Entrevista | 05-05-2021 15:00

O último dinossauro das autarquias gostaria de ver os colegas com mais acção e menos conversa

O último dinossauro das autarquias gostaria de ver os colegas com mais acção e menos conversa
ENTREVISTA COMPLETA
O presidente da Câmara da Golegã, Veiga Maltez, garante que, se vencer as próximas eleições, vai ser o último mandato

José Veiga Maltez, presidente da Câmara da Golegã, considera-se um autarca diferente e em nome dos seus munícipes recusou pertencer à Águas do Ribatejo, tem as contas em dia com a Resitejo e diz que é uma leviandade os municípios estarem a dever a um sistema imprescindível do qual eles são accionistas, e não quer empresas municipais porque só servem para arranjar lugares para alguém.

José Veiga Maltez, além do último autarca da velha guarda, que ainda se abalança a fazer mais um mandato, é irreverente, age por conta própria, ignora a máquina partidária e será, talvez, o mais altaneiro dos autarcas do distrito de Santarém. É polémico e isso volta a comprovar-se nesta entrevista quando se prepara para ir a votos daqui por uns meses. Aos 64 anos garante que à segunda é de vez e já não vai tentar voltar à câmara depois dos quatro anos de paragem impostos pela lei de limitação de mandatos, como fez em 2013. É uma figura que não passa despercebida onde chega, que já não tem paciência para discussões, reuniões, conversas que não levam a lado algum. Antes quer ir para a ponte da Chamusca regular o trânsito que fica caótico quando dois camiões não conseguem cruzar-se ou armar-se em xerife e atravessar o carro à frente de um camião que tente circular dentro da vila, estando impedido de o fazer.

Veiga Maltez, que já esteve zangado com o PS e com o seu amigo Vítor Guia, diz que não guarda rancores, mas não esquece o que o entristece, como a falta de soluções para a colónia balnear da Nazaré, processo conduzido pelo seu colega da Chamusca, ou a falta de visão e a passividade dos autarcas que se limitam a esperar por um IC3 que anda aos trambolhões há duas décadas. Com este autarca o que se pensa à noite é para se começar a fazer de manhã. Nem que seja fazer a sua própria lei de proibir as pessoas de entrar no concelho quando aumentaram as preocupações com a Covid-19.

É o último dinossauro das autarquias que voltou à câmara depois de esgotar a limitação de mandatos. Não tem outras coisas para fazer ou não consegue desligar-se do poder?

Tenho imenso que fazer, algumas coisas que até me davam alguma satisfação. Tenho uma sociedade agrícola, por exemplo, que gostava de partilhar mais com o meu irmão. O amor, a ternura e a paixão pela terra faz-me continuar. Já estive quatro anos afastado da gestão autárquica e apercebi-me de determinadas coisas.

Não há alternativas na Golegã?

Gostaria que a minha programação, a nossa programação e estratégia tivesse alguma continuidade. Não basta apenas fazer, é preciso manter, preservar e melhorar.

Quer um substituto à sua imagem…

Quero um presidente que respeite objectivos, aspirações, necessidades e que tem de mobilizar a acção individual e colectiva. Gostava, sobretudo, que fosse alguém que fizesse o concelho progredir.

Porque é que colocou o vereador independente Pedro Terré na lista do PS para a assembleia municipal?

O vereador foi meu concorrente a presidente de câmara por um movimento independente e teve uma atitude muito coerente e correcta em prol do concelho, que se abstinha ou votava contra quando entendia que o tinha de fazer. Compreendeu a nossa forma de estar perante o concelho e fazia sentido estar connosco num órgão que é fiscalizador da câmara. É mais ético.

Anda sempre muito ocupado, em múltiplas actividades. Quem é que afinal manda na câmara?

Para mim a câmara é um órgão colegial e jogamos em equipa, mas o último a mandar é o presidente. Não dispenso ninguém do meu executivo.

Que ideia tem dos seus colegas autarcas perante o que não tem sido feito, atendendo às potencialidades desta região?

Sou diferente deles. A minha forma de estar é diferente da deles. Por exemplo, não passam camiões, que não sejam de residentes, agrícolas ou que precisam de abastecer as empresas, por dentro da Golegã. Mas por Almeirim, Alpiarça, Chamusca passam muitos camiões entre paredes, com perigo para a segurança dos cidadãos. Não estou à espera que o Governo me venha fazer as coisas. Será que é preciso fazer o IC3? Isso é uma megalomania. Há que fazer circulares urbanas e cumprimento o presidente da Câmara de Almeirim pelo que está a fazer.

A região carece de um autarca líder que una as vontades e os interesses colectivos?

