Entrevista | 11-03-2020 15:00

“A vida obriga-me a ter uma maior visibilidade mas sou uma pessoa discreta”

“A vida obriga-me a ter uma maior visibilidade mas sou uma pessoa discreta”

Manuel Jorge Valamatos é presidente da Câmara Municipal de Abrantes há um ano.

A sua maior paixão é o desporto. Licenciou-se em Educação Física porque aquele era o único curso que queria fazer. Declara que se não tivesse entrado poderia ter deixado de estudar. No século vinte e por causa do desporto chegou à política. Começou como adjunto de presidente de câmara, passou a vereador e desde há um ano ocupa o cargo de presidente devido à saída da sua antecessora para o Governo. Desde essa altura que, praticamente, não fala com ela.

Uma das suas primeiras decisões enquanto presidente foi a da aquisição do Cine-teatro S. Pedro. O acordo já estava adiantado antes de ocupar o cargo?

Não. Não havia nada preparado, antes pelo contrário. Havia até um ambiente pouco amigável. Foi necessário haver muito bom senso para se conseguir um acordo mas conseguiu-se.

Como foram esses anos, e vão ser mais alguns, sem uma verdadeira sala de espectáculos, numa altura em que a câmara já tinha uma programação regular e tinha criado um público?

Mantivemos uma programação cultural regular recorrendo às instalações da Escola Dr. Manuel Fernandes e da Escola Dr. Solano de Abreu e às da Sociedade Artística Tramagalense, mas não é a mesma coisa. Houve propostas que recusámos e houve ideias que foram postas de lado, por não termos uma sala com as condições ideais. Dimensão do palco, questões técnicas, etc...

Tem falado com a sua antecessora, Maria do Céu Albuquerque, sobre assuntos da câmara? Aconselha-se com ela?

Não. Não temos tido oportunidade de falar. Ela deve ter muito trabalho e o mesmo se tem passado comigo.

A sua antecessora ficou isolada na defesa da adesão de Abrantes à empresa intermunicipal Tejo Ambiente. Na altura, o senhor era (e ainda é) presidente dos SMA (Serviços Municipalizados de Abrantes). Como foi contrariar a posição dela?

Não foi confortável. Era uma decisão importante, que tinha a ver com o futuro do município e dos serviços municipalizados. Não tenho nada contra a agregação de vários municípios na empresa Tejo Ambiente como forma de ganharem escala para uma intervenção maior, mas os Serviços Municipalizados de Abrantes estavam noutro patamar de desenvolvimento. Não tinham necessidade dessa agregação.

A integração não dava mais possibilidade de captar verbas para investimento nomeadamente verbas comunitárias?

Não precisamos dos níveis de investimento que os outros municípios precisam porque fomos fazendo os nossos investimentos ao longo dos anos. E mesmo o que falta não é comparável com o que qualquer dos outros municípios ainda tem que fazer. De qualquer forma, estamos convencidos que também iremos ter acesso a fundos comunitários para o que nos falta fazer, tal como tivemos noutras alturas.

O Governo quer dar incentivos a quem venha trabalhar para o interior. Preferia, como defendem algumas pessoas, que fossem dados incentivos a quem se mantivesse aqui?

Não gosto nada da palavra interior, porque acho que não estamos no interior. Estamos a uma hora de Lisboa. Estamos numa zona estratégica para o país e para o desenvolvimento do país. Não estamos no interior. Somos uma região com um potencial enorme.

Precisam de mais gente e de mais empresas?

Claro que precisamos de captar novas pessoas e novas empresas mas temos que valorizar, a todo o tempo, os que cá estão. Criar incentivos, criar as melhores condições para que possam continuar a desenvolver o seu trabalho e valorizá-lo ainda mais.

Concorda com as medidas anunciadas?

Pela primeira vez estou a gostar deste entendimento. Pela primeira vez estou a ouvir falar das portagens da A23 à séria (descontos de portagens para utilizadores frequentes e pessoas que queiram visitar o interior). Pode ser pouco mas a pouco e pouco é que estas coisas se vão construindo.

Está satisfeito...

Estamos a ouvir falar de incentivos à criação de postos de trabalho, pelo Estado, para estas zonas de baixa densidade. Já estamos a ouvir mexer nas portagens. É evidente que não está à dimensão que todos gostaríamos.

Também está satisfeito com a situação do Tejo?

