Entrevista | 18-08-2011 09:56

“Até à hora da morte a ‘Mãe Maria’ nunca disse que era santa nem que fazia milagres”

“Até à hora da morte a ‘Mãe Maria’ nunca disse que era santa nem que fazia milagres”
Conheceu a vidente da Ladeira do Pinheiro em vida. Diz que recebeu dela ajuda espiritual e material mas que nada lhe deu em troca porque nada tinha para lhe dar. Alda Salgado lamenta que a maioria das pessoas que foram ajudadas tenha memória curta.Na sala onde Alda Salgado tem o atelier de costura, no primeiro andar de um prédio na rua Direita de S. Pedro, na Chamusca, há várias fotografias da “Mãe Maria”, a vidente natural de Riachos que criou um lugar de culto e oração na zona da Meia Via, também no concelho de Torres Novas. Numa de maiores dimensões ela está com um manto azul e com uma tiara na cabeça. A fotografia mais interessante, num formato mais pequeno, está em cima de um móvel onde há fotos de família e imagens religiosas. É de Maria da Conceição Mendes, enquanto jovem. Tem o cabelo preto cortado curto, olhos castanhos brilhantes e um sorriso alvo emoldurado por uns lábios pintados. Aparenta ter sido tirada antes de 1960, ano em que ela disse ter recebido “o primeiro sinal”.Alda tem agora 47 anos. A primeira vez que foi à Ladeira do Pinheiro ainda vivia em Setúbal de onde é natural. Foi há mais de doze anos. O seu casamento estava a passar por dificuldades. O negócio do marido também. “Foi um tio do marido da minha filha mais velha, a Vera, que me falou da Mãe Maria. Vim e gostei logo da senhora. Havia qualquer coisa nela que me atraía. Fui à igreja e ouvi a oração. No fim esperei como toda a gente e falei com ela. Disse-lhe que tinha problemas na minha vida. Ela falou comigo. Perguntou-me se eu tinha fé e disse que ia pedir a Deus pela nossa família”.Apesar das orações e das constantes visitas de Alda à Ladeira do Pinheiro, a sua vida piorou. São insondáveis os desígnios de Deus, costuma dizer-se nestas alturas. “A Mãe Maria era uma pessoa muito meiga. Não se dizia santa. Nunca se disse Santa até à hora da morte. Dizia apenas que era uma sofredora. Que tinha nascido para sofrer. Eu ia lá buscar o que me fazia falta. A minha paz. Ela nunca impôs que lhe chamassem Mãe Maria. Deu-me tudo e eu nunca lhe dei nada. Ela dava tudo a quem precisava. Quantas vezes, em casa dela, eu a vi mandar pessoas sentarem-se à mesa e ela não comer”. As duas filhas mais novas assistem à conversa. Uma chama-se Maria da Conceição. A outra Maria Filomena. São ambas afilhadas da Mãe Maria e do marido, também já falecido, Humberto Horta. Alda Salgado nasceu numa família católica que recebeu muito mal a sua aproximação à Ladeira do Pinheiro. “Os meus pais não me falam. O meu irmão diz que eu estou maluca”, conta. “Quando as dificuldades aumentaram a Mãe Maria ofereceu-me ajuda. Eu tinha apoio da Segurança Social mas era pouco. Ela mandou arranjar uma casa da Fundação no Vale das Mós, em Ulme, aqui no concelho da Chamusca, onde ficava a queijaria e fomos para lá viver. Foi em 2003, viemos de Setúbal sem nada. Ficámos como caseiros da fazenda. O meu marido trabalhava lá como pedreiro e recebia um ordenado pequeno. Eu tomava conta das crianças que eram pequenas. A Mãe Maria faleceu seis meses depois de nós termos vindo, tinha a minha filha Maria Filomena um ano. Foi a pessoa mais minha amiga em toda a minha vida”, desabafa. E depois de uma pausa acrescenta. “Eu faço questão de dizer isto. A melhor coisa - tirando os filhos e os netos - que Deus me deu, foi conhecer aquela senhora”.“Quando faltou ela faltou tudo”Alda Salgado está divorciada. Trabalha no duro para conseguir viver de cabeça erguida. Até às cinco da tarde na Misericórdia local. A partir das cinco e meia, na costura. É uma pessoa que está bem consigo e agradece todos os dias a Deus e à vidente da Ladeira do Pinheiro. Continua a ir ao Santuário embora reconheça que cada vez são menos as pessoas que lá vão. “A Mãe Maria sempre disse que um dia estaria sozinha na Catedral. Pedia muito para as pessoas não desistirem, mas muitas desistiram muito facilmente. Faltou ela, faltou tudo”.“Eu continuo a ir lá porque o que lá procurava continuo a achar. Vou lá à missa. Vou com a minha fé. Quem me leva agora é o meu filho Carlos. Pertenço ao Exército Branco (seguidoras da Mãe Maria). Sou filha da Ladeira. A Mãe Maria, para mim, continua viva e agora mais que nunca. Posso-lhe garantir por tudo o que é mais sagrado que eu hoje vivo de um milagre. Vim para cá sem nada, com os meus filhos e os meus netos. Deus escreve direito por linhas tortas. Encontrei pessoas que me ajudaram. Que me deram trabalho. Deus deu-me saúde para trabalhar. Tenho um cantinho para mim e para os meus filhos. Nunca me portei mal como mulher. Fui sempre uma mulher honesta”, declara.Traz um medalhão ao pescoço mas a imagem não é daquela a quem muitos chamam a Santa da Meia-Via. “É a Nossa Senhora da Conceição”, esclarece. Depois acrescenta: “Nossa senhora há só uma embora tenha vários nomes que nós lhe vamos pondo”. Sobre as suas opções religiosas diz que tanto assiste à missa da Igreja Ortodoxa na catedral de Nossa Senhora das Graças, na Ladeira do Pinheiro, como à da Igreja Católica na Igreja da Chamusca. “Sou católica ortodoxa. Antes era católica romana. Mas Deus é o mesmo!”, justifica-se.