Fiel da balança na Câmara da Chamusca critica “máquina socialista”
Francisco Matias (CDU) é uma espécie de fiel da balança no executivo da Câmara Municipal da Chamusca, com um pé no poder, enquanto vereador com pelouros delegados, e outro na oposição, porque não é do partido que gere a autarquia, o PS. O equilíbrio, reconhece, não é fácil.
Sente-se como uma espécie de fiel da balança como vereador com pelouros num executivo sem maioria absoluta liderado por outro partido? Sinto e faço um esforço diário para esse equilíbrio. Naturalmente, mantenho uma relação cordial e institucional com o senhor presidente e relativamente aos objectivos que a minha organização traçou estou a cumprir esse papel e a fazer esse equilíbrio. Em 2013, estávamos a sair duma situação financeira muito difícil e avançámos com um processo de candidatura no âmbito do PAEL, onde estava garantido um empréstimo de 4,3 milhões de euros para resolver esse problema. A única coisa que não aconteceu foi ganharmos as eleições.
Ficaram surpreendidos com esse resultado, ao fim de tantos anos de poder CDU na Câmara da Chamusca? Sabíamos que iria ser difícil substituir uma figura tão carismática como Sérgio Carrinho, apesar de as pessoas me conhecerem. Mas eu estava num trabalho, sobretudo, de bastidores e de funcionamento interno. A figura central da governação e da imagem do próprio município era o presidente.
O desgaste de tantos anos de poder também pode ter tido alguma influência. É evidente. Nunca tivemos a sensação que poderíamos ter maioria absoluta e acabámos por perder por 74 votos… Na sequência disso, o entendimento que foi feito com o Partido Socialista, e sobretudo com o presidente actual, foi no sentido de garantir a governabilidade da autarquia, de apoiarmos a realização daquilo que estava por concluir. E isso tem vindo a ser feito.
É fácil trabalhar com o presidente Paulo Queimado? Com o presidente é fácil trabalhar…
E com a vice-presidente Cláudia Moreira também é fácil trabalhar? (pausa) Não é muito fácil, porque faz parte da máquina complexa que o actual PS da Chamusca tem em funcionamento na gestão do município. Portanto é muito difícil. Às vezes tenho a sensação que sou uma figura um bocadinho incómoda, mas o meu objectivo não é incomodar, é permitir a governabilidade do município. Isso é que é importante.
Que máquina é essa em concreto e que constrangimentos coloca? As coisas andam um bocadinho mais devagar do que aquilo a que eu estava habituado. Muitas vezes há alguma inércia, alguns assuntos ficam para discutir em momentos que ainda não estão definidos. Estou a falar de questões que muitas vezes partem aqui da área onde estou a trabalhar. Mas isso não tem sido impeditivo de, até agora, a CDU ter aprovado três orçamentos.
E acredita que vai aprovar um quarto e que este pacto vai durar até final do mandato? Até 2015 correu bem, salvo uma ou outra questão que nos distinguiu da forma como este executivo resolveu alguns problemas, como a do horário de trabalho de 35 horas. Por esse motivo aprovámos os orçamentos. Mas também aprovámos os orçamentos no pressuposto de que íamos começar a discutir o desenvolvimento futuro. Preparar o município e a estrutura para que, quem vier a seguir, possa continuar a afastar-se deste momento difícil que passámos. Nós ainda continuamos a acreditar, embora tenha havido um sinal pouco favorável.
Que sinal foi esse? Quando colocámos a disponibilidade para discutir alguns assuntos - nomeadamente na área do desenvolvimento económico, da cultura, do desporto, do associativismo, do Ecoparque, da nossa relação com a Resitejo -, e após termos aprovado mais um orçamento, o PS saiu com um documento a criticar-nos. E isso deixou-nos um bocadinho preocupados.
Está a falar da estrutura local do PS? Sim. Essa situação deixou-nos preocupados porque se estamos a trabalhar e a funcionar como fiel da balança e no dia seguinte, digamos, estão a dar-nos pontapés por debaixo da mesa, há qualquer coisa que não está bem.
Sente que a concelhia do PS está a tentar esticar a corda para acabar com esse pacto? Não. O que me parece é que, provavelmente, existem algumas pessoas no actual PS da Chamusca que têm dificuldade em aceitar opiniões diferentes. Foi estranho, porque colocámos questões para discutir e sentimos que não havia condições para as discutir por parte do senhor presidente. Decidimos esperar mais um tempo para tentar perceber exactamente o que se estava a passar.
