CD Torres Novas: um clube tem um papel importante na vida de uma criança ao afastá-la dos ecrãs

Personalidade do Ano Desporto - Clube Desportivo de Torres Novas
O Clube Desportivo de Torres Novas carrega um legado de 100 anos com muitos troféus, mas sobretudo com muitas pessoas que se formaram nesta escola onde os treinadores são uma base de apoio. A presidente da direcção, Céu Ramos, fala do impacto do clube na formação das camadas jovens e do modo como o comportamento dos pais nas bancadas influencia a prestação dos filhos. Depois de as direcções a que presidiu terem conseguido salvar o clube de um emaranhado de dívidas e terem conseguido o relvado sintético e a ambicionada sede, a presidente sonha com mais espaços de treinos e com a subida de divisão.
Este clube a que preside há 11 anos ainda lhe tira o sono?
Sim ainda me tira muito o sono. Tenho noites que não durmo, principalmente quando perdemos ao domingo e quando temos contas para pagar e tenho de me pôr a pensar onde vou arranjar o dinheiro. Vivo muito este clube. Passo no estádio mais horas do que na minha casa.
De onde vem a paixão pelo associativismo?
Gosto de ajudar, sempre fui assim. Costumo dizer que não sou boa com as palavras, mas sou boa com as mãos, gosto de fazer. Já fui festeira nas Festas de Santo António... tudo o que seja para ajudar estou presente. Aqui faço de tudo um pouco, aos sábados sou eu quem assegura o bar, vou para a bilheteira, e aos domingos faço o almoço para 30 atletas. O que aparecer vou fazer. Também ando de porta em porta a cobrar quotas.
100 anos de história não são 100 dias. É fácil gerir um clube com este legado?
No início, quando peguei no clube, foi difícil porque havia muita coisa para trás que tentei resolver com os meus colegas, não posso falar só de mim, porque tenho tido uma boa equipa comigo. Estão sempre prontos a ajudar. Agora, as coisas estão orientadas e faz-se bem.
Saldar a dívida de 40 mil euros que herdou foi o maior desafio superado até agora?
Posso dizer que sim, porque quando vim não sabia as dívidas que havia. Batalhei muito, falei com muita gente para conseguir, pelo menos saldar a das Finanças, de cerca de 15 mil euros, que era a que nos causava mais problemas porque não nos podíamos candidatar a apoios da câmara municipal e os patrocinadores não nos queriam ajudar com medo que as Finanças lhes caíssem em cima. A minha maior batalha foi conseguir arranjar um montante de pelo menos cinco mil euros para a dívida vir abaixo dos 10 mil, porque assim dava para fazer um acordo com as Finanças, que foi o que fizemos, de todos os meses pagar cerca de 300 euros durante dois anos. Está tudo saldado. Com a Segurança Social a mesma coisa e aos advogados. Neste momento temos a sorte de ter um advogado na direcção que qualquer coisa que o clube precise ele ajuda.
Alguma vez pensou desistir?
Não porque sou muito teimosa. Enquanto não conseguir o que quero não descanso.
Conseguiram o tão ambicionado relvado sintético, uma sede... Qual o objectivo que ainda falta cumprir?
Conseguimos uma sede só que não é funcional. Está fechada. Para mim aqui [no estádio municipal] é que é a sede, é aqui que trabalho, que os pais vêm pagar as mensalidades, falar com a direcção. Temos a sede oficial na rua abaixo só que não dá para ter lá uma pessoa a tempo inteiro só para ver troféus. É na sede que está a maior parte dos troféus, mas há uns 800 na câmara para reparar porque que estavam a apodrecer. O que queria era que acabassem as obras nos balneários e que fizessem outro relvado sintético porque temos 250 atletas e num só campo sintético é difícil conseguirem todos treinar. Por exemplo a uma quinta-feira estão quatro equipas a treinar ao mesmo tempo.
É por falta de espaço para treinar que não têm mais equipas?
Não temos equipa feminina de futebol por causa disso. Já tivemos uma equipa há cerca de quatro anos, que logo no primeiro ano foi campeã. Mas só durou uma época e acabou porque não tinha espaço para treinar, nem balneários femininos. Para a patinagem artística também gostava que tivessem um espaço próprio para treinarem.
