Entrevista | 12-02-2020 07:00

“A luta pelo Sorraia está longe de ser vencida”

“A luta pelo Sorraia está longe de ser vencida”

Tornou-se conhecido ao anunciar a morte lenta do rio Sorraia devido a uma praga de jacintos-de-água. José Pastoria defende, em entrevista a O MIRANTE, que o combate a esta planta invasora tem de ser contínuo para ser eficaz.

José Pastoria conhece o rio Sorraia como a palma da sua mão. Foi naquelas águas que aprendeu a nadar, a pescar e a praticar canoagem. Desceu o seu leito em canoa de Coruche a Benavente vezes sem conta, até que um firme e incontrolável manto de jacintos-de-água lhe barrou a passagem.

O problema não é novo, mas foi nos últimos três anos que ganhou uma dimensão nunca antes vista nos 40 quilómetros deste afluente do Tejo, entre Coruche e Benavente.

O que antes salvava o rio desta invasora eram as “cheias que aconteciam com alguma regularidade e empurravam a planta para fora das margens ou a arrastavam até ao rio Tejo, onde a salinidade da água atinge níveis que não consegue suportar. Agora, diz José Pastoria, já “não podemos contar apenas com as cheias, que são escassas, para fazer esse trabalho”.

Só em Setembro de 2019, depois de José Pastoria ter divulgado um vídeo a denunciar a gravidade do problema, é que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) se mexeu e iniciou as limpezas. Se o problema está resolvido? “Com base naquilo que os olhos vêem, existe e continua a crescer. Só com um trabalho de remoção contínua e de monitorização com equipas em permanência no rio é que se combate eficazmente esta praga”, afirma.

A conversa que se fez na zona ribeirinha de Benavente com o Sorraia de fundo e um pequeno foco de jacintos junto à margem, a provar que o trabalho exige continuidade, começa pelo momento em que José Pastoria anuncia a morte lenta de um rio assolado por uma praga.

O que o levou a dar a cara e chamar à atenção para o problema?

Há muito que a praga existe, mas não com a dimensão dos últimos tempos. O Sorraia sofreu um corte no seu leito que gerou polémica e, estrategicamente, achei que era o momento ideal para dar a conhecer o real problema deste rio. Publiquei um vídeo no meu canal do Youtube que teve 100 mil visualizações num ápice. Depois quis chocar a sério as pessoas e fiz novas filmagens com um drone que mostraram um cenário assustador.

Ser técnico de desporto na Câmara de Benavente não o fez pensar duas vezes?

A primeira pessoa a quem mostrei as filmagens com o drone foi ao presidente da Câmara de Benavente, porque senti essa obrigação moral. Mas sempre separei muito bem essas águas.

Quando é que começou a ver os frutos da denuncia?

Os vídeos foram o ponto de partida. Depois vieram os jornalistas, que tiveram um papel fundamental ao mostrar ao país um problema real. E aqui importa referir que se não fosse O MIRANTE, o primeiro jornal a lançar a notícia, este caso nunca tinha ganho esta dimensão.

O Movimento Juntos Pelo Sorraia surge pouco tempo depois. Com que intuito?

Percebi que sozinhos vamos rápido, mas não vamos longe, por isso senti necessidade de me rodear de pessoas com conhecimentos científicos para me ajudarem a dar voz ao rio.

Este movimento cívico está ligado a alguma militância partidária?

Não está ligado a nenhum partido, nem estará. É um princípio que temos e que vamos manter. Não somos contra ninguém, somos a favor do rio.

E do lado dos partidos já houve alguma tentativa de aproveitamento político?

Na altura da campanha para as eleições legislativas recebemos vários convites de candidatos distritais e nacionais para os acompanharmos numa visita ao rio. As câmaras das televisões viriam atrás. Não aceitámos nenhum. Agora sim, estamos disponíveis para mostrar o que se passa no Sorraia a todos os partidos que estiverem interessados em ajudar a resolver o problema.

O que mudou na sua vida desde que começou esta luta?

Lutar pelo rio dá trabalho, rouba-me tempo, mas aquele que uso para o fazer é sempre pouco. A mudança que desejo ainda está por vir. É poder dizer um dia que ajudei a salvar aquele rio.

É isso que está em causa, salvar um rio?

Custa a acreditar, mas sim é isso que está em causa. Uma linha de água coberta com um tapete de jacintos que não permite a entrada de luz solar é uma ameaça para as espécies da vida autóctone do rio.

Quem é que falhou?

Falhou a Agência Portuguesa do Ambiente, enquanto entidade que tem de controlar estas situações. E falhou a população, porque não olha para o seu rio, não está atenta e não denuncia.

E os municípios, não podiam ter travado esta praga?

Os municípios têm meios muito limitados para actuar em situações com esta dimensão. Legalmente, as câmaras municipais têm a responsabilidade de limpar a zona urbana do rio e aí ele está limpo. O problema é que nenhum rio pode ser visto por parcelas. Se Mora não avança com a remoção dos jacintos, por melhor que seja o trabalho de Coruche ou Benavente de nada serve, porque eles vêm de cima. Este trabalho, além de prioritário, tem de envolver todas as entidades a operar em simultâneo e permanentemente.

No último Verão o rio Sorraia esteve na ordem do dia, agora desviaram-se as atenções. A luta está ganha?

A luta pelo Sorraia está longe de ser vencida e se nada se fizer todo o trabalho conseguido vai ser em vão, porque os jacintos multiplicam-se a uma velocidade impressionante. Trata-se de uma planta altamente evoluída que não pode ser subestimada. A Associação de Regantes do Vale do Sorraia é a única no terreno a fazer a remoção e este momento era o ideal para atacar, porque a planta perde força com o frio. Daqui a uns meses temo ver novamente um manto a cobrir o rio, por isso temos uma luta muito grande pela frente.

“A população vive de costas voltadas para o rio”

José Pastoria nasceu há 43 anos em Benavente e desde criança que aprendeu, pela mão do seu pai, a valorizar o que a natureza oferece. É casado, tem dois filhos e sonha um dia poder voltar a cruzar as águas do Sorraia dentro de uma canoa com a família a bordo. É técnico de desporto na Câmara de Benavente desde 2003 e já foi eleito na assembleia municipal e presidente da mesa da Assembleia de Freguesia de Benavente, pela CDU. Depois de iniciar a sua luta pela defesa do rio e fundar o Movimento Juntos Pelo Sorraia viu reforçada uma ideia que trazia: “A população vive de costas voltadas para o rio. Poucos o conhecem fora das suas zonas urbanas”.

Numa acção de voluntariado para limpar as margens do Sorraia, organizada pelo movimento, lamenta que nem 10 pessoas de Benavente tenham aparecido. “As pessoas não estão despertas para estes problemas, mas vão ter de estar quando abrirem a torneira e não houver água”. O que as pode aproximar do rio? “Criar situações de viabilidade económica, em volta do rio”, defende, dando como exemplo a construção de passadiços ao longo das margens dentro e fora da malha urbana.

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