Massimo Esposito: pintor imigrante que se fixou no Ribatejo e quer ser recordado como um operário do pincel

Personalidade do Ano Cultura - Massimo Esposito
Massimo Esposito, pintor italiano radicado em Portugal desde 1986, dedica-se há mais de três décadas ao ensino da pintura e desenho. Com um percurso que passa pela publicidade, viagens pelo mundo e colaboração com diversas instituições, fundou o “Atelier do Massimo” em Abrantes. A sua arte é marcada pela experimentação, utilizando materiais como vinho e azeite. Ao longo da carreira, já ensinou cerca de 1.300 alunos e mantém vivo o objectivo de criar uma incubadora para jovens artistas mostrarem o seu talento.
Quais são as suas referências e em que se inspira para pintar?
O meu pai, que era pintor. Vivia numa casa com telas e pincéis. Mas em criança não gostava, só na adolescência comecei a interessar-me pela arte. Fiz a minha carreira de estudante artístico até chegar ao bacharelato em gráfica publicitária. Paguei metade da universidade a trabalhar como pintor. Fazia quadros para um marchand.
Que corrente artística é que segue?
Gosto muito dos pintores renascentistas e impressionistas. Todos os quadros que faço vêm de desenhos meus e não tiro de fotografias de outros. Desenvolvo ideias através das aguarelas, óleos e acrílicos mas são tudo obras originais. Inspiro-me em sonhos, factos sociais, conversas com amigos ou alunos.
Tem algum tema tabu?
Não faço imagens religiosas. Sou Testemunha de Jeová e segundo a bíblia não adoramos imagens. Já tive boas propostas em Fátima para fazer os santinhos, mas não faço. Pinto paisagens, retratos, coisas inventadas…
Viajou por todo o Mundo porque decidiu ficar em Portugal?
Vivi em vários países, mas Portugal reuniu um conjunto de situações que me agradaram. Quando cheguei em 1986, o país tinha acabado de entrar para a União Europeia e ainda não estava completa a auto-estrada do Porto para Lisboa. Havia muitas diferenças entre Itália e Portugal, mas gostei das pessoas e do clima. Fui a Alpiarça, o primeiro sítio onde vivi, e deram-me oportunidade de trabalhar porque havia poucos pintores. Fiz contrato com uma firma de Lisboa e entregava um quadro por semana. Pagavam bem. Conheci forcados e gostei do ambiente Ribatejano e fiquei.
Viam-no como um excêntrico?
Tinha brinco e cabelo comprido e em Alpiarça ficavam desconfiados. Mas como comprei um terreno, construí uma casa, trabalhava na agricultura e fazia painéis de azulejos e quadros a óleo, fui bem visto. Fiz amigos e tenho clientes de Alpiarça.
Passou por dificuldades financeiras?
Sim. Trabalhava mas tinha muitas despesas. Vivia a fazer retratos e painéis de azulejos mas não conhecia o país nem a língua. Mas sempre confiei no meu trabalho. Tinha várias pessoas de Alpiarça e de Santarém que me ajudaram muito e impulsionaram a minha carreira, nomeadamente um governador civil de Santarém entre 1987 e 1988 e que foi meu cliente.
O que é que lhe dá mais prazer pintar?
Gosto de pintar retratos, figura humana, árvores… Depende do momento e do estado de espírito. Não consigo fazer uma série de quadros que parecem todos iguais, como alguns colegas fazem. Sei que se vendem, mas não sou capaz.
Sente-se limitado a trabalhar por encomenda?
É o que dá dinheiro. Mas estou mais livre quando faço coisas minhas. Tenho uma ideia e executo mesmo sem saber se alguém vai ou não comprar o trabalho. Mas fico confiante que alguém há-de gostar e adquirir.
Que trabalhos é que já recusou?
Alguns tipos de grafite. Trabalhos sexualmente pesados, não quero fazer essas coisas. Pediram-me para desenhar um crucifixo ao contrário mas se não faço temas religiosos isso ainda menos. Não toco na sensibilidade dos outros.
Sendo Testemunha de Jeová nunca lhe puseram entraves por ser pintor?
Não é entrave mas naturalmente perguntam o que estou a fazer. O meu atelier está sempre aberto, vieram aqui e não há problema algum.
