Inês Barroso: “sou desassossegada e gosto de desafios políticos, estou onde o PSD precisar de mim”

Personalidade do Ano Política - Inês Barroso
Inês Barroso chegou à política já relativamente tarde no seu percurso de vida, mas ainda a tempo de deixar a sua marca. Embora diga que não luta por cargos, foi vereadora e vice-presidente da Câmara de Santarém e actualmente está na Assembleia da República como deputada eleita pelo PSD, partido de que é também vice-presidente distrital. A professora de Educação Física afirma-se como uma mulher do terreno, que gosta de fazer as coisas acontecer e que nunca vira a cara à luta, mesmo quando tem de enfrentar uma doença grave.
Há uns anos, em entrevista a O MIRANTE, dizia ser uma “desassossegada por natureza” que gosta de novos desafios. Foi esse espírito que a levou a candidatar-se a deputada e a trocar a Câmara de Santarém, onde era vice-presidente, pela Assembleia da República?
Eu sou mesmo uma desassossegada por natureza, mas não foi essa razão. Há duas questões fundamentais. A primeira é nós gostarmos efectivamente de servir a causa pública, de fazer coisas pelos outros. Graças a Deus venho de uma família de quatro irmãos e com uns pais que nos criaram com esse sentimento de um por todos e todos por um.
Achou que seria mais útil na Assembleia da República do que na Câmara de Santarém?
Não. O Partido Social Democrata fez-me o convite, dizendo que estava na hora de eu dar também o meu contributo no projecto nacional. Toda a gente sabe e continua a saber que tenho uma paixão imensurável por este concelho e por esta cidade, mas quando o convite surgiu, e eu tinha dois ou três dias para decidir, pensei: antes quero arrepender-me de ter ido e depois voltar para trás do que passar o resto da minha vida arrependida por não ter experimentado o que é ser deputado. Que, no fundo, é uma honra e um privilégio. Somos 230 pessoas em 10 milhões. Na altura custou-me imenso sair de Santarém, mas se não fosse experimentar talvez nunca mais surgisse essa oportunidade. Não tenho a ambição de ser a melhor, a número um, tenho a ambição de, com a maior das humildades, continuar a fazer o melhor que conseguir e puder. Se o partido entendeu que precisava de mim ali, não ia criar entropia no sistema.
Nunca se arrependeu dessa opção?
Arrepender não. Mas se me perguntarem onde sou mais feliz, digo que gosto muito do trabalho autárquico, por causa da proximidade que temos com as pessoas, de fazer projectos andar, de ir aos sítios, de ver a qualidade de vida das pessoas a melhorar.
Na Assembleia da República é, obviamente, diferente.
Lá é mais impessoal, muito trabalho de legislação, de pesquisa de assuntos…
É um trabalho mais chato também?
Para mim, que sou do terreno, é menos motivador. Estou lá com toda a dedicação, mas dizer que me sinto como peixe na água não é verdade. Acho que há pessoas que têm muito mais competências e conhecimentos para o trabalho parlamentar do que eu. Sobretudo pessoas que venham da área do Direito.
O regresso à política autárquica está nos seus horizontes?
Nunca vou dizer nunca. O povo costuma dizer com sabedoria que não se deve voltar onde se foi feliz. Mas como sou desassossegada e gosto de desafios, não digo que não.
Já em 2025, nas próximas eleições autárquicas?
Não sei. Pode ser, pode não ser. Está tudo em aberto. Vou estar onde o PSD precisar e onde as pessoas me quiserem. Porque estou ao serviço das pessoas. Farei o que for necessário para que a Câmara de Santarém continue a ser do Partido Social Democrata.
Caso regresse à vida autárquica, não vai ser difícil explicar a razão porque volta, depois de ter saído há tão pouco tempo?
Não. Lá está, detesto as indecisões. A vida coloca-nos desafios e decidimos, vamos experimentar e se não gostarmos do projecto está na hora de voltarmos a fazer o que gostamos. Como tenho gostado do que faço, vou continuando a fazer. Também não sou muito exigente, só pretendo dar o melhor de mim. Quero ser a Inês Barroso até ao resto da vida.
Há uma dúzia de anos deixou o ensino para se dedicar à política. Foi um caminho sem regresso?
Essa é a minha grande vantagem: adoro o trabalho da política mas no dia em que quiser tenho o meu emprego. E adoro dar aulas. Volto à escola com muita satisfação, porque gosto efectivamente de estar com os alunos e de ensinar. Tenho muitas saudades deles.
Um político deve expor nas redes sociais quase tudo o que faz e o que pensa?
Não. Até porque tudo o que é de mais satura, enjoa. No último ano, ou há mais tempo, talvez, tenho feito bastante trabalho parlamentar e não publico muita coisa porque acho fastidioso para as pessoas. Acho importante pôr algumas intervenções e algumas actividades, para as pessoas também saberem o que fazemos.
