Entrevista | 20-11-2019 07:00

Filarmónicas são tão importantes como os conservatórios no ensino musical

Filarmónicas são tão importantes como os conservatórios no ensino musical

Tiago Oliveira é maestro na Orquestra Académica da Universidade de Lisboa

Natural do Sobralinho, divide os seus dias entre o concelho de Vila Franca de Xira e a cidade de Ourém, onde dá aulas e constituiu família. Recebeu este ano o galardão de mérito cultural atribuído pela União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho.

As bandas filarmónicas não podem ser consideradas o parente pobre da música em Portugal e, pelo contrário, devem ser valorizadas e estimuladas porque são, por norma, a primeira porta de entrada na formação musical. A ideia é defendida por Tiago Lopes Oliveira, professor de piano, maestro e director artístico da Orquestra Académica da Universidade de Lisboa, que tem perto de 90 membros.

“Um violinista que faz o seu percurso no conservatório nem tem bem a ideia e consciência da existência das bandas filarmónicas. É errado considerá-las parentes pobres da música. Têm tanta importância e tanto valor no sistema de ensino musical em Portugal e na produção de grandes músicos como os conservatórios”, defende a O MIRANTE.

Admitindo que “quase nunca” é dado o devido valor a estas estruturas por parte dos profissionais, “por razões históricas e culturais”, Tiago acredita que as filarmónicas têm “um papel crucial” na formação de jovens músicos e em permitir que muita gente, a nível amador, possa produzir e continuar a dedicar-se à arte. “Percebi isso quando fui dirigir uma”, confessa. No entanto, avisa, é importante as filarmónicas perceberem para quem estão a tocar e adaptar o seu reportório ao público que as escuta.

Nascido no Sobralinho há 28 anos, Tiago iniciou os seus estudos em Alverca, na Sociedade Filarmónica Recreio Alverquense (SFRA), na mesma cidade onde os pais residem e exploram um café. É um apaixonado por música. Tem feito um percurso notável que já lhe valeu este ano o galardão de mérito cultural atribuído pela junta de freguesia, na cerimónia da celebração da elevação do Sobralinho a vila.

Diz que o concelho de Vila Franca de Xira é pródigo em escolas e cursos de música e que por isso não há desculpa para não se aprender música naquele território. “A música é fundamental para o desenvolvimento das crianças e os pais têm hoje a possibilidade de colocar os filhos a aprender sem pagar nada, através do ensino articulado, algo que antigamente não era possível. Os pais devem oferecer experiências musicais aos filhos, irem a concertos e actividades musicais. Não há nada como ir a um concerto, ter a experiência de sair de casa e viver a experiência física e emocional de um concerto ao vivo. O mesmo acontece com o teatro ou uma exposição”, defende.

Combater o analfabetismo musical

Se a maioria do país já aprendeu a ler e a escrever, já no que toca a apreciar música de cariz mais erudito o cenário é diferente. As coisas melhoraram nos últimos anos mas ainda há trabalho a fazer. “A música é uma linguagem universal mas ainda precisamos de aprender mais sobre ela. Nunca tivemos tantos jovens a aprender música como agora, mas ainda temos muito para caminhar e aprender”, nota.

Para o jovem maestro, haver actualmente imensa oferta musical não significa maior qualidade e no que toca à música mais erudita ou clássica continuam a ser os mais velhos os principais apreciadores. “Os jovens ainda estão longe dessa realidade, não conhecem um Beethoven ou Mozart”, lamenta.

A solução passa por expor as crianças, desde cedo, a esse tipo de música, não como obrigação mas antes como experiência natural que as inspire e divirta. “Tenho a certeza que uma criança terá o mesmo entusiasmo de uma pessoa de 50 ou 70 anos ouvindo a mesma música”, explica.

Outro dos problemas a combater é a ideia que os músicos trabalham de borla. “A arte e a música têm de ser encaradas como algo importante. Tão importante como um médico, um advogado ou um cabeleireiro. Não passa pela cabeça de ninguém ir ao cabeleireiro pedir para cortar o cabelo e no final agradecer o favor e ir embora sem pagar”, ironiza.

Menos telefones e mais conversa

Quando está a dirigir uma orquestra Tiago tenta abstrair-se do público e mergulhar apenas na música que está a ouvir. Nunca atirou a batuta a um espectador mas confessa que às vezes há gente que não facilita o trabalho dos músicos. “A maioria dos distúrbios na sala são hoje mais sociais e menos tecnológicos. É uma grande dificuldade que temos nas salas de espectáculos. As pessoas desligam os telefones mas depois há quem passe os concertos a conversar. Tentamos não ligar mas não há dúvida que o público tem muita influência na forma e na qualidade como a música é interpretada”, refere.

Um maestro, diz, faz a diferença no trabalho final de uma orquestra, como um treinador numa equipa de futebol. E, tal como aí, precisa de estar cercado de uma boa equipa para sair vencedor. É sempre um trabalho de equipa e nunca de um só, garante.

Ourém tem qualidade de vida mas falta mais cultura

Tiago é natural do Sobralinho, é benfiquista e confessa que ouve todo o tipo de música. Vive actualmente em Ourém, onde constituiu família e foi pai recentemente. “Viver em Ourém tem coisas boas, é uma cidade bastante calma e com qualidade de vida. Mas onde culturalmente não acontece tanta coisa como nos grandes centros urbanos”, nota.

Dá aulas de piano na Escola de Música e Artes de Ourém. Depois da formação musical da SFRA e do Conservatório de Alhandra, estudou canto no Instituto Gregoriano de Lisboa, piano e órgão. Licenciou-se em canto e tirou um mestrado em piano na Universidade de Évora.

Enquanto pianista tem colaborado com a Orquestra Metropolitana de Lisboa e a Orquestra de Câmara da GNR, tendo trabalhado com maestros como Jean Sébastien Béreau, Cesário Costa, Pedro Amaral ou Emílio Pomarico. Em 2016 foi semifinalista do concurso Prémio Jovens Músicos, promovido pela Antena 2, na categoria da direcção de orquestra.

Como maestro convidado já dirigiu a Orquestra Sinfonietta de Gaia, Orquestra Clássica da Madeira, Orquestra Académica de Coimbra, Orquestra Clássica do Centro e o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa.

Ver o filho a crescer com saúde e encontrar a família e os amigos bem são os principais sonhos. “Outro sonho que tenho é continuar a fazer música de forma apaixonada”, confessa.

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