Especiais | 14-09-2025 10:00

Quanto mais cedo apoiarmos as crianças com problemas de desenvolvimento ou escolar mais feliz será o seu percurso

Quanto mais cedo apoiarmos as crianças com problemas de desenvolvimento ou escolar mais feliz será o seu percurso
REGRESSO ÀS AULAS
Sílvia Afonso, pediatra na Unidade do Neurodesenvolvimento do Hospital CUF Santarém

A pediatra na Unidade do Neurodesenvolvimento do Hospital CUF Santarém, Sílvia Afonso, fala nesta entrevista sobre as perturbações do neurodesenvolvimento, que normalmente surgem na infância, chamando a atenção para a necessidade dos pais e professores estarem atentos. No regresso às aulas, a médica refere que este é um momento de alguma ansiedade, mas também muitas oportunidades de descoberta.

O que são perturbações do neurodesenvolvimento? As perturbações do neurodesenvolvimento são um grupo de doenças que afectam o desenvolvimento cerebral, resultando em dificuldades no funcionamento social, pessoal, académico e ocupacional. Tipicamente surgem muito cedo, na infância, por vezes apenas em idade escolar, mas sempre abaixo dos 12 anos de idade. Estas perturbações manifestam-se por atrasos ou alterações em áreas como cognição, linguagem, comunicação, coordenação motora, atenção e comportamento.
Quais são as mais comuns? A perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) e as perturbações da linguagem e da comunicação, são as mais comuns em Portugal, mas é muito frequente não haver apenas um diagnóstico. Vários diagnósticos podem ocorrer na mesma criança. Por exemplo, crianças com PHDA, muitas vezes apresentam perturbação específica de aprendizagem, e crianças com perturbação do espectro do autismo muitas vezes apresentam também PHDA ou perturbação do desenvolvimento intelectual.
Quais são as causas destes problemas? A origem é multifactorial. Podem estar associadas a factores genéticos, alterações durante a gravidez, complicações no parto, infeções, prematuridade ou doenças neurológicas. Também existem situações em que não conseguimos identificar uma causa única, mas sabemos que há sempre uma combinação de factores biológicos e ambientais que influencia o desenvolvimento.
O diagnóstico precoce pode fazer a diferença na vida das crianças e jovens? O diagnóstico precoce é fundamental porque o cérebro da criança é altamente plástico nos primeiros anos de vida – aprende, adapta-se e cria novas ligações de forma mais eficaz. Quando intervimos cedo, conseguimos potenciar as capacidades da criança, reduzir dificuldades futuras e facilitar a integração escolar e social.
Porque é importante o acompanhamento por uma equipa especializada, desde cedo? Porque cada criança é única e necessita de uma abordagem personalizada. Uma equipa multidisciplinar especializada permite olhar para o desenvolvimento de forma global, articulando diferentes áreas – a equipa da Unidade de Neurodesenvolvimento do Hospital CUF Santarém é composta por profissionais diferenciados em Pediatria, Neuropediatria, Pedopsiquiatria, Psicologia Clínica, Neuropsicologia, Terapia da Fala e Psicomotricidade – garantindo que o apoio é ajustado às necessidades específicas da criança e da sua família.
A que sinais devem os pais e professores estar atentos? É importante procurar ajuda sempre que os pais ou professores sentirem que “algo não está a correr como esperado”, nomeadamente quando são observadas diferenças em relação a outras crianças da mesma idade. Existem alguns sinais na criança que podem preocupar os pais e professores, tais como: atrasos na fala ou dificuldades na comunicação; quando a criança pequena não aponta, não responde ao nome, não estabelece contacto visual; manifesta comportamentos repetitivos ou resistência a mudanças; apresenta dificuldades motoras, de coordenação ou de autonomia; tem dificuldades de atenção e concentração, é extremamente hiperactiva ou impulsiva, dificuldades de aprendizagem, ansiedade, dificuldades de interacção social ou alterações emocionais persistentes.
Quais são os benefícios do tratamento multidisciplinar e integrado, como acontece na Unidade do Neurodesenvolvimento do Hospital CUF Santarém? Os diagnósticos em neurodesenvolvimento são apenas clínicos, ou seja, não se fazem com ajuda de análises nem exames complementares. Neste caso, uma avaliação multidisciplinar permite uma melhor abordagem diagnóstica e decisão terapêutica. O facto de trabalharmos em equipa, com a criança e a família no centro do processo, permite diagnósticos mais rápidos e rigorosos e uma melhor intervenção terapêutica em articulação com a família.
O início do ano lectivo pode ser uma altura desafiante, para as crianças e para os jovens. Que mensagem gostaria de deixar às famílias? O regresso às aulas traz sempre alguma ansiedade, mas também muitas oportunidades de descoberta. Cada criança aprende e cresce ao seu ritmo. O mais importante é sentirem-se apoiadas e compreendidas pela família e pela escola. Se existirem preocupações com o desenvolvimento ou com o desempenho escolar, não hesitem em procurar ajuda especializada. Quanto mais cedo apoiarmos as crianças, mais seguros e felizes serão os seus percursos.
Os trabalhos de casa podem ser uma boa forma de promover a interação entre pais e filhos? Os trabalhos de casa, bem orientados e adaptados à idade, podem ser uma excelente oportunidade para pais e filhos estarem juntos, reforçarem aprendizagens e desenvolverem hábitos de organização, responsabilidade e autonomia. Mais do que a quantidade, importa a qualidade: pequenas tarefas consistentes. Um princípio básico é evitar fazer trabalhos de casa no final da tarde, quando as crianças já estão cansadas e pouco produtivas. Para além disto, é importante que as crianças tenham tempo para brincar e realizarem actividades de lazer com a família.
O que acha da tendência de se proibir a utilização dos telemóveis nas escolas? Sabemos que o uso excessivo de ecrãs pode prejudicar a linguagem, a atenção, a socialização e até a saúde mental. As redes sociais e os jogos online podem interferir com a aprendizagem, potenciar situações de bullying (cyberbullying), provocar adição e levar as crianças a consumir conteúdos pouco próprios para a idade. As restrições em contexto escolar, sobretudo até ao final do 3º ciclo, fazem sentido para proteger os momentos de aprendizagem e de convívio presencial entre colegas. A escola é um espaço privilegiado para desenvolver competências sociais e o contacto presencial e face a face não deve ser substituído pelo online. Por outro lado, a tecnologia faz parte do mundo em que vivemos e a escola pode promover e ensinar o uso saudável da tecnologia. Nesse sentido, as famílias e as escolas têm de trabalhar em conjunto, transmitindo regras e alertando para os perigos e para o excesso na utilização, promovendo assim o bem-estar das nossas crianças.