Clubes como este estão financeiramente dependentes dos municípios?
Não! Este clube é ajudado pelo município em água, luz e instalações, mas não há apoio monetário a não ser de facturas que vamos guardando ao longo da época e depois pagam 20% do que gastámos. Para outros clubes dão apoio mensal porque não treinam em campos do município e são eles que pagam a água e luz. Mas não podemos dizer que estamos mal porque se fossemos a pagar essas despesas era um balúrdio. E as juntas de freguesia quando pedimos ajuda também dão.
As empresas do concelho têm sido boas parceiras?
Não posso dizer que não. Mas, claro, há algumas grandes que podiam ajudar e não ajudam. Outras ajudam com bens que fazem a diferença porque não temos de estar a comprar esses produtos. Este ano o clube comprou um autocarro com a ajuda dos patrocinadores, custou 12 mil euros. Pedimos 750 euros a cada que fica com patrocínio fixo durante cinco anos. E todos de cá do concelho. Andei a bater a muitas portas a pedir.
A direcção do clube é paga?
Nenhum de nós é pago. Às vezes ainda somos nós a meter algum dinheiro. Temos um orçamento anual de 80 mil euros, com a maior fatia a ir para a equipa sénior e respectivos treinadores a quem damos um subsídio para o combustível que gastam.
E os sócios, são daqueles que pagam as quotas ou nem por isso?
Sócios de nome não os quero para nada. O clube não precisa desse tipo de sócios. Temos mais de 400 sócios que são pagantes. De há dois anos para cá tem-se feito muita gente sócia, sobretudo malta nova. Há muitos que vêm à bola e que pedem para se fazer sócios. Pagam 30 euros ao ano, e isso tem impacto no orçamento.
Qual o papel de um clube desportivo na formação de uma criança, sendo que a percentagem dos que seguem uma carreira profissional no desporto é muito reduzida?
Tem um papel muito importante, a começar pelo facto de os afastar de uma playstation ou de um telemóvel. O tempo que aqui estão, a jogar à bola, não estão a fazer coisas menos boas. Hoje em dia esta malta nova agarra-se a um telemóvel e parece que não vê mais nada e isso a mim faz-me muita confusão. Alguns estão a chegar e lá vêm com o telemóvel à frente. Hoje em dia as crianças não sabem brincar. Aqui brinca-se muito, sobretudo os mais novos é só brincadeira. E é preciso deixá-los brincar.
O que é mais importante no desporto de formação?
O resultado nunca é o mais importante. O que mais interessa é eles formarem-se enquanto pessoas. Claro que se forem bons jogadores, melhor. Tivemos aqui uma menina que jogava com os rapazes, como temos mais, e que foi chamada ao Sporting Clube de Portugal e hoje está lá a jogar.
Acontece muitas vezes virem buscar jogadores para grandes clubes?
Temos muitos que são chamados para fazer treinos no Sporting, no Porto e Benfica. Vão fazer um treino de observação, mas voltam. Isso cria-lhes expectativas, porque vão jogar aos grandes e não sabem se vão ser chamados novamente. Tanto podem ser, como não. Temos nós, aqui, de os ajudar a gerir essas expectativas. Os treinadores conversam muito com eles, são uma base de apoio muito importante.
O que se procura num treinador que lida com crianças?
Os bons treinadores têm de ter a capacidade de ouvir e de saber falar com uma criança. Em campo até podem gritar aos miúdos para os incentivar, porque esse grito é que os vai orientar. Mas fora de campo os treinadores têm de ser bons ouvintes e conselheiros, amigos e confidentes. Às vezes sinto que os miúdos não estão bem e dizem-me: já falei com o treinador. Fico descansada.
Há pais que pensam que os meninos são o Cristiano Ronaldo cá da zona
A componente da saúde mental dos atletas não pode ser ignorada.
Cada vez é mais importante. Há miúdos que são aqui largados e os pais esquecem-se de os vir buscar, o que já aconteceu várias vezes. Vêm aqui ter alguns a chorar e como temos o telefone dos pais ligamos.
O modo de estar e comportamento dos pais influencia em que medida a participação e evolução dos filhos?