Falta uma região e um presidente para a região, que não existe. Por exemplo, no Projecto Tejo de regadio ainda não ouvi a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo dizer alguma coisa sobre o assunto. Há falta de estratégia na região e disso não tenho dúvida alguma.

“não tenho paciência para grandes retóricas que levam a nada”

Há uns meses houve uma conferência na Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, da qual faz parte a Golegã, por causa do distrito ter ficado de fora do plano de investimentos do Governo. O presidente apareceu no final, deu a sua posição em poucos minutos e foi-se embora. Já perdeu a paciência?

Perde-se muito tempo em grandes conversas e muitas vezes esquecem-se do que é prioritário e das necessidades. É como arranjarem comissões para tratarem de determinado assunto e que não resolvem nada. Vou tendo paciência, não tenho é paciência para grandes retóricas que levam a nada. Digo o que tenho a dizer e se quiserem aproveitar fico contente.

Os seus colegas autarcas devem vê-lo como o presidente desalinhado.

Sou menos desalinhado do que pensam. Por isso é que chego, ouço, faço a minha análise e dou as minhas conclusões.

Como é que se ganham eleições na Golegã?

Habituámos os nossos munícipes a serem exigentes. O eleitor quando vota num mau político, num mau autarca, é cúmplice do que ele vai fazer. Se se faz bem o eleitor apoia, mas tem de se trabalhar, não se pode adormecer à sombra do que se fez. Na Golegã está praticamente tudo feito.

Águas do Ribatejo? Não obrigado!

Quem vier a seguir só tem de fazer a gestão corrente, é isso?

Mas isso já é difícil. Manter, preservar e melhorar não é tão fácil quanto se pensa. A diferença passará pela atitude, pelo tal que quer proteger os seus munícipes. Uma das grandes obras deste mandato é termos um serviço de águas próprio. A filosofia dos antecessores era aderirem à Águas do Ribatejo. Todo o sistema foi degradado porque a ideia era ir para a empresa intermunicipal. Agora veja-se a agilidade das decisões e os preços do abastecimento de água e de saneamento.

Ainda há alguma coisa para fazer na Golegã?

Há a reabilitação do cine-teatro. Já estão os contentores no local para iniciar a obra, mas ainda estamos à espera do Tribunal de Contas, que é uma coisa que me angustia. Como médico quando alguém tem uma crise aguda temos de a tratar imediatamente. Tenho a mania de ver as coisas feitas, de ser rápido. Penso nas coisas à noite e faço-as de manhã. Ainda há obras para fazer no parque escolar.

Já enterrou as divergências com Vítor Guia, que foi presidente da Junta de Azinhaga, seu vice-presidente na câmara e agora volta a concorrer à junta pelo PS?

Tivemos sempre uma grande consideração e respeito um pelo outro. Tivemos diferenças de ideias em determinado número de situações. Tenho uma memória fraca para as coisas negativas da vida. Lembro-me melhor dos factos positivos. Não somos de amuar e percebemos que temos um projecto comum para o concelho. Temos é de pensar no valor que podemos aditar em prol do concelho. E o mais importante é que não temos falsidades, não temos atitudes cínicas.

Como é que comenta o caso do deputado António Gameiro, que era candidato pelo seu partido em Ourém e que teve de a retirar por ser suspeito num caso de corrupção?

Não faço parte da máquina, não sou sofredor pelo que se passa com a máquina partidária. O que conheço dele é quando ele era presidente da Federação Distrital do PS. Não podemos ficar reféns de uma má atitude de uma pessoa que é conhecida. Não sou julgador dos outros, mas o político tem de ser referência.

Um político ser referência parece ser uma coisa cada vez menos frequente.

Isso entristece-me. Os cargos são para serem prestigiados e não são os cargos que fazem as pessoas, mas o contrário.

A ponte da Chamusca tem solução se olharem bem para ela

A ponte entre a Golegã e a Chamusca é um caso paradigmático de entrave ao desenvolvimento. Nem sequer os semáforos conseguem pôr a funcionar.

Fala-se muito, apenas. Talvez por não haver um presidente de uma região que defenda os interesses. A ponte é um fenómeno de engenharia que não está a ser apreciado como devido. Estreitaram a ponte com umas guardas para proteger os arcos. Só tinham de proteger no sítio do arco e ter outras atenções. No fundo foi uma acção de engenharia que não beneficiou a ponte, nem o trânsito.