Joana Veríssimo, técnica de Psicomotricidade no Hospital CUF Santarém

Técnica Joana Veríssimo explica o que é a Psicomotricidade

O que é a Psicomotricidade? A Psicomotricidade é uma área de intervenção em saúde e educação, tal como a Psicologia ou a Terapia da Fala. Na Unidade de Neurodesenvolvimento do Hospital CUF Santarém, a intervenção centra-se sobretudo em crianças e adolescentes, com o objectivo de promover o desenvolvimento global, a saúde e a qualidade de vida. Através de actividades lúdicas e corporais, estimula competências motoras, cognitivas, emocionais e sociais, permitindo à criança aprender e desenvolver-se através do corpo, da acção e da experimentação. É recomendada em situações de atraso ou risco de atraso no desenvolvimento, dificuldades na regulação do comportamento (como agitação, impulsividade ou inibição), desafios na expressão e regulação emocional, nas relações sociais e na comunicação, bem como em dificuldades de coordenação motora (global e fina) e de percepção do próprio corpo.
De que forma a Psicomotricidade pode apoiar o desenvolvimento saudável de uma criança no seu percurso escolar? A Psicomotricidade constitui um recurso essencial para apoiar o desenvolvimento integral da criança em contexto escolar, favorecendo não apenas o sucesso académico, mas também a adaptação social e emocional. Ao fortalecer competências como a atenção e a concentração, a comunicação, a autorregulação comportamental e emocional, a coordenação motora (global e fina), a autonomia e a autoconfiança, contribui para criar condições mais sólidas de aprendizagem, para uma participação activa nas actividades escolares e para o estabelecimento de relações positivas com colegas e professores.
O que se pretende com a Avaliação do Desenvolvimento Psicomotor? Permite traçar o perfil funcional de cada criança, identificar pontos fortes e áreas que necessitam de apoio e, a partir daí, definir o plano de intervenção mais adequado. Este processo orienta também pais e professores, através da partilha de estratégias aplicáveis no dia a dia, sensibilizando para as necessidades individuais e garantindo um acompanhamento mais completo e eficaz.
Quais são as vantagens, para os mais novos e para as suas famílias, da referenciação entre especialidades, como acontece no Hospital CUF Santarém? As principais vantagens da referenciação entre especialidades, como acontece na nossa Unidade de Neurodesenvolvimento, estão associadas à possibilidade de um acompanhamento integrado e adaptado a cada etapa do desenvolvimento. Para as crianças, esta abordagem permite avaliações mais rigorosas, definição de planos de intervenção ajustados e, sempre que necessário, uma transição articulada entre diferentes áreas de intervenção. O facto de todos os especialistas trabalharem na mesma unidade facilita a comunicação entre profissionais e assegura respostas mais rápidas, coordenadas e consistentes. Para as famílias, significa encontrar num só espaço apoio especializado e permanentemente articulado, o que transmite tranquilidade e confiança ao longo do percurso de desenvolvimento dos filhos. Este modelo integrado é particularmente relevante nos processos de diagnóstico em neurodesenvolvimento e/ou saúde mental, pois conjuga diferentes perspetivas clínicas complementares, assegura uma análise mais completa e fundamentada e orienta a definição das respostas mais adequadas.

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