O Tejo esteve abandonado muitos e muitos anos e agora alguma coisa está a ser feita. Não se fez muito, é verdade, mas o que se fez a nível do combate à poluição nos últimos anos foi importante. A recuperação da antiga profissão de Guarda-Rios também foi importante. Há muito para fazer mas já se começou e as medidas tomadas são bons indicativos para olharmos para a nossa região com muito optimismo.

O vereador do PSD, Rui Santos, tem razão quando diz que a câmara não pode ser o maior empregador do concelho? Quantos funcionários tem o município?

O vereador Rui Santos não está a ver bem os números, nem a analisar de forma correcta a situação. Existem outras estruturas públicas e privadas com registos semelhantes à nossa taxa de trabalhadores. A câmara não é o maior empregador. Nem de perto, nem de longe. Os serviços municipalizados têm 100 trabalhadores e a câmara cerca de 400. Há empresas com mais trabalhadores. E basta falar das escolas ou do Hospital de Abrantes, por exemplo.

E com a transferência de competências?

São trabalhadores que passam para a câmara mas são pagos pelo Estado. Vão passar 150 na área da educação, dez na área da saúde... e aí a situação pode ser diferente, mas actualmente não. A situação que ele refere acontece em muitos concelhos mas não aqui.

Custa a crer que, tendo sido vereador do Desporto tantos anos, não tenha convencido os seus camaradas a fazerem um pavilhão à altura das necessidades da cidade.

Neste momento temos três pavilhões. O que está cedido à Escola Solano de Abreu mas que vai voltar a ser gerido pela câmara, um no Tramagal e outro no Pego. São bons pavilhões e que dão resposta à dinâmica dos nossos clubes. No entanto, precisamos de um pavilhão em Abrantes cidade, provavelmente ligado à própria cidade desportiva, capaz de acolher grandes eventos nacionais e internacionais.

Porque nunca avançaram?

Houve sempre outras prioridades. A pista de atletismo, a piscina de água quente...

E um campo de basebol. Foi feito esse campo mas falhou a tentativa de implementar a prática daquela modalidade. Vai voltar a tentar ou tem outra ideia?

Temos o único campo de basebol do país. A ideia resultou nessa medida. Temos que ser diferenciadores. Pistas de atletismo, piscinas, temos centenas no país. Campos de futebol, pavilhões, temos milhares. Aquilo que pensámos resultou. Tivemos, em Abrantes, dois campeonatos da Europa.

Mas essa modalidade diferenciadora não atraiu praticantes aqui na região.

A Federação Portuguesa de Basebol é que não respondeu à mesma dimensão que a câmara municipal. Fizemos uma aposta naquela modalidade, a Federação sediou-se em Abrantes, mas o campeonato nacional não evoluiu à mesma velocidade que nós reagimos na construção deste campo. Daquilo que sabemos, a Federação está num processo de renovação, reorganização e acreditamos que a modalidade possa surgir com grande dinamismo.

Há quatro anos morreram muitos peixes na escada passa-peixes, junto ao açude insuflável e falou-se muito no assunto. O que foi feito? Foi implementado o sistema de monitorização de que se falou? Tem a garantia que não volta a haver uma mortandade de peixes naquele local?

Temos um estudo que tenta compreender a passagem dos peixes. Foi feito e isso continua a estar em estudo. Temos um processo de instalação de uma mini-hídrica, que pode vir a revolucionar e a reorganizar toda aquela zona do açude. Estamos nessa expectativa; estamos numa fase de análise e estudo da implantação dessa mini-hídrica...

Mas chegou a ser feito um concurso. Vai voltar a haver outro?

Foi feito um concurso pelo Ministério do Ambiente. Esse processo terminou. Estamos numa nova fase. Vai voltar a haver procedimentos capazes de dar as respostas à instalação ou não da mini-hídrica e do aproveitamento do açude. Esse aproveitamento obriga, naturalmente, a uma alteração da gestão e da organização de toda aquela zona da escada passa-peixe, para que se possibilite uma relação mais amigável com o ambiente.

Em que altura da sua vida se começou a interessar por política?

Comecei a participar em movimentos de cidadania e em acções do interesse da comunidade desde muito cedo. Fiz parte de associações de estudantes, quer no secundário quer no superior, participei em organizações de festas, integrei colectividades. Fiz isso, sempre de forma discreta e sem grandes protagonismos. A vida obrigou-me a ter uma maior visibilidade mas sou uma pessoa discreta.