Sente-se ameaçado pela inteligência artificial?
A inteligência artificial é uma ferramenta muito interessante e acho bem que exista. Ao longo da história já apareceram ferramentas diferentes. Antes, sobretudo os italianos, trabalhavam em guache porque não havia óleo, quando apareceram as pinturas a óleo era como se fosse a inteligência artificial da altura. Mas a mim não me interessa. O meu trabalho é emotivo, de pinceladas e de textura, não trabalho com computadores. A Sotheby’s fez agora um leilão de pintura artificial, acho bem, desde que esteja identificada e separada dos outros tipos de pintura.
Quando está a pintar nus consegue concentrar-se?
Sempre tivemos modelos em casa, já na altura do meu pai, e do ponto de vista pessoal sempre soube diferenciar uma coisa da outra. Gosto de anatomia, tive quatro anos da disciplina na escola e tive de desenhar músculos, ossos e pele. Gosto, mas nunca faço nada erótico ou pornográfico.
Considera-se uma pessoa conservadora?
Nunca me consideraram conservador, mas o meu nicho de trabalho é o desenho a óleo e aguarela, seguindo algumas técnicas, tal com ensino no meu atelier. Se isto é ser conservador, tudo bem, mas acho que mantenho um certo tipo de pintura emotiva.
O que o motivou a dar aulas?
A primeira vez tinha 16 anos e estava no Liceu Artístico. Pediram-me para dar aulas de desenho e aceitei experimentar. Já em Portugal tinha uma galeria em Tomar e muitas pessoas pediam para as ensinar. Comecei a dar aulas privadas em casa das pessoas e andava com as tintas e o cavalete atrás. Mais tarde mandei propostas para várias câmaras municipais e a primeira que me respondeu positivamente foi a de Abrantes e aqui estou. Convidaram-me para dar aulas em Lisboa, mas não aceitei porque existem outros a fazer o mesmo que eu. No Ribatejo chego a recusar pessoas porque não tenho vagas. O meu aluno mais novo tem 5 anos e o mais velho 79.
Tem muitos alunos a seguir a carreira artística profissional?
Tenho uma aluna que ganhou dois prémios nacionais, alunos que trabalham como pintores, ceramistas, designers. Outro rapaz que começou aqui com 10 anos já é professor nas Caldas da Rainha.
Fazer exposições para darem uma palmada nas costas não vale a pena
Sente-se valorizado no Ribatejo?
Sim. Ontem entrou aqui uma antiga aluna, deu-me um abraço disse obrigado professor e foi embora. Isso para mim é tudo…
Que reacções espera das pessoas em relação aos seus quadros?
Só espero reacções da minha mulher que é a melhor crítica que tenho. Ultimamente não faço exposições porque não quero, a menos que seja convidado. Estou a participar na bienal de Estremoz porque tem um ambiente agradável, mas não estou a vender os quadros. A última que fiz foi em Alpiarça porque pinto com vinho e achei interessante. Fazer exposições para darem uma palmada nas costas, dizer que gostaram, mas não comprarem nada, não vale a pena. Nos últimos 30 anos em Portugal as pessoas mudaram muito, antes vendia 70% dos quadros que expunha, hoje em dia não vale a pena.
Atribui o facto só a motivos financeiros ou desinteresse em adquirir arte?
Há pessoas que têm dinheiro e gastam-no, outras nem tanto. É por isso que faço reproduções dos meus quadros e vendo a preços mais agradáveis. Há uma parte da sociedade portuguesa que entende que ter um quadro assinado e com uma declaração que é um quadro único e original vale a pena, outros não. Esses vão à loja do chinês e dão 40 euros por um quadro. Acho incrível como dão 300 mil euros por um apartamento e ponham um quadro em casa que custa 40 euros, são escolhas. Eu tenho um amigo em Itália que é motorista e quando quer comprar um quadro a óleo amealha para comprar porque gosta.
Que projecto tem em mente e que ainda não conseguiu concretizar?
Há anos que estou a pedir e a fazer propostas a várias câmaras e instituições, incluindo a de Abrantes, mas não tenho apoio político. Queria um projecto tipo incubadora ou laboratório para apoiar os jovens artistas e eles pudessem mostrar o próprio trabalho. É pena porque temos jovens de grande valor que estão a trabalhar nas caixas dos supermercados ou então têm de imigrar. A minha aluna que ganhou dois prémios está na Suécia, e tenho outros na Noruega, Budapeste, Lisboa, Aveiro porque não se conseguem fixar aqui.
