Refood Santarém: há 10 anos a combater a carência e o desperdício alimentar

A Refood Santarém “salva”, em média, mais de 12 mil quilos de alimentos todos os meses, que entrega a famílias e instituições. O MIRANTE ouviu o testemunho de quem dedica o seu tempo para ajudar a melhorar a vida dos mais carenciados.
Cinco dias por semana, por volta das seis da tarde, a sede da Refood de Santarém ganha vida com os seus voluntários. É naquele espaço apertado, mas cheio de propósito, que Orminda Simão, Isaura Reis e muitos outros voluntários transformam excedentes alimentares em esperança. No coração deste processo está o manuseamento – uma palavra técnica para um trabalho profundamente humano. As voluntárias chegam de avental vestido e prontas a organizar tudo com cuidado. Cada iogurte, cada pão ou marmita de supermercado é avaliado, dividido e nada pode falhar, pois cada saco de alimentos será o sustento de alguém.
Orminda Simão, de 63 anos, já conhece este ritual de cor. Educadora de infância durante décadas, a professora é voluntária da Refood Santarém quase desde a sua fundação, quando ainda não havia comida para distribuir nem rotinas estabelecidas. “Tivemos primeiro várias reuniões, começámos a contactar os parceiros, e só depois é que arrancámos com a recolha e distribuição como fazemos agora”, explica a O MIRANTE. Para Orminda Simão o voluntariado é o que dá sentido aos seus dias e o que lhe ilumina o rosto é ver os frigoríficos cheios de comida para dar. No fim de cada turno, quando o último cabaz está pronto a ser entregue, não é só o cansaço que leva para casa, é também uma sensação de plenitude que poucas experiências proporcionam. Esse mesmo sentimento de entrega e empatia estende-se a outras voluntárias, como Isaura Reis, de 63 anos, que já conhece cada beneficiário pelo nome e sabe exactamente o que cada um precisa: de atenção, de um gesto e de um olhar carinhoso.
Sair do conforto para ajudar quem precisa
À noite, quando a cidade abranda e muitos se recolhem em casa, Mariana Carriço percorre as ruas com um propósito maior do que si mesma. A jovem de 23 anos admite sem rodeios que às vezes custa deixar o descanso do sofá para ir recolher alimentos, mas mesmo assim fá-lo com a convicção de que sabe que o seu trabalho irá ajudar alguém. Apesar de não estar há muito tempo na Refood, Mariana Carriço acredita que nos últimos anos a associação tem ganho cada vez mais reconhecimento. A escalabitana valoriza o facto de a comunidade conhecer melhor o trabalho da associação, saber para que serve e como pode ajudar ou ser ajudada.
Lara Catarina tem 19 anos e é estudante de Negócios Internacionais na Escola Superior de Gestão e Tecnologia de Santarém. Foi através de um programa de voluntariado do Politécnico de Santarém que soube da existência da Refood e de pronto se interessou por fazer parte da equipa de voluntários. Se por um lado está a ajudar quem mais precisa é também uma actividade que lhe permite desligar dos estudos e conhecer novas pessoas. “Depois de cada turno sinto-me bem e feliz. Até vou a cantar pela rua, porque sinto que fiz alguma coisa útil”, partilha, sorridente.
Mais de 12 mil quilos por mês
A Refood Santarém teve a sua primeira reunião em 2015 e até hoje não tem parado de crescer, ajudando cada vez mais pessoas. Conta actualmente com 96 voluntários activos. No espaço de poucos meses, entre Setembro de 2024 e Abril de 2025, o número de beneficiários individuais mais que duplicou, de 175 para 364. O número de famílias ajudadas pela Refood passou de 83 para 173 no mesmo período. A associação de voluntariado apoia ainda 13 instituições de cariz social em todo o concelho de Santarém. Todos os beneficiários da Refood são referenciados pela Cruz Vermelha e pelos Serviços de Acção Social. “É uma forma de garantir que todos os beneficiários que nos chegam são pessoas que de facto necessitam de ajuda”, explica Rui César, coordenador da Refood Santarém desde Setembro de 2024.
Rui César tem 25 anos, é natural de Coruche e estuda gestão no Instituto Politécnico de Santarém. Dedica muitas horas do seu dia ao projecto e admite que talvez já tivesse acabado o curso superior se não fosse o tempo que dedica à Refood. Mas nem por isso se arrepende de ter abraçado o desafio. O aumento do custo de vida em Portugal que não é acompanhado com salários condizentes deixa cada vez mais famílias em situações delicadas e por isso a Refood ganhou uma importância ainda maior, afirma Rui César. Para além de ajudar famílias em dificuldade, o que a Refood faz é também um combate ao desperdício alimentar. Todos os meses são distribuídos pela Refood Santarém uma média de 12 mil quilos de alimentos. Para além das famílias e instituições, as equipas de recolha deixam muitas vezes “um miminho” aos profissionais de saúde do Hospital de Santarém e aos Bombeiros Voluntários de Santarém.
Cada voluntário é dono do seu próprio tempo na Refood e qualquer hora que possa disponibilizar à causa é sempre bem-vinda. A associação tem uma equipa escalada diariamente que trata do manuseamento dos alimentos doados e da respectiva entrega aos beneficiários e uma equipa que faz a recolha nos hipermercados ao final do dia. Para que nada falhe é essencial que cada um se comprometa com a sua equipa e que compareça no horário indicado, afirma Paula Martins, ex-coordenadora da Refood Santarém e gestora dos voluntários.

Refood Santarém sonha com sede nova e carrinha própria
A Refood Santarém está instalada num edifício cedido pela Santa Casa da Misericórdia no Largo Manuel António Neves, no centro histórico de Santarém. Todo o material usado na recuperação e remodelação do espaço foi conseguido através de doações de empresas de construção e apoios monetários tal como as arcas e frigoríficos onde os alimentos são conservados. Para Rui César a localização da sede da Refood Santarém tem vantagens e desvantagens. Se por um lado está num lugar central e discreto, que facilita a entrega dos bens, por outro os acessos estreitos e a falta de estacionamento próprio dificultam a entrada de veículos. Com o crescimento exponencial de beneficiários, a Refood Santarém cresce também. Rui César partilhou com O MIRANTE o objectivo da associação de ter uma carrinha própria para fazer o transporte dos alimentos nas recolhas e entregas, que neste momento são feitas em veículos dos voluntários. Adquirir uma carrinha levanta outra questão: uma sede nova. A difícil acessibilidade à actual sede no Centro Histórico de Santarém torna contraproducente adquirir a carrinha no presente. Rui César afirma que o objectivo é encontrar um espaço mais amplo e mais bem localizado, estando a Refood Santarém já em conversações com a câmara municipal, a fim de poder concretizar a mudança para uma nova sede dentro de um ano.