“O médico disse-me que a cura da minha filha tinha sido um milagre”Há um livro de testemunhos de graças recebidas, na catedral da Ladeira do Pinheiro. Um deles foi escrito por Alda Salgado. “Cada pessoa tem a sua opinião. Mas há uma coisa importante que eu gostava de frisar. Esta minha filha (aponta para uma das crianças) esteve à morte, quando tinha dois anos. Teve um derrame num pulmão. Foi internada no hospital de S. Bernardo, em Setúbal. Esteve com um dreno dois meses. Depois foi mandada para Santa Marta. Eu tinha uma fotografia da Mãe Maria na mesa de cabeceira e levava-a para todo o lado. Rezei muito. Quando ela se curou, o médico pediatra disse-me: ‘Agradeça lá à madrinha da sua filha porque isto foi um milagre’. Foi ele que falou em milagre”.Segura na fotografia emoldurada a pedido do jornalista para a fotografia. Assume um ar concentrado. “Eu tenho o milagre da cura da minha filha. Ela quando faz anos em Dezembro vai lá agradecer mais um ano de vida à Mãe Maria. A Mãe Maria chamava multidões. Eu quando chegava lá sentia-me outra pessoa. Tinha que haver qualquer coisa”, conclui.Oito anos após a morte da fundadora são cada vez menos os que vão à Ladeira do PinheiroPassados oito anos sobre a morte da chamada “Santa da Ladeira” ou “Mãe Maria”, o lugar onde esta mandou erguer o Santuário de Nossa Senhora das Graças, na freguesia da Meia Via (Torres Novas), continua a acolher algumas centenas de fiéis.Longe dos milhares que no passado acorriam de todo o país e mesmo do estrangeiro, o primeiro domingo do mês é agora bem mais tranquilo na Ladeira do Pinheiro, num cenário em que o culto ortodoxo coexiste com o legado de Maria da Conceição Mendes, visível sobretudo nas mulheres vestidas de branco.São as seguidoras do seu “Exército Branco” que, durante a celebração, ocupam parte de uma das alas do santuário - distinguindo-se claramente das monjas ortodoxas que vestem de preto. Dos tempos dos exorcismos e dos êxtases não há sinais e até aquela que a “Mãe Maria” designou como sucessora, Teresinha, está afastada desde 2009, vivendo na casa de uma das monjas e não comunicando com praticamente ninguém. Alda Salgado, do “Exército Branco” que O MIRANTE entrevistou para esta edição (ver texto ao lado), diz que ela nem sequer lhe responde a um simples bom dia. Vislumbram-se pequenos grupos que claramente prescindem da celebração ortodoxa para se reunirem em oração junto a locais que evocam a mulher que desafiou o Estado Novo e esperou em vão o reconhecimento da Igreja Católica Romana, nomeadamente junto à porta fechada da pequena igreja católica que a “Santa” mandou erguer perto do templo onde ainda tentou conciliar os dois cultos.Maria da Conceição Mendes nasceu em Riachos a 20 de Agosto de 1930 e faleceu a 10 de Agosto de 2003 de paragem cardio-respiratória , no hospital Rainha Santa Isabel em Torres Novas. Dos tempos em que era viva persistem ainda as orações diárias e algumas celebrações, como o Banho do Mar, uma “purificação” junto à Lagoa de Óbidos (Foz do Arelho) que se repete anualmente a 18 de Agosto. Com acesso por um discreto caminho de terra batida, a partir da Estrada Nacional, que liga Torres Novas ao Entroncamento, o lugar da Ladeira do Pinheiro identifica-se pela igreja construída pelas pessoas que seguiam a Mãe Maria, próximo do local onde primeiro viveu e cuja casa foi destruída durante o período de perseguição pelas autoridades.Por detrás desse local, assinalado por uma imagem “naif” de Cristo, está em fase de conclusão um lar para acolher seis dezenas de idosos, a mais recente obra da Fundação que recebeu o nome de Maria da Conceição e do marido Humberto Horta (também já falecido) e que inclui um outro lar que alberga cerca de 40 idosos.A vertente social e a própria fundação são geridas pelo bispo metropolita de Portugal e Espanha da Igreja Ortodoxa Alternativa Búlgara, Estêvão da Costa, que passou a ministrar o culto desde o abandono da Igreja Católica Ortodoxa de Portugal.Estêvão da Costa recusou falar à agência Lusa, alegando a “distorção” do fenómeno da Ladeira pelos meios de comunicação social, bem como proibiu a recolha de imagens e de entrevistas no espaço que pertence à fundação. O MIRANTE/Lusa

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