O PS foi o seu primeiro amor?

A política partidária surge na altura em que fui convidado, em 2002, por Nelson Carvalho, que era o presidente da câmara, para seu adjunto na área do desporto. Nessa altura senti que devia tornar-me militante, por uma questão de coerência. Senti necessidade de estar mais envolvido. Antes disso nunca tinha tido nenhuma ligação com qualquer partido político. Tornei-me militante aos trinta e seis anos.

É autarca desde 2004. Sempre como vereador até assumir a presidência da câmara há um ano quando Maria do Céu Albuquerque foi para o Governo. Como tem sido a adaptação ao cargo?

Há muitas diferenças mas sou a mesma pessoa. O novo estatuto não alterou a minha maneira de ser. Enquanto vereador sempre fui muito responsável e sempre trabalhei com espírito de equipa. Sempre entendi que este trabalho faz sentido se for feito em equipa e é isso que fomento no dia-a-dia, agora como presidente de câmara. Procuro, em equipa, encontrar as melhores soluções. Não me sinto mais importante. Sinto-me mais responsabilizado.

Agora, embora consulte os vereadores, nomeadamente os que estão a tempo inteiro, a lei dá-lhe várias competências, para além das que lhe possam ter sido delegadas. Tem o poder de decisão.

Sei que tenho a tarefa de ser líder de uma equipa e quero merecer a confiança de todos, em todos os momentos. Quando há unanimidade as decisões são mais fáceis mas tenho sempre que decidir e às vezes tenho que decidir rápido e nunca deixo de o fazer. Nem sempre é fácil, até porque as decisões têm que respeitar leis, normas, regulamentos.

Para o ano há eleições autárquicas e, se tudo correr normalmente, vai ser candidato a presidente de câmara. Ainda é cedo para pensar nisso ou gosta de pensar nas coisas com tempo?

Gosto de tratar das coisas com tempo, mas ainda não chegou a altura. Ainda estamos a um ano e meio das eleições. Completei a semana passada um ano no cargo de presidente e ainda não tive tempo para respirar, digamos assim. Tem sido um tempo muito intenso.

“Se não tivesse entrado no curso de Educação Física não continuava a estudar”

Chama-se Manuel Jorge Séneca da Luz Valamatos dos Reis. Tem um nome bem comprido. Não é habitual.

Não é e ainda bem que não é. Falo por mim. Cada vez que tenho que assinar o nome completo é demorado. Nas minhas funções autárquicas sou conhecido por Manuel Jorge Valamatos. As pessoas que me conhecem há muito tempo tratam-me por Néo.

Um diminutivo de infância?

Acho que foi o meu irmão mais velho, Luís, que tem um ano de diferença de mim, que me começou a chamar Néo, quando éramos crianças, porque não conseguia dizer o meu nome correctamente. Gosto que me tratem por esse diminutivo.

Porque usa Valamatos e não Reis?

O meu pai é Manuel Valamatos dos Reis e a minha mãe Maria da Graça Séneca da Luz. Valamatos é o apelido mais utilizado na família.

Nasceu em Tramagal ou na maternidade do Hospital de Abrantes?

Nasci a 20 de Maio de 1965, no Tramagal. Nasci em casa. Os meus pais eram os dois professores no Tramagal. Estavam a viver lá. Em casa nasci eu e o meu irmão Luís. O Pedro, que é mais novo, não.

Como e onde foi a infância?

Nascemos no Tramagal. Os meus pais foram viver para Vale das Mós durante cinco anos. Depois voltámos ao Tramagal um ano e a seguir fomos, definitivamente, para o Rossio ao Sul do Tejo. Até hoje. Quer os meus avós maternos como paternos são do Rossio ao Sul do Tejo, viviam no Rossio ao Sul do Tejo.

Foi bom aluno?

Fiz a escola primária entre o Tramagal e o Rossio. Fui mudando de escola em função da vida dos meus pais. Ainda andei um ano, ou parte dele, no ciclo preparatório no Tramagal e depois vim para a Escola D. Miguel de Almeida, em Abrantes, e fiz o Secundário na Doutor Solano de Abreu. Sempre fui um aluno normal. Nunca causei problemas aos pais. E hoje tenho melhor essa percepção porque fui professor e sou professor.