Costuma dizer-se que quem não aparece esquece...
Não faz mal, porque se tiver consciência de que estou a fazer o melhor que posso, alguém vai reparar em mim.
Tem feito muitos amigos na política?
Não muitos mas bons.
A política é um meio com muitos interesses?
Muitos, muitos. Enquanto as pessoas que estão na política não perceberem que só lá estamos porque os cidadãos querem, que só valemos pelo grupo e que quem quer ir mais longe vai acompanhado e não vai sozinho, vamos continuar a ter gente a achar que é a última coca-cola no deserto ou a última bolacha do pacote. E a querer sempre subir, subir, subir... Há bons e maus profissionais em tudo e na política há pessoas com muita ambição e há outras que a ambição delas é trabalhar.
Já se confrontou com alguma inimizade de estimação?
Sinceramente, não. Permitam-me esta falta de humildade, mas acho que sou uma pessoa de consensos e que consigo ver o lado bom das coisas, mesmo que não sejam muito boas. Sou flexível em relação aquilo que acho que é racional e que não vai magoar ninguém. Agora, se me magoarem sou capaz de falar, não de ralhar nem de gritar.
O que é que a política roubou à sua vida?
Ui… Hoje, olhando para trás, e eu começo logo a chorar [emociona-se], acho que roubou muito tempo para estar com os meus filhos. Um foi para a Irlanda trabalhar, é engenheiro informático; e o outro já vive com a sua namorada e trabalha em Lisboa.
Mas teve tempo para os ver crescer.
Sim, até porque sempre tentei ser muito presente. Mas quando estava na câmara e tinha agenda aos sábados e domingos, eles vinham e iam embora e eu não podia estar com eles… Era mais uma palmada que eu levava e hoje arrependo-me. Os meus filhos nunca me cobraram coisíssima alguma, mas o tempo não volta para trás e devia tê-los acompanhado mais, porque eles não têm outra mãe e eu não tenho outros filhos. Com a preocupação inexcedível de não falhar aos outros, nós falhamos aqueles que gostam de nós, que são os que mais nos compreendem e os que mais aceitam os nossos erros. Portanto, acho que falhei nessa altura, falhei em não ter conseguido organizar o meu tempo para lhes dar mais atenção. Sinto essa angústia.
Enfrentar o cancro sem tabus nem derrotismos
Há uns tempos soube que tinha um cancro. Como lidou com essa notícia?
Lidei como lido com tudo na vida. Quem tem problemas é quem tem falta de saúde. Porque, de resto, são situações para resolver. Apareceu-me um problema e fiz como faço quando tenho situações para resolver. Fez um ano no dia 14 de Fevereiro que fiquei informada de que podia ter um carcinoma na mama esquerda. A partir daí perguntei aos médicos o que era preciso fazer e vamos a isso. Fi-lo com a mesma coragem e determinação com que abraçamos os desafios da vida. Fiz todo o processo de quimioterapia e de radioterapia e actualmente estou a fazer novamente fisioterapia por causa de uma rotura braquial. Estive sempre a trabalhar. A minha cabeça tinha que estar ocupada com aquilo que gosto de fazer. De que me adiantaria estar em casa a pensar que podia estar a fazer alguma coisa de útil? Só faltei e vinte e alguns dias quando fiz a intervenção da mastectomia, mas de resto estive sempre a trabalhar. A 13 de Setembro fiz a mastectomia, fiquei limpinha e vou fazer a reconstrução mamária assim que puder. Vou compor aquilo que foi cortado e assim termina um ciclo. Depois, se vier mais algum, cá estaremos para resolvê-lo. Mas é um dia de cada vez.
Qual é a sua receita para não se ir abaixo?
Acho que ver sempre o lado positivo das coisas é bom. Por outro lado, ter uma família, filhos, irmãos, companheiro, mãe, toda a gente a dizer “tu vais ser capaz” também nos incentiva a continuar a ser como somos, que é a lutar pela vida e pelas coisas que a vida nos der.
É uma mulher de fé?
Muita fé. Nossa Senhora de Fátima tem sido a minha companhia. Vou muitas vezes a Fátima. Rezo muito, faz-me bem, eu preciso e acalma-me.
Aproxima-se a meta dos 60 anos. Isso mexe consigo?
Curiosamente, agora mexe. Os 50 foram uma festa, adorei fazer 50 anos. Fiz um jantar giríssimo com 150 amigos desde os tempos da escola primária até essa altura, das várias terras por onde andei, onde vivi e trabalhei. Os 60 estão-me a pesar. Sessenta??!! Sobretudo porque algumas limitações da DNA (“data de nascimento antiga”) começam a aparecer. Não me está a deitar abaixo, mas também não me está a deixar tão feliz ter passado mais uma década.