Além de médico parece que também é entendido em engenharia…

Para ver como são os técnicos, os qualificados e os que não o são, conto-lhe uma história. Quando cheguei à câmara em 1998 havia um problema de nitratos na água para consumo e era necessário fazer uma conduta de cerca de oito quilómetros. A câmara nem tinha divisão de obras. O Gabinete de Apoio Técnico de Torres Novas fez o projecto. Houve uma reunião para me apresentarem o projecto e diziam que iam abrir o dique para passar a conduta. Perguntei-lhes porque é que iam descompactar um dique, feito há meio século, se podiam atravessar a ponte do Almonda e virando-a para o campo para seguir pela estrada municipal. Acabaram por me dar razão.

Então tem de dar umas dicas aos engenheiros da Infraestruturas de Portugal…

Estou certo de que a situação da ponte da Chamusca tem resolução, têm é de olhar bem para o problema. Quanto aos semáforos, quando vejo que a situação está um caos com camiões que não conseguem cruzar, vou lá eu regular o trânsito. Ainda há umas semanas andei a mandar recuar viaturas e a ajudar a fazer manobras, senão o trânsito ficava parado pelo menos uma hora.

Colónia Balnear da Nazaré. Fazem-se visitas e uns mandam bitaites

O arrastar da solução para a Colónia Balnear da Nazaré, através da associação de municípios liderada pelo seu vizinho da Chamusca, é o mais gritante em termos de incapacidades. Não acha?

Não tem resolução. Assim não se vai lá. Tem de se pegar o touro de frente e de outra maneira. Só vou às reuniões sobre a colónia porque fazem uma reunião da comunidade intermunicipal na Nazaré e metem sempre o tema da colónia ao barulho. Faz-se uma visita ao local e alguns mandam uns bitaites.

O que é que Veiga Maltez recomendaria ou faria com a colónia?

Aquilo tem de ser atacado com cabeça, tronco e membros. Não é com reuniões que se resolve alguma coisa. É pensar, preparar e apresentar o projecto de recuperação. Não sei se não será melhor fazer uma parceria com alguém que saiba do negócio de alojamento e assegurar o acesso à população do distrito. Os empresários do turismo e dos hotéis é que percebem do assunto, não são as câmaras.

Já está chateado com o caso.

Eu não demorava tempo. Não haver soluções angustia-me. Não me meto em coisas em que não vejo a luz ao fundo do túnel e neste momento o que me interessa é que a Câmara da Golegã tem uma quota na associação e se alienarem o imóvel quero que o município seja ressarcido.

Porque é que o município nunca criou uma empresa municipal?

Não tenho nem quero. As empresas municipais servem para arranjar lugares a alguns e para outras manobras. Para que é que me serve uma empresa de águas, por exemplo, se os pagamentos entram directamente na tesouraria da câmara?

A leviandade de deverem dinheiro à Resitejo

O que diz das câmaras que devem muito dinheiro ao sistema de tratamento de resíduos, do qual as próprias são accionistas?

Devo ser o único município que não deve à Resitejo pela deposição e tratamento dos lixos. Há municípios com grandes responsabilidades na situação, no alheamento do pagamento. Não há uma razão para se ficar a dever se são cobradas as taxas aos munícipes. A continuar o atraso nos pagamentos nem imagino o que isso pode implicar em termos de serviço.

É uma irresponsabilidade?

Não lhe quero chamar isso. É uma leviandade. E são muitos os responsáveis. Já fui presidente da Resitejo e o melhor seria haver um conselho de administração contratado que fizesse cumprir objectivos.

Já tive uma má experiência com a escolha do meu sucessor

Se for eleito para o último mandato desta segunda fase como autarca vai-se embora definitivamente daqui por quatro anos?

Tudo tem um tempo. Daqui por quatro anos tenho 68 anos e gostaria de ter mais tempo para mim e gostaria de estar mais tranquilo e como espectador.

Vai conseguir desligar-se?

Tenho mesmo que sair. Sou eu que o estou a impor a mim próprio.

Quando sair e achar que o executivo que lhe suceder não está a fazer as coisas como gostaria vai meter a colher?

Não! Estive quatro anos como presidente da assembleia municipal e nunca meti a colher nas decisões do executivo da câmara. Como presidente da assembleia nunca quis emperrar as coisas, até para não dizerem que fui eu que não deixei fazer determinada coisa.

Mas vai tentar escolher o candidato que o vai substituir.

Não vou. Já tive uma má experiência com isso. Os erros fazem-nos aprender. As pessoas quando estão ao nosso lado têm uma atitude e depois têm outra. Não vou escolher. Não quero ser refém.

Em 2025 como vai ficar a Golegã?

Se as circunstâncias o permitirem vai estar melhor. Estou seguro disso. Sou ambicioso nos objectivos e nas metas. Já somos referência para outros, mas quero que sejamos ainda mais.

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