E entretanto as coisas normalizaram? As coisas estão paradas nesse aspecto e vamos esperar mais algum tempo para perceber se há condições para fazer esse tipo de discussão interna. Mas também já percebemos que há aqui outro caminho que está a ser trilhado em termos de divulgação, de uma certa propaganda um bocadinho antecipada…
Está a referir-se à revista publicada pela câmara recentemente? Por exemplo, em que se dá projecção a certas coisas de forma exagerada e minimizam-se ou omitem-se outras que estão a acontecer e que até são importantes.
Designadamente do seu pelouro? Designadamente da minha área. Há aqui uma série de coisas que começam a preocupar-nos na relação de boa fé que estamos a cumprir.
“Deve haver uma indicação para eu ser invisível”
É fácil ser poder e oposição ao mesmo tempo na Câmara da Chamusca? Fui sempre habituado, durante muitos anos, a conviver com essa situação. Estando no poder, mas permitindo e tendo de aceitar e ouvir as opiniões dos outros e procurar encontrar modelos que fossem consensuais. Mas não me parece que este novo modelo de governação queira isso.
Acredita que o pacto vai durar até final do mandato. Dependendo de nós é para continuar. A não ser que, de repente, todos os projectos com condições financeiras para avançar sejam colocados na gaveta. Nesse caso teremos que ver o que se passa.
Tem autonomia para fazer o seu trabalho? Tenho uma autonomia razoável e temo-nos entendido com o senhor presidente quanto aos objectivos e algumas coisas concretas. Mas depois não tenho autonomia para gastar um tostão. Tenho de pedir autorização se posso apresentar um valor. Espero que este ano algumas coisas despertem, como a intervenção nas habitações sociais municipais, por exemplo.
Sente que a sua experiência autárquica pode ser uma mais valia, tendo em conta que tanto o presidente como a vice-presidente nunca tinham exercido cargos executivos numa câmara municipal? Eu tenho-me disponibilizado para isso. Sinto é que raramente, mas mesmo muito raramente, me pedem para ser ouvido. O presidente sabe que pode dispor de mim em qualquer situação mas, como eu digo, existe a tal máquina do actual PS local e deve haver uma indicação para eu ser invisível. Percebe-se que existe essa estratégia.
Que balanço faz do mandato? Do ponto de vista económico e financeiro é bastante positivo. Do ponto de vista do planeamento já não é bem assim. O problema demográfico tem que ser assumido e debatido. Devemos encarar esta questão da demografia urgentemente. Essa é uma das coisas que queríamos discutir. E outra questão é a do desenvolvimento económico, porque se não houver postos de trabalho não se fixam pessoas.
Na sua óptica, tendo em conta que o presidente e a vice-presidente são jovens com pouca experiência política, acha que estavam preparados para assumir o poder? A minha opinião pessoal é a de que, em qualquer idade, temos que saber aceitar desafios. Eu também fui autarca muito jovem, mas houve uma coisa que fiz nessa altura: foi tentar aprender com os que lá estavam como é que se gere uma comunidade. Se não partirmos deste princípio, acho que alguma coisa não vai correr bem. E o que neste momento acontece um pouco é que não há envolvimento dos vereadores nem da comunidade em geral. A gestão roda à volta de um grupo muito restrito de pessoas. Mas isso até pode dar fruto ao fim de quatro anos, porque hoje o marketing é uma coisa muito importante.
Não haverá também um certo deslumbramento, natural para quem chega ao poder pela primeira vez após tantos anos na oposição? É natural que haja deslumbramento. O que não considero natural é não haver respeito pela diferença.
O PS provavelmente dizia o mesmo quando era a CDU que estava no poder. Não. Nós não trabalhamos dessa forma. Governámos em maiorias relativas com o PS e com o PSD. Mas a partir do momento em que fizemos entendimentos trabalhámos em conjunto. Eram mais um elemento da equipa.
Sente-se ostracizado, digamos assim? Não vou tão longe. Mas quando me perguntam onde estou agora, costumo responder a brincar que estou no Centro de Inclusão Social. E alguns perguntam-me se é de inclusão ou de exclusão (risos)… Isto é um bocadinho de humor, mas assumi perante a CDU e perante o presidente da câmara que faria de fiel da balança. Mas as balanças são como tudo, às vezes podem avariar e até partir. É muito difícil essa posição de equilíbrio, de ser oposição e, ao mesmo tempo, ter entendimentos com o poder. Aliás, hoje temos uma situação semelhante a nível nacional.
