Entrevista | 07-07-2020 10:00

“Trato os trabalhadores com humanismo e não defendo políticas de baixos salários”

“Trato os trabalhadores com humanismo e não defendo políticas de baixos salários”
ENTREVISTA

Dono da Curtumes da Fonte Velha, Joaquim Inácio cresceu nessa indústria onde viu e seguiu as pegadas do pai no trato aos funcionários. Respeito, valorização e lealdade são as palavras de ordem na empresa que herdou.

O respeito e valorização pelo trabalho humano reinam na empresa de curtumes Fonte Velha. Joaquim Inácio cresceu entre os trabalhadores e, por isso, reconhece o valor da actividade diária de cada um. O empresário herdou a fábrica da família e continua a fazer jus ao nome do pai, Joaquim Francisco Inácio, para quem os trabalhadores eram, em tempos sem máquinas, a espinha dorsal dessa actividade económica.


“Muito se fala hoje em robotização, mas isso nada mais é do que um auxiliar da acção humana, pois uma máquina é limitada a uma determinada função. Não se compara à acção do trabalhador. As fábricas não são nada sem os trabalhadores industriais”, sublinha. As declarações foram feitas dias antes do Dia dos Trabalhadores Industriais Mundiais, data assinalada a 27 de Junho, numa conversa que decorreu nos escritórios da fábrica depois do empresário ter assistido a uma reunião por teleconferência.


“Esta empresa caiu nos braços da minha mãe quando o meu pai morreu, tinha eu 13 anos. Ela teve que a agarrar e criar dois filhos ao mesmo tempo. Foram tempos muito difíceis, mas era uma mulher de trabalho, meteu mãos à obra. Eu fui criado por aqui, no seio dos trabalhadores. Sempre houve uma relação de proximidade. Lembro-me bem desse legado inestimável que o meu pai nos deixou, reconhecido sempre como um bom patrão”, recorda Joaquim Inácio.


O Dia dos Trabalhadores Industriais Mundiais, que marca a data de fundação da Industrial Workers of the World, uma união sindical internacional fundada em 1905, com sede em Chicago, e actualmente com membros em todos os continentes, é nesta fábrica de curtumes uma efeméride valorizada.


Isso é mostrado diariamente aos 35 trabalhadores quer com o respeito com que trata cada um deles, quer pela defesa de políticas de salários justos. “Não sou de modo algum defensor de políticas de baixos salários. É contraproducente pagar mal. Os trabalhadores devem ser valorizados e sentirem-se compensados. A forma que a entidade empregadora pode demonstrar gratidão pelo empenho, além de tratar com humanismo e cordialidade, é pagar bem”, sublinha.


Este pode ser o segredo para que a esmagadora maioria dos trabalhadores da Curtumes Fonte Velha ali comece a trabalhar ainda jovem e saia só quando chega a hora da reforma. Há pelo menos três casos de trabalhadores reformados que continuam a vestir a camisola e a trabalhar na fábrica. “O comportamento do empregador gera o comportamento do trabalhador, sempre”, defende. “Há um trabalhador que fez 50 anos de casa e ainda está no activo. É um trabalhador ainda da época do meu pai. Fizemos uma pequena celebração desse dia, porque isto é amor à casa, é ser fiel, e isso revela muito também sobre a forma como aqui é tratado”.

Mão-de-obra qualificada é escassa

O trabalho destes colaboradores é bem-vindo porque há dificuldade em contratar mão-de-obra qualificada e porque nem sempre a frescura da idade é um factor essencial. “De que vale essa frescura física se depois não têm conhecimentos para executar o trabalho na fábrica”, questiona Joaquim Inácio.


Para o empresário a dificuldade em encontrar trabalhadores industriais qualificados recai sobre o fenómeno da emigração, que levou muita mão-de-obra para fora do país. Apesar do bom relacionamento com os trabalhadores, Joaquim Inácio admite a existência de algumas “tensões” e conflitos de interesses que sempre foram resolvidos com “respeito e humanismo”.


Para o dono da Curtumes Fonte Velha, é “completamente normal” um funcionário integrar um sindicato. O patrão não sabe e, sublinha, “nem tenho que saber”, quem é sindicalizado ou não. “É um assunto privado e acho muito bem haver uma estrutura que se preocupa com a defesa dos interesses dos trabalhadores. É um direito fundamental onde não interfiro. Até hoje nunca tive um problema em que o sindicato ou outras entidades superiores tivessem que intervir”. Para Joaquim Inácio é tão normal existir uma associação sindical, como haver associações empresariais.

Indústria de curtumes como aliada contra a poluição

As empresas de curtumes são consideradas o principal foco poluidor em Alcanena. Apesar deste apontar de dedo por parte da população, Joaquim Inácio, questionado sobre este tema melindroso para os empresários de curtumes, responde taxativo: “Os animais seriam mortos à mesma para servirem o sector alimentar, aquilo que fazemos é pegar no que não é usado para comer – as peles – e dar-lhes uso, caso contrário seriam deixadas ao acaso sendo fonte poluidora”. Ainda assim, Joaquim Inácio admite que a actividade da indústria pode melhorar, se se aliar ao conhecimento científico. “A ciência fornece ferramentas para melhorar a pegada ambiental das indústrias. Há margem para melhorar certamente”, constata o empresário.

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