Encara bem o processo de envelhecimento?
Tem que ser natural. Sou uma senhora, mas podem perguntar-me a idade; o peso é que não, pois não vou dizer (risos)...
É uma pessoa bem resolvida? Considera-se uma mulher feliz?
Acho que sim. Quando temos amor a rodear-nos, quando vivemos com imenso amor para dar e dispostos a receber, quando não temos doenças e temos filhos saudáveis, quando temos alegria de viver e de sair todos os dias claro que somos felizes. Dias menos bons toda a gente tem. Que as pessoas não se esqueçam de dar valor ao que têm.
Qual é o próximo desafio ou objectivo que gostaria de concretizar?
Nunca ambicionei cargos, nunca sonhei ser vereadora e nunca me passou pela cabeça ser deputada. As coisas foram acontecendo e quando me aparecem prefiro experimentar, ver se gosto e dar o meu contributo, do que me arrepender por não ter ido experimentar. Neste momento não tenho qualquer objectivo formulado de ser isto ou aquilo, só quero ser feliz.
Não me cingia a cargos ou funções, mas também a outras coisas que ainda não fez e gostaria de fazer.
A única coisa que ambiciono na vida é que os meus filhos sejam felizes. É mesmo do fundo do coração.
E há alguma coisa que gostava de ter feito e já não pode fazer?
Há sempre coisitas, mas não estou a ver uma coisa assim muito importante. Estou de bem com a vida e bem resolvida.
A “eterna número dois” que vive confortável com isso
Inês Barroso entrou na vida política activa por gostar de desafios e por se considerar uma desassossegada por natureza. O seu percurso político confirma o que já tinha revelado a nível desportivo e profissional na área da educação. Quando se dedica a algo fá-lo de forma intensa e apaixonada. Sempre foi assim e continua a ser agora, no cargo de deputada.
Onde os outros vêem problemas ela vê assuntos para resolver. E é esse objectivo que a move. Afável, comunicativa, diplomata e com um sorriso de quem vive a vida com gosto mesmo quando os dias são mais pesados, é determinada e aceita os insucessos como fazendo parte do caminho para futuros sucessos. A sua dedicação foi destacada pelo primeiro-ministro e presidente do PSD, Luís Montenegro por, apesar de estar a enfrentar um problema oncológico, ter estado presente no encerramento das jornadas parlamentares do PSD e CDS, a 1 de Outubro do ano passado.
Maria Inês Leiria Barroso nasceu a 2 de Março de 1965, em Torres Novas, mas nunca residiu na cidade que a viu nascer. Passou a infância e parte da adolescência, até aos 15 anos, em Ponte de Sôr, residiu três anos no Entroncamento, até ir estudar para Lisboa, e vive em Santarém desde os 22 anos. É licenciada em Educação Física e Desporto e Mestre em Ciências do Desporto.
O basquetebol é uma das paixões da vida desta mulher, mãe de dois filhos. Foi jogadora em várias equipas, nomeadamente na União da Chamusca e na União de Santarém, onde se sagrou campeã nacional como atleta e como técnica adjunta. Jogou e treinou em Santarém com Ticha Penicheiro, a melhor basquetebolista nacional de sempre que fez depois carreira na liga profissional americana. Foi ainda directora técnica da Associação de Basquetebol de Santarém, treinou selecções distritais e nacionais de escalões jovens e foi formadora da Escola Nacional de Basquetebol. Tem também os cursos de árbitro e de oficial de mesa.
Entre 1994 e 2013, trabalhou na estrutura nacional do Desporto Escolar, tendo sido Coordenadora do Distrito de Santarém entre 1998 e 2007. De 2013 a 2017 foi vereadora da Câmara de Santarém e vice-presidente da mesma autarquia de 2017 até 2022, ano em que foi eleita deputada. Actualmente integra a Comissão de Educação e Ciência, mas não fecha a porta a um eventual regresso à vida autárquica em Santarém.
Com sentido de humor, afirma-se como “uma eterna número dois”, pois foi vice-presidente na Câmara de Santarém, foi e é vice-presidente da distrital do PSD, foi número dois nacional do desporto escolar e foi treinadora adjunta. Mas sente-se confortável com isso, desde que reconheça competências na pessoa que lidera, e diz que não precisa de cargos nem de “impostorices”.
A sua entrada no mundo da política foi inesperada, apesar de ser militante do PSD. Foi convidada pelo presidente, Ricardo Gonçalves, a integrar a sua lista e inicialmente recusou. Mas ficou a maturar e, como é uma “desassossegada por natureza” que gosta de novos desafios, acabou por aceitar. E gostou imenso dessa nova vida, embora se considere sobretudo uma operacional que gosta de fazer coisas e de actuar no terreno.