimento tão prematuro do seu pai, anos antes.
É curioso como também ficamos na memória dos outros, por vezes, de forma indelével, sem termos disso consciência. Um colega de ensino secundário, em Vila Franca de Xira, contou-me que no 11º ano, o nosso professor de Filosofia decidiu levá-lo a exame, quando ele tinha efectuado mais trabalhos do que muitos outros durante o ano. Segundo ele, eu defendi-o e graças à minha intervenção, o professor reflectiu e ele viu-se dispensado do exame. Foi um momento que o meu colega jamais esqueceria na vida, e o qual só foi resgatado da minha memória passados estes anos todos.
Não sendo conhecedor profundo dos tantos acontecimentos marcantes do desenvolvimento da região, destaco dois com particular relevância. A rede rodoviária das auto-estradas SCUT, que permitiram uma mobilidade das pessoas e um desenvolvimento económico e social da região e a criação da ULS Médio Tejo. É prematuro as pessoas e os profissionais de saúde terem a percepção do que significa este modelo organizativo, mas, no futuro, outros também referirão este acontecimento como um dos mais marcantes da evolução do sistema de saúde na região.
Por ocasião da luta contra a Covid-19 houve várias expressões de agradecimento aos profissionais de saúde, como a pintura de murais ou painéis fotográficos. De repente, parece que a Covid-19 foi há décadas e que todo esse esforço são somente memórias de um passado que não queremos recordar. Na minha opinião, esses foram momentos que não podemos votar ao esquecimento, e se pudesse propor a construção de um memorial público sugeria que o mesmo fosse erguido em agradecimento aos profissionais de saúde que numa luta tão desigual contra um vírus, mantiveram-se firmes e determinados em salvar vidas.
Analisar os comportamentos das pessoas em determinadas circunstâncias não é somente uma questão de mera percepção. Cada caso é um caso. Mas, se fizéssemos um estudo científico sobre essa mudança de comportamento (em alguns casos), talvez tivéssemos de colocar também a questão se tal não resulta do facto que haver um momento antes, em que se fala, porque nunca se imaginou que amanhã se poderia vir a estar nesse lugar. E, uma vez lá chegados, é quando se apercebe que nem tudo é aquilo que parece.
As tradições são as fundações dos valores de uma sociedade. No contexto actual talvez seja julgado por muitas pessoas como demasiado conservador em hábitos e costumes. Mas para mim será sempre importante que se cumprimente com um ‘bom dia’ e que se diga um ‘obrigado’; que se respeitem os mais idosos, que se vá ao cemitério em Dia de Finados, que se junte a família pelo Natal, que pelo São Martinho se prove o vinho…
Nunca deixarei de respeitar a tradição da ceia de Natal. E não tenho tradição que tenha propriamente deixado de seguir. Do meu ponto de vista, as tradições só deixam de fazer sentido quando os motivos para as mesmas existirem desaparecem. Embora, até nesses casos, considero que seja bom fazer algo que as recorde, porque fazem parte do processo evolutivo da civilização ou da nossa sociedade.
Vejamos um exemplo contraditório. A tradição do “Pão por Deus”, talvez porque felizmente o nível de vida da sociedade em geral melhorou, foi ficando como um hábito minoritário, meramente de retrato histórico. Por sua vez, e quase como por substituição, surgiu o Halloween. Pergunto: faz isto realmente, algum sentido?
A tradição do inquérito e aniversário de O MIRANTE ganhou raízes. Cabe a todos nós contribuirmos para manter a sua relevância na afirmação dos valores da sociedade que pretendemos para os vindouros. Como tema futuro sugiro: quais as principais modificações que antevêem na sociedade, no mundo, no país e na região ao nível cultural, económico, social e tecnológico daqui a 30 anos.
Quero desejar votos de um excelente aniversário a O MIRANTE. Envio um forte abraço de apreço e consideração pelos seus dirigentes e profissionais pelo trabalho desenvolvido ao longo destes 37 anos em prol da informação e afirmação da região e das suas gentes. Que venham muitos mais anos de vida e de sucessos.