Entrevista | 24-02-2021 12:30

ABEI está financeiramente aflita mas não está moribunda

ABEI está financeiramente aflita mas não está moribunda
ENTREVISTA COMPLETA
Miguel Branco

Miguel Branco é presidente da Associação de Bem-Estar Infantil (ABEI) de Vila Franca de Xira há dois anos. Herdou uma situação de calamidade, com os credores a bater à porta. Em entrevista a O MIRANTE fala dos problemas do associativismo, dos planos para recuperar as contas e da urgência em profissionalizar os órgãos de gestão.

Foi utente, é trabalhador e agora presidente da ABEI. Isso dá-lhe uma perspectiva diferente na gestão da instituição?

Fui presidente à força, porque não estava nos meus planos. Já tínhamos consciência que as coisas estavam a complicar-se. Quando a crise bateu foi quando se fizeram mais investimentos em equipamentos educacionais e não houve o aumento de crianças que se esperava. Sentimos directamente na pele que as coisas estavam a agravar-se em 2015, quando pela primeira vez o ordenado deixou de chegar a tempo e horas. Neste momento, com o Plano Especial de Revitalização assinado com os credores, a ABEI tem três anos para se salvar da crise e aproveitar a oportunidade para se reerguer das cinzas. Não vamos despedir ninguém mas antes manter as duas centenas de postos de trabalho.

A direcção foi eleita em 2018 depois do anterior presidente, Manuel Martins, não se ter recandidatado. Como encontraram as contas?

O endividamento estava controlado mas a partir de 2016 explodiu. Não nos podemos esquecer que a ABEI fez investimentos de 10 milhões de euros nos últimos anos, tem 1.350 utentes e as valências de creche, pré-escolar, primeiro ciclo, quatro casas de acolhimento de crianças e jovens em risco e 30 utentes na unidade de cuidados continuados integrados. Tudo com um orçamento de 5,5 milhões. Actualmente, a nossa dívida ronda os 4,5 milhões de euros. Desse valor devemos um milhão e 100 mil euros à Segurança Social. Com estas dívidas e se não recorrêssemos ao mecanismo de reestruturação de dívida a associação caminhava perigosamente para o seu encerramento. Só em juros a ABEI tinha de pagar mais de 200 mil euros por ano.

Como vão conseguir reverter a situação?

Os próximos três anos vão ser capitais para criarmos mais negócio social, mais valias e salvar a associação. Voltar a criar ligações que façam sentido com a comunidade. Centralizámos serviços em vez de ter o mesmo serviço replicado em vários edifícios, como as refeições e a lavandaria. Entrámos na descentralização de competências para o poder local fornecendo refeições e prolongamentos escolares. Agora estamos a apostar em candidaturas a vários projectos, como o programa Escolhas e o Bairros Saudáveis. A ideia é fugir à subsídio-dependência apostando em projectos diferentes e inovadores.

É um desafio de peso.

É preciso que se vislumbre um futuro para a ABEI sem se cometer a tentação da continuidade infinita dos cargos directivos. É sempre bom que haja rejuvenescimento e sangue novo nas associações. Isto está a tomar-nos os dias e entra na nossa vida pessoal. As nossas famílias ajudam mas esta missão não poderá ser eterna, porque isto dói bastante. Tive medo quando avancei para presidente. O endividamento da instituição assusta há muitos anos e as dificuldades que temos encontrado têm sido muitas. Nunca poderemos caminhar sozinhos. A ABEI sobreviveu estes últimos anos graças ao contributo dos seus colaboradores. Graças a eles durmo melhor de noite.

Têm sentido o apoio da comunidade e dos poderes locais?

Sim e acredito que vamos conseguir dar a volta a esta situação. O maior inimigo das associações do sector social é andarem de costas voltadas. Falta disponibilidade para se sentarem à mesa e discutir projectos. Se os financiamentos fossem valorizados pela ligação entre instituições era mais fácil. Nas associações do concelho há muita dificuldade em congregar tempo e espaço porque todos os dias há compromissos e desafios. Mas a responsabilidade nunca pode morrer solteira. A ABEI fez investimentos em que se houvesse documentos orientadores provavelmente não os teria feito. Ninguém tem dúvidas que as casas de acolhimento e a unidade de saúde podiam ter sido pensadas de outra forma.

Na cidade há outra associação do sector social a passar por grandes dificuldades, o Centro de Bem-Estar Infantil (CBEI). Não faria sentido fundir as duas colectividades?

Seria interessante. Mas para que isso acontecesse a ABEI tem de tornar-se mais atractiva, porque ter um endividamento desta natureza afasta potenciais parcerias e deixa de fazer sentido. Somos uma instituição que está a tentar renascer das cinzas e a reestruturar as suas dívidas. Não queremos ser parceiros de alguém quando ainda estamos fragilizados e a lamber as feridas. A ABEI não é uma instituição moribunda apesar de financeiramente estar completamente deficitária.

O associativismo tem pernas para andar ou tem os dias contados?

O associativismo aprende-se mas tem de se sentir. Não se pode começar a senti-lo apenas quando temos filhos e precisamos das associações. Temos de incutir esse gosto nos jovens. Enquanto houver associações de jovens que servem apenas para fazer viagens de finalistas e não se promover o gosto pelo associativismo não temos futuro.

A profissionalização é o caminho?

É urgente a profissionalização dos órgãos de gestão destas IPSS. Quando há organizações que adquirem um endividamento enorme quem passa a ser responsável? São as pessoas voluntárias que tentam fazer o melhor possível? Não pode ser. Tem de haver uma responsabilização e isso só vai acontecer assim que haja uma profissionalização. Existem pessoas mais bem preparadas para fazer o trabalho que lhes é exigido mas não estão nas associações. E se não tenho essas pessoas para serem voluntárias terei de subcontratar serviços pagos a peso de ouro de consultadoria para nos ajudar.

Ligado à ABEI desde bebé

Miguel Branco é de Vila Franca de Xira, tem 40 anos e é director da parte educacional da ABEI. Entrou na instituição pela primeira vez aos três meses e fez todo o seu percurso na associação até à quarta classe. Mais tarde entrou como monitor das actividades de tempos livres quando a ABEI desenvolveu acções comunitárias no bairro de Povos.

Fora da instituição tem um projecto de investigação ligado à Escola Superior de Educação de Lisboa. Integra a comissão alargada da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Vila Franca de Xira e joga hóquei em patins na equipa de veteranos do Vilafranquense.

“Felizmente vejo gente nova a querer começar negócios e até o presidente da junta é um homem novo e qualificado. VFX precisa de mostrar que está activa, que tem caminho para andar e a ABEI pode fazer parte dessa ligação e dar dinamismo visível e ajudar a renovar a cidade”, defende. Considera que os vilafranquenses não se podem esquecer que a cidade é muito mais do que o centro histórico e que Bom Retiro e Povos devem ser acarinhados. Miguel é uma pessoa discreta, que não gosta de aparecer, e espera apenas deixar trabalho feito na liderança da instituição que permita aos sucessores manter o rumo de recuperação.

Leitor assíduo de O MIRANTE, elege o trabalho do jornal considerando-o o expoente máximo do jornalismo regional. “Pela dimensão que tem e as parcerias que estabelece, o MIRANTE é claramente uma referência, sendo que além do jornal tem também a publicação de livros. Por isso é muito importante e faz a diferença”, elogia.

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