Entrevista | 11-02-2015 16:58
Só se devem retirar crianças aos pais como último recurso

Carolina Carvalho é presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Vila Franca de Xira há oito meses. Diz que a institucionalização de crianças é uma coisa dura e deve ser sempre o último passo, quando se esgotarem todas as alternativas. No último ano a comissão registou mais de 1100 situações, a maioria por violência doméstica, abandono escolar e negligência.
Retirar crianças aos pais a meio da noite ou de madrugada, como aconteceu há seis anos com uma família de Foros de Salvaterra, só faz sentido se houver uma situação de risco de vida iminente para os menores. Caso contrário, “essa não é a melhor solução” e deve procurar evitar-se a institucionalização, defende Carolina Neves Carvalho, 52 anos, que é a nova presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Vila Franca de Xira.“No caso de Foros não posso manifestar-me porque não conheço o processo. Mas aqui evitamos tirar as crianças aos pais. Só se parte para uma situação dessas se for realmente uma situação de risco, senão não vale a pena. Se não houver risco, tirar as crianças de noite não faz sentido”, defende.Em 2008, recorde-se, O MIRANTE deu nota do caso de uma mãe de Foros de Salvaterra, Marília Batista, que viu as autoridades entrarem em sua casa de noite, acompanhadas por cães, e lhe tiraram os filhos da cama para os enviarem para uma instituição. Em Vila Franca de Xira a presidente da CPCJ explica que o principal objectivo dos técnicos é que os menores fiquem com os pais e, na maioria dos processos que acompanham, é isso que acontece. “Tentamos sempre ser o mais justos possível nas nossas decisões. A maioria fica junto dos pais, fazemos um acordo de promoção e protecção com os pais. Quando eles não têm condições, fazemos isso junto de um familiar ou pessoa idónea. O acolhimento é a última alternativa. Institucionalizar é uma coisa dura. Só partimos para essa solução quando vemos que a criança no meio em que está inserida não tem condições e corre um sério risco, não apenas de vida como psicológico e emocional”, explica. Carolina Carvalho é presidente da CPCJ há oito meses e sucede a Alberto Martins. Diz que é preciso desmistificar a ideia que as comissões “são um bicho papão que só serve para tirar as crianças aos pais” e refere que a prevenção é a melhor arma contra os problemas. Diz que já teve vários processos que lhe deram vontade de chorar e que é preciso ter alguma força para encontrar equilíbrios nas decisões que se tomam. “O que mais nos custa é ver crianças agredidas física e psicologicamente. Muitas vezes apenas porque queriam ir brincar. Temos casos de crianças agredidas porque apesar de estudarem não são tão boas como o pai quer. Às vezes temos pais que idealizam que aquele miúdo tem de ser o melhor de todos”, explica a técnica, garantindo que os casos de violência e maus tratos sobre menores acontecem em todos os estratos sociais, dos ricos aos pobres.Apostar na prevençãoCarolina Carvalho diz que apesar de continuar a haver “algum medo e receio” de divulgar estes casos, a sociedade está a perder a vergonha e que isso se deve à possibilidade de manter o anonimato. A responsável, licenciada em psicologia e que vive em Vila Franca de Xira, tem dois filhos e admite que as mulheres possam ser mais talhadas para estar nestas posições que os homens. “O maior desafio é que as situações sinalizadas sejam avaliadas e acompanhadas devidamente no mais curto prazo de tempo. Queremos apostar na prevenção e actuar na primeira linha. O trabalho de proximidade com as várias entidades tem permitido actuar rapidamente mas haverá sempre trabalho a fazer. Há-de haver muitos casos que nos escapam, mas as pessoas estão mais sensibilizadas e temos tentado fazer um trabalho de prevenção junto das escolas, das instituições, sensibilizar pais, alunos e funcionários, para actuarmos com a maior rapidez”, nota.A maioria dos casos continua a chegar ao conhecimento da comissão através de denúncias de familiares das vítimas, vizinhos, amigos, escolas e forças de segurança.“Os agressores de hoje já foram crianças e jovens que viveram estas situações na própria família e é esse modelo que trazem de trás. Temos de trabalhar essas famílias para incorporar novos valores e atitudes diferentes perante os problemas”, refere. Na opinião da responsável, não é o facto de ouvir rock com letras violentas, como Marilyn Manson ou Rammstein, que vai fazer de um jovem um futuro adulto violento. Para a responsável há ainda pais que não sabem qual é o seu papel nem a importância que têm nas crianças. “O grande problema da nossa sociedade é que os valores que estão a ser transmitidos hoje em dia vão muito para a parte material e estamos a esquecer-nos da parte humana, de família. Por isso estamos a assistir a todo este tipo de problemáticas”, conclui.
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