Um autarca veterano pela primeira vez na oposição
Francisco Matias nasceu na Chamusca no dia 30 de Março de 1965. É casado e pai de 4 filhos (três rapazes e uma rapariga). Estudou até ao 12º ano e foi trabalhar, como faziam tantos jovens da sua idade. é técnico de artes gráficas mas cedo a política autárquica entrou na sua vida. Assumiu o cargo de vereador da Câmara da Chamusca em 1991, em regime de meio tempo. Em 1993 inicia-se novo mandato e passa a integrar a equipa do carismático presidente Sérgio Carrinho (CDU) como vereador a tempo inteiro. Entre 1998 e 2013 foi vice-presidente do município, substituindo Carrinho nas suas ausências e desempenhando um papel importante no esforço de saneamento financeiro da autarquia, que quase asfixiara em dívidas. Discreto quanto baste, prefere a acção à retórica, embora o seu discurso seja fluente e assertivo, não fugindo às questões.
Em 2013 continuou como vereador em regime de permanência mas, pela primeira vez, sem ser a sua força política a mandar na câmara, ganha pelo PS com maioria relativa. Francisco Matias tem actualmente os pelouros da Acção Social, Acção Social Escolar, Cidadania e Igualdade, Habitação Social e Municipal, Mobilidade e Transportes Colectivos, Promoção e Desenvolvimento de Actividades seniores, Protecção de Crianças e Jovens e Saúde.
Novamente candidato se a CDU e a família quiserem
A CDU já escolheu o candidato à câmara em 2017? O que posso dizer é que a CDU já iniciou essa discussão.
E o senhor está disponível para ser candidato, se a escolha recair em si? Se a CDU assim o entender, terei que ouvir a família. Se não houvesse impedimentos do ponto de vista pessoal ou familiar aceitaria o desafio. Mas neste momento ainda estamos a trabalhar no processo.
Acredita que a CDU pode voltar ao poder na Chamusca já nas eleições autárquicas do próximo ano? Ainda é cedo para falar nisso.
É raro um presidente não ser reeleito no final do primeiro mandato. Sim e o PS também sabe isso. Estivemos muito tempo na governação e muita da argumentação dos nossos adversários passa por apontar questões do passado. Mas isso gasta-se! Além disso, nós envolvíamos as outras forças políticas e as juntas de freguesia, o que hoje, a meu ver, não acontece. Hoje há pouca informação. Não temos a informação que a nossa oposição tinha. Toda a gente sabe isso. É um modelo com o qual não concordamos, mas não temos outra alternativa que não seja trabalhar nessa base.
Preocupado com o reforço de investimento na Semana da Ascensão
A Semana da Ascensão volta a ter um cartaz musical sonante, após alguns anos de menos fulgor. Concorda com o aumento do investimento no cartaz de animação? Estamos preocupados, porque já passámos anteriormente por uma fase de deslumbramento. Não soubemos parar num determinado momento. Reconhecemos isso. Éramos também muito solicitados por todos, incluindo a oposição que era um grande acelerador desse investimento. De facto, houve um excesso. Quanto à Semana da Ascensão deste ano só conhecemos uma parte dos valores mas já dá para perceber que há um investimento muito maior. Terá sustentabilidade? Vamos ver.
As finanças da autarquia já permitem voltar a investir nessa área? O que nos preocupa é se, mantendo este nível de investimento corrente, não ficamos rapidamente outra vez numa situação complicada. Porque ainda não foi descoberta a árvore das patacas. Os custos têm vindo a ser contidos e mal parecerá que o PS agora, com as poupanças que se foram fazendo, opte por gastar o dinheiro todo e quem vier a seguir que pague. Se é isso, ficamos preocupados. Connosco foi ao contrário, deixamos cá o dinheiro para pagar as dívidas…
Mas também foram vocês que fizeram as dívidas. Sim, mas como já aprendemos que não devemos fazer isso queremos transmitir aos outros que não caiam no mesmo erro. Porque quem paga com isso são as empresas e as pessoas da terra.
O modelo da festa, com a duração de 9 dias, não será excessivo? Havendo uma animação diferenciada penso que é correcto e possível manter os 9 dias. Até porque foi isso que fez também marca da própria festa. Mas aquilo que está a ser visível agora é que é uma animação desde o primeiro ao último dia com um certo nível. A nossa preocupação é se há meios para fazer isto. No final há-de ser feito o balanço.
Vive a festa com o mesmo entusiasmo da sua juventude? Não. Também vamos amadurecendo. Mas há certos aspectos da festa que ainda se mantêm com essa dinâmica. Sobretudo a entrada de touros e a apanha da espiga que eu faço sempre questão de ir. Agora no resto o ambiente já não é exactamente o mesmo. É mais para os meus filhos, que já ficam na noite. Este ano estou também envolvido na organização de uma pequena feira social, que vai estar no jardim do coreto, com instituições do concelho.