Que conselhos dá aos mais jovens?
Têm que lutar, lutar e lutar (risos). Em Santarém abri duas vezes o atelier, uma com apoio da câmara e outra com particulares. Mas na verdade nunca houve um apoio valioso por parte da autarquia de Santarém para poder implementar algo que possa ajudar os jovens a mostrar o seu trabalho. Fazem coisas de vez em quando para inglês ver (risos).
Como é a sua relação com as redes sociais e a Internet?
É uma amante difícil (risos). Não gosto de computadores mas necessito. Trabalho com o Facebook, que dizem que é para velhos, mas as pessoas com mais idade são as que têm possibilidade de comprar os quadros. Trabalho com o Instagram e os jovens só fazem likes. Mas vendo pela Internet porque essa história dos segredos do pintor não me interessa. Se quiserem copiar estou contente.
Como gostava de ser recordado?
Um operário do pincel. Eu pinto com tudo, óleo, azeite, vinho, carvão. Até já pintei com pitaya.
O pintor que já ensinou 1.300 alunos e pinta com vinho e azeite
Massimo Esposito nasceu em Ferrara, Itália, em 1957, e é neto do restaurador do Museu de Capodimonte, em Napoli, e do Museu Etrusco de Spina, em Ferrara. Filho de um professor de pintura e pintor profissional, seguiu o percurso da sua geração e licenciou-se no Liceu Artístico de Ravenna, em 1975. Obteve o diploma de magistério em arte publicitária no Instituto de Arte de Urbino, em 1977. Fez cursos na Academia de Belas Artes, de Ravenna, de fotografia e cerâmica, no curso de formação profissional. Em Ravenna, trabalhou em várias empresas como desenhador publicitário, criador de logótipos e banners.
Cansado do tipo de trabalho, decide viajar pela Europa, Ásia e América, passando pelo continente africano em busca das verdadeiras cores do mundo. Em 1986 chega a Portugal e vai viver para Alpiarça, dedicando-se à cópia de antigos quadros em colaboração com uma empresa de leilões de Lisboa. O trabalho abriu-lhe portas e passou a ser membro da Sociedade Nacional de Belas Artes.
Entre 1989 e 1991, aceitou a gerência da galeria La Gioconda, em Tomar, e nos anos seguintes desenvolveu projectos de cursos e laboratórios de desenho e pintura para todas as idades. Colaborou com várias instituições como a companhia das artes, em Santarém, a associação Palha de Abrantes, a Mestre Quadros e Molduraliz, em Leiria, bem como com Misericórdias de Abrantes e Mação. Também passou pela galeria Rodrigues Lobo, em Leiria, e pela associação recreativa de Loureira, em Fátima. A colaboração também se estendeu às Câmaras Municipais de Mação, Constância, Leiria, Entroncamento, Santarém, Alpiarça, Sardoal e Sertã.
Fundou o laboratório de ensino de desenho e pintura “Il Pittore Italiano lda”, com sede em Abrantes, onde leccionou 15 anos. Depois mudou o nome para “Atelier do Massimo” onde até agora ensina pintura e desenho, organiza workshops, exposições e desenho de figura humana com modelos profissionais. Também existem dias de pintura ao ar livre e cursos para crianças, pessoas com diferentes aptidões e idosos. Nos últimos tempos tem desenvolvido também projectos de turismo cultural, tendo como metas cumpridas Itália, nomeadamente Florença, Veneza, Verona, Pádua e Roma,.
Realizou eventos culturais e reconstituições históricas em colaboração com várias instituições e sociedades, como é o caso da Sonae, Tagus, Trincanela, ou Cnema, entre outros. Criou os concursos de pintura a nível nacional em Constância e Sardoal. Participa em eventos turísticos e culturais pintando com vinho tinto, azeite e tintas naturais, como no CCB, Cordoaria Nacional, Palácio Setais, Torre de Palma, Penha Longa, ou Festival dos Canais. Casado há 32 anos, sem filhos, já deu aulas a quase 1.300 alunos. Adora a comida italiana e é apreciador de pizzas.