Os pais são o maior problema que temos, não todos evidentemente, mas há pais que pensam que os meninos são o Cristiano Ronaldo cá da zona e então estão a ver os jogos e a gritar para eles. O que não devem fazer, para isso está lá o treinador. Devem ver os jogos em silêncio ou incentivar, não é a dar indicações, muito menos a dizer: não fazes nada de jeito, ou estás a dormir. Isso magoa.
Como é a relação dos pais com o clube?
Estão sempre prontos a ajudar quando temos festas como as da cidade, o Festival das Sopas, a gala do CDTN, o jantar de aniversário do clube. Envolvem-se, vestem a camisola. Somos uma grande família verde e amarela.
Costuma assistir aos jogos e vibrar na bancada?
Vibro muito com os jogos, às vezes até demais! Devia estar mais calada. Não perco um jogo aqui, mas geralmente só vejo a segunda parte porque estou no bar.
O que mais vai deixar saudade quando deixar o clube?
A convivência. Vê-los e acompanhar o crescimento deles. Mas virei cá ver os jogos todos quando me for embora. Voltarei como eles voltam. Temos atletas que foram para outros clubes e quando estão cá vêm visitar-nos.
Onde imagina o clube daqui a 10 anos?
Já cá não estarei no clube, mas o que desejo é ver o clube subir de divisão. Neste momento é impossível porque os custos são muito elevados. Como estamos, na primeira divisão distrital, pagamos 200 euros de taxa de jogo em casa, se for no campeonato acima, o campeonato nacional de seniores, são 900 euros. Este ano queria que o clube fosse à Taça de Portugal, vamos ver se conseguimos, temos jogadores motivados para isso.
Um dos clubes do distrito de Santarém com mais presenças nos nacionais de futebol
O Clube Desportivo de Torres Novas (CDTN) foi fundado a 19 de Janeiro de 1925 por iniciativa do capitão António Augusto Teixeira, de José da Silva Borralho e Manuel Inácio Pina. Foi deste clube, um dos do distrito de Santarém com mais presenças em campeonatos nacionais de futebol que saíram nomes internacionais como José Torres. Com milhares de troféus e palmarés conquistados, entre outros oito títulos de campeão distrital de futebol, o CDTN tem sido uma escola de formação de jogadores mas, sobretudo, de cidadãos, com valores e princípios.
Céu Ramos é presidente da direcção há 11 anos e a responsável por ter salvado o clube de um emaranhado de dívidas, inclusive às Finanças, o que impedia a candidatura a apoios municipais. Tempos difíceis, ultrapassados pela resiliência de Céu Ramos que se negou a deitar a toalha ao chão. Aos 66 anos, a torrejana continua a dedicar-se de alma e coração aos “amarelos” aos quais se aproximou quando o marido António José Costa jogava na equipa sénior. O marido faleceu e já não assistiu à sua tomada de posse como presidente. Assistente operacional no Hospital de Torres Novas há 36 anos, actualmente de baixa médica, pedia às colegas para fazer noites aos domingos para poder estar no estádio durante o dia. Embora nunca tenha praticado desporto vibra nos jogos e, como é próprio do cargo que ocupa, vai aos balneários dar apoio sempre que é preciso.
O clube já esteve em baixo no que toca a adeptos, mas ultimamente tem recuperado o entusiasmo dos torrejanos que têm ido ao futebol e puxado pelos jogadores dentro de campo, sejam eles da equipa sénior ou dos escalões jovens. Não é por isso raro ver as bancadas do Estádio Municipal Dr. Alves Vieira com 400 adeptos. Actualmente o CDTN tem cerca de 340 atletas nas modalidades de futebol e patinagem artística, 16 treinadores de futebol, um fisioterapeuta, que também é membro da direcção, e vai passar a ter uma funcionária administrativa a tempo inteiro.
Noutros tempos o clube centenário contou com outras modalidades como o basquetebol, hóquei em patins e ginástica. O Clube Desportivo de Torres Novas tem como ambição obter nível superior junto da Associação de Futebol de Santarém estando para isso comprometido com medidas como o acompanhamento das notas escolares dos atletas. Quando não são satisfatórias os jogadores podem sofrer penalização em minutos de jogo. Com ambição de crescer e, quem sabe, conseguir um dia ter condições para a equipa sénior subir de divisão, do que o CDTN tem certezas é de querer continuar a ser um exemplo enquanto escola de formação.