Licenciou-se em Educação Física. Era o curso que queria?

A única coisa que queria era ser professor de Educação Física. Era uma ideia fixa. Se não tivesse entrado em Educação Física, acho que tinha optado por ir trabalhar. Não teria feito outro curso. Na escola secundária, do 9º ao 12º ano, lembro-me de ter essa determinação, de querer ser professor de Educação Física.

Estudou em Lisboa?

Fui para Castelo Branco, para a Escola Superior de Educação de Castelo Branco. Um bom ambiente. Foram quatro anos extraordinários. Bons colegas, bom companheirismo.

Já namorava quando foi para Castelo Branco?

Já namorava com a Paula (Paula Margarida Oliveira César) e foi com ela que casei. Ela é do Rossio ao Sul do Tejo mas acabámos por nos conhecer mais no liceu (actual Escola D. Manuel Fernandes). Estudávamos juntos. Temos dois filhos. O João Pedro, que tem 25 anos e é engenheiro de Gestão Industrial, e o José Pedro, que tem 20 anos e está a estudar Turismo.

Não convenceu nenhum deles a ir para Educação Física?

Fazem desporto mas não têm o desporto no código genético. Também não os punha a fazer desporto quando eram mais novos. Sempre achei que cada um devia fazer as suas escolhas. Talvez pudesse tê-los influenciado mas nunca insisti muito.

Qual foi a primeira escola onde deu aulas? Quanto tempo demorou até sentir que já era, verdadeiramente, um professor?

A minha primeira escola foi a Escola Secundária da Chamusca. Antes de ser professor fui treinador de equipas femininas de andebol e dava aulas de aeróbica. Já estava habituado a lidar com jovens. Também tinha jogado muitos anos futebol e estava envolvido com equipas de formação. Adaptei-me facilmente à profissão de professor.

Qual o seu maior sucesso como atleta?

Joguei futebol de 11 e fui semi-profissional, mas onde tive mais sucesso foi no futsal, que na altura ainda era futebol de cinco. Jogava no Clube Desportivo Os Patos e fomos várias vezes campeões distritais.

E como treinador?

Foi ter subido ao Nacional com a equipa de iniciados do Benfica de Abrantes. Levar uma equipa de formação aqui do distrito ao Nacional é relevante. Claro que não foi só mérito do treinador. Na altura tinha ali um conjunto de miúdos que jogavam muito bem e que tinham tido uma boa formação anterior. Mas melhor do que ter subido ao Nacional é olhar para os miúdos de então, que hoje são homens e vê-los homens dignos, bem formados.

Quando comprou o primeiro carro?

Tive o meu primeiro carro quando estava a dar aulas na Chamusca. Quando comecei a trabalhar. Era um Seat vermelho. Fui comprá-lo a Santarém. Cheguei ao stand, de calças de ganga e sapatilhas, e o vendedor que lá estava não me ligou importância nenhuma. Fui eu que tive que o chamar. Só me começou a ligar quando lhe disse que lhe pagava logo ali, em dinheiro.

Gosta de viajar?

Oficialmente, viajo quando tem que ser. Procuro distribuir pelos vereadores a possibilidade de irem porque todos precisamos de ganhar experiência e ter contactos. As coisas não têm que ficar todas centradas em mim. Do ponto de vista pessoal tenho um desejo enorme de viajar. Não tenho muito dinheiro para isso, nem tempo, mas cada vez que viajo percebo o quanto é importante viajar. Conhecer outras realidades, outras pessoas. E não é necessário fazer viagens para muito longe.

Que pelouros lhe estão atribuídos em casa?

O jardim, a lenha, coisas mais pesadas.

Não o deixam entrar na cozinha?

Gosto muito de estar na cozinha. Não tenho muito jeito, reconheço e ainda por cima a minha mulher cozinha muito bem. Mas gosto de participar. Faço os grelhados, por exemplo. E gosto de fazer compras, embora agora faça menos. Quando vou à praça sei escolher os legumes, a fruta, o peixe...

O que faz nos tempos livres?

Continuo a praticar desporto mas cada vez menos porque o tempo é curto. Gosto de nadar e normalmente ia para a piscina às oito da manhã mas como às vezes tenho que estar aqui às oito e meia, por causa de reuniões em Lisboa, por exemplo, é complicado. Este ano ainda não fui uma única vez.

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