Entrevista | 11-06-2019 07:00

Centros de saúde vão ter de fazer uma oferta maior de serviços

Centros de saúde vão ter de fazer uma oferta maior de serviços

Luís Pisco, presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

A falta de médicos é um problema crónico da saúde na região, mas o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo está convicto que o panorama vai mudar, já que a saída de profissionais para a reforma vai abrandar e há mais médicos a serem formados. Luís Pisco diz que a região e o país têm de seguir práticas existentes em outros países, como na Holanda, em que a grande maioria das pessoas resolve os problemas nos cuidados de saúde primários, evitando-se assim o entupimento das urgências hospitalares. Para isso considera que é necessário os centros de saúde oferecerem outros serviços, como meios de diagnóstico. Luís Pisco, médico, especialista em medicina familiar e em medicina do trabalho, reconhece que o recurso à contratação de médicos a empresas é uma má solução, embora às vezes seja a única possível, por isso tenta recorrer à contratação de médicos reformados, por já terem experiência em centros de saúde.

Porque é tão difícil fixar médicos na província?

Pela mesma razão que é difícil fixar pessoas de outras profissões, como advogados. Antes do 25 de Abril a distribuição dos médicos era muito assimétrica, estavam todos no litoral. Após a revolução e com a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) conseguiu-se colocar médicos em todo o país. Houve experiências interessantes, como o serviço médico à periferia. Na década de 80 foram colocados muitos médicos no interior, que acabaram por ficar.

Obrigar os médicos a um tempo mínimo de trabalho público nas zonas necessárias seria uma solução?

Isso chegou a ser falado na perspectiva de serviço cívico. Se o Estado forma médicos não seria descabido que estes tivessem de trabalhar um ano, por exemplo, em determinada zona.

As zonas rurais são as mais complicadas?

Hoje há mais falta de médicos em alguns concelhos limítrofes de Lisboa do que em outras zonas do interior. A zona de Lisboa é onde faltam mais médicos. Houve um crescimento rápido da periferia das grandes cidades e não conseguimos acompanhar isso com a colocação de médicos. O SNS deve chegar a todos os portugueses, por uma questão de equidade, pelo que tentamos distribuir os recursos conforme as necessidades.

O que falta para atrair interessados em fazer a especialidade de medicina geral e familiar?

A situação está bem encaminhada. É muito provável que na área de Lisboa e Vale do Tejo consigamos colocar todos os anos duzentos médicos nesta especialidade. Temos actualmente cerca de oitocentos médicos a tirarem a especialidade. O futuro está assegurado mas não é já de imediato. Há um desequilíbrio com muitos médicos a saírem para a reforma quase ao mesmo tempo, mas depois vai haver poucas reformas e vão continuar a entrar médicos.

Está a dizer que daqui a vinte anos pode não haver falta de médicos…

Antes disso. A partir de 2021 estamos em condições de formar mais médicos do que aqueles que vão para a reforma.

O recurso a empresas de prestação de serviços que fornecem médicos garante alguma qualidade?

Tem sido uma má solução, embora na altura tenha sido a única possível. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, a que no país tem mais falta de médicos, preferimos recorrer a médicos reformados. Temos 84 nessa situação que voltaram a trabalhar connosco. São profissionais com muita experiência e a qualidade é boa. Os médicos das empresas muitas vezes não são especialistas e não podem ter listas de doentes como os médicos de família. Também contratamos alguns médicos directamente, sem ser através de empresas.

A criação das unidades de saúde familiar (USF) trouxe alguma vantagem?

Se nos lembrarmos de 2005, quando se desenhou a reforma dos cuidados de saúde primários, toda a gente estava insatisfeita. Não há qualidade sem um bom acesso e as pessoas queixavam-se muito. Estas unidades vieram trazer proximidade com qualidade. Há uma responsabilização não só do médico, mas de toda a equipa e quando o médico da pessoa não está há quem resolva a situação e não lhe dizem para voltar noutro dia. Isso dá confiança às pessoas.

Porque é que não há mais unidades destas atendendo às vantagens?

Uma pessoa entra numa USF e tem cuidados de saúde do melhor que há na Europa, consegue consulta no próprio dia, tem provavelmente o contacto do médico, espera pouco tempo. E quem entra num centro de saúde encontra situações diferentes. É uma desigualdade que as pessoas têm dificuldade em perceber. Infelizmente não é possível ter USF em todo o lado porque elas são de constituição voluntária por parte dos profissionais. Estamos a tentar promover a colocação de jovens médicos em pequenos grupos no mesmo local, de modo a criarem uma nova dinâmica e que possam vir a formar uma USF.

Há necessidade de as pessoas irem de madrugada para a porta dos centros de saúde para apanharem consulta?

Isso já não deveria acontecer. Recomendamos aos doentes mais idosos que telefonem para os centros de saúde, mas sabemos que isso às vezes não é fácil, quer por questões técnicas, quer por o secretariado clínico estar muito absorvido com os utentes que estão local. Mas o objectivo é facilitar a marcação de consultas.

O futuro é cada vez mais tratar as pessoas em casa?

Os próprios hospitais estão a fazer internamentos domiciliários. Se o doente puder ser tratado em sua casa, isso é mais seguro, mais barato e mais confortável para o doente. Este cuidar em casa seguramente vai acentuar-se em colaboração com todos. Os centros de saúde, os hospitais e as unidades de cuidados na comunidade têm de trabalhar em conjunto e hoje há uma ligação estreita entre as administrações dos hospitais e as dos centros de saúde. O Hospital de Santarém tem muito trabalho em conjunto com o Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria.

As pessoas recorrem demais aos hospitais?

Em países como a Holanda, 95 por cento das necessidades de saúde das pessoas é resolvida nos centros de saúde. Temos de caminhar neste sentido. Reconheço que os centros de saúde vão ter de fazer uma oferta maior de serviços. Por exemplo, muitos países estão a colocar mais meios de diagnóstico, como raio-X, nos centros de saúde. Temos de adaptar a nossa oferta às necessidades das pessoas. Em Santarém pode justificar-se um serviço aberto até às dez da noite, por exemplo, mas numa aldeia, em que as pessoas se deitam cedo, talvez já não.

Por razões políticas foram construídas muitas extensões de saúde, algumas agora fechadas.

Houve uma altura que parecia melhor, do ponto de vista da gestão, concentrar os médicos e as pessoas deslocarem-se. Hoje tenho dúvidas em relação a isso. É mais fácil deslocar um médico, administrativo e enfermeiro do que quinhentas pessoas. Temos estado a repensar a oferta de cuidados e temos vindo a abrir algumas extensões. Sabendo os transportes que temos e o facto de haver muitos idosos isolados, se calhar a concentração não é uma boa solução.

Têm-se registado alguns casos de agressões a médicos. Porque é que estas situações acontecem?

Em termos de agressividade, assistimos a coisas que não existiam antigamente. O que temos de fazer é prevenir, ter pessoas treinadas, os médicos, enfermeiros e sobretudo secretários clínicos, para falarem com as pessoas, para lidarem com utentes agressivos. Isto não tem a ver com questões de mau funcionamento. Normalmente é por situações como baixas médicas, como a agressão lamentável a um médico em Vale de Cavalos (Chamusca).

Alguns centros de saúde começaram a ter medicina dentária. Quais são as perspectivas desta experiência?

A expectativa é ter um serviço de medicina dentária público em cada concelho e nos concelhos grandes até ter mais de um. Neste momento temos quarenta gabinetes a funcionar na área de Lisboa e Vale do Tejo. Outra área que consideramos importante e na qual estamos a desenvolver esforços é a de nutricionismo. A má alimentação é responsável por muitos dos problemas de saúde que temos. Estamos a procurar reforçar o número de nutricionistas.

E ao nível de psicólogos? Às vezes há queixas de que não chegam para as necessidades.

Temos mais de noventa psicólogos, o que é um número significativo em comparação com outras regiões. Só temos que tentar perceber como é que nos podemos organizar melhor e estabelecer prioridades na actuação destes profissionais.

Hospitais com parcerias público-privadas prestam bom serviço

Vai a muitas iniciativas no Hospital de Vila Franca de Xira, que resulta de uma parceria público-privada. Como é que vê este modelo de gestão?

A responsabilidade da administração regional de saúde é fazer o acompanhamento e temo-lo feito. Os hospitais nestas circunstâncias prestam um bom serviço às populações. Para nós são hospitais públicos, prestam um serviço público.

O facto de haver três hospitais a curtas distâncias no Médio Tejo continua a ser uma complicação?

Infelizmente não é só no Médio Tejo. No Oeste existe a mesma situação. São situações inevitáveis que temos de gerir da melhor maneira possível. É evidente que é sempre mais difícil e problemático ter três pólos distintos do que ter tudo no mesmo edifício, em termos de eficiência de gestão. O actual conselho de administração do Centro Hospitalar do Médio Tejo tem feito um bom trabalho, em conjunto com as autarquias, no sentido de o rentabilizar ao máximo e criar os menores constrangimentos às populações.

O sector privado tem vindo a “roubar” médicos ao público. O que acha disso?

Sobretudo ao nível dos hospitais tem sido uma gestão difícil. Os privados com facilidade, diria mesmo excessiva facilidade, podem ir buscar médicos e outros profissionais ao Serviço Nacional de Saúde.

O que é que mais o preocupa actualmente?

A capacidade de resposta dos hospitais e criar melhores estruturas físicas para os cuidados primários de saúde. Estamos com os municípios a recuperar um atraso que se deveu a falta de fundos comunitários. Depois também me preocupa os recursos humanos, porque não vale ter edifícios se não tivermos pessoas.

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