Entrevista | 28-07-2021 12:00

Miguel Baptista é um talento do andebol da região

Miguel Baptista é um talento do andebol da região
Miguel Baptista, natural de Muge, é um dos grandes talentos do andebol da região e já representou três vezes a selecção nacional

Ambição e princípios fazem de Miguel Baptista a maior referência do andebol da região. Aos 25 anos defendeu a camisola do Futebol Clube do Porto durante quase uma década e rumou ao estrangeiro para representar clubes em França e Espanha.

Considera que o ponto alto da sua carreira foi a chamada à selecção nacional e diz que não quer ficar por aqui. Em entrevista a O MIRANTE não desvenda o futuro próximo, embora assuma que vai dar um passo em frente na carreira. A família é o seu porto seguro e o amor que sente pela terra natal, Muge, concelho de Salvaterra de Magos, está literalmente tatuado na pele. Uma conversa sobre talento, trabalho, sacrifício e resiliência, os atributos que considera fundamentais para o alto rendimento.

Quando é que o andebol apareceu na sua vida?

Aconteceu por mero acaso e devido à insistência do meu pai, Álvaro. Comecei nas actividades extracurriculares da escola, em Muge. Por volta dos 7 anos quis ir atrás dos meus amigos e começar a jogar futebol, mas como já era muito alto e canhoto, duas características muito apreciadas no andebol, experimentei um treino no Clube de Andebol de Salvaterra (CAS) e uns meses depois já estava federado.

Nunca sentiu vontade de mudar de modalidade?

Houve uma altura, por volta dos 11 anos, que praticava natação e jogava basquetebol. Quis integrar uma equipa de basquetebol, mas a única que existia aqui perto era a de Santarém. Gostava de ter experimentado, mas sabendo o que sei hoje, ainda bem que não o fiz porque o andebol é a minha verdadeira paixão.

O CAS foi onde tudo começou. Ainda se sente ligado ao clube?

Tenho muita ligação ao CAS, principalmente por ter sido o único clube onde, até hoje, conquistei um título de campeão nacional. Já andei por muitos lados, mas não há nada como o sentimento que temos pelo clube que nos formou.

Tem orgulho nas suas origens?

Não existe nada de que tenha mais orgulho. Inclusive tatuei o nome de Muge no braço porque é a minha terra e onde volto sempre que posso. Saí de casa aos 15 anos para ir para um projecto de alto rendimento da Federação de Andebol de Portugal (FAP), ao mesmo tempo que rumei ao norte para jogar pelo Futebol Clube do Porto. Demorei três anos a assinar o primeiro contrato profissional e só no início deste ano, cerca de sete anos depois, me desvinculei do clube.

Ponderam dar o seu nome ao pavilhão de Muge. Sente-se vaidoso?

Vou ser muito sincero: claro que gostava que isso acontecesse, mas não por uma questão de ego pessoal. Muge é a terra que amo e só de pensar que posso ter o pavilhão, onde tudo começou, com o meu nome, fico arrepiado.

A família é um apoio essencial?

Sem dúvida, também pelo facto de terem estado sempre ligados ao desporto. A minha irmã mais velha, Catarina, jogou andebol e o meu pai foi atleta de basquetebol e futebol. Para chegar ao topo um atleta precisa de bases e de sentir que não está sozinho. Ao longo dos anos têm percorrido muitos quilómetros só para me ver jogar.

Como foi sair debaixo das asas dos pais?

Foi muito duro, mas é uma experiência que aconselho a todos os jovens que queiram sair da zona de conforto. Durante três anos, enquanto menor de idade, vivi na casa de uma senhora idosa com outros amigos. Assim que completei 18 anos entrei para a universidade e decidi viver sozinho. Lidei bem com a distância porque vinha a casa uma vez por mês e ligavam-me duas ou três vezes por dia.

“PRECISO DE ACREDITAR MAIS NAS MINHAS CAPACIDADES”

Considera que a sua vida pessoal é afectada pelo alto rendimento?

Tenho a certeza que sim, mas prefiro pensar apenas nos pontos positivos. Tenho grandes amigos por causa do desporto, entrei com mais facilidade para a universidade, viajei muito e já fui chamado à selecção principal.

Quer dizer que os sacrifícios não são uma dor de cabeça?

Moldei a minha personalidade acreditando e trabalhando para um propósito: ser jogador de andebol profissional. Quando se quer muito uma coisa, aquilo a que se chama de sacrifícios, como não sair à noite, faltar a aniversários, deitar sempre cedo, estar longe da família, tornam-se apenas num meio para atingir um fim. Vivo muito bem com isso!

Tem tempo para relações amorosas?

É muito complicado. Tive um relacionamento de vários anos com uma jogadora de andebol profissional, mas nenhum de nós quis abdicar dos sonhos individuais para começar uma vida a dois. Terminar uma relação é sempre difícil e triste, mas há decisões que têm de ser tomadas custe o que custar.

Como gere as suas expectativas e as que os outros têm sobre si?

Não costumo ligar muito à opinião que os outros têm, a não ser que as críticas sejam construtivas e perceba que vão acrescentar valor ao meu trabalho. Onde ainda falho é na gestão das minhas próprias expectativas. Sinto que não acredito em mim o suficiente apesar de saber que tenho competências suficientes para chegar mais longe. Está na altura de procurar um apoio especializado para desenvolver mais as minhas competências psicológicas.

“VIVER NO ESTRANGEIRO FOI UMA ESCOLA DE VIDA”

O que é que o FC Porto significa para si?

Foi aí que conheci um treinador, Carlos Martinho, que é um segundo pai. É por causa dele que hoje jogo a este nível e cheguei à selecção nacional. Os amigos que lá deixei também deixam muita saudade. Não falamos todos os dias, há meses que não os vejo, mas tenho a certeza que vão ficar para a vida.

Porque saiu?

Foram muitos anos e não estava a ter espaço na equipa principal. Não posso revelar para já o que vai ser o meu futuro, mas vou continuar ligado a um grande clube em Portugal. Por vezes temos de abraçar novos projectos para avaliarmos o nosso potencial. Sei que vou dar um passo em frente na carreira.

Por falar em projectos diferentes, como foi a experiência no estrangeiro?

Em 2017 joguei uma época em França, mas regressei porque aconteceram alguns problemas familiares e senti que a minha família precisava de mim por perto. Estive cá um ano a jogar pelo Braga e, quando as coisas estabilizaram, rumei a Espanha onde estive dois anos.

Sentiu o choque de culturas?

No meu ano em França tive muita sorte porque a minha tia vive em Paris e o clube estava a cerca de uma hora da cidade. O facto de ter três colegas de equipa portugueses também ajudou. As grandes diferenças foram ao nível da qualidade dos métodos de treino, dos equipamentos e do rigor com que encaram a alta performance. Em Portugal há uma postura mais descontraída onde não é necessário fazer tantos sacrifícios. Viver no estrangeiro foi uma escola de vida.

O andebol é um desporto que paga bem?

Sim, mas em Portugal não. Em França, por exemplo, na segunda liga os estádios estavam sempre cheios e as pessoas não se importam de dar 20 ou 30 euros por um bilhete. Aqui anda sempre tudo à caça dos bilhetes de borla e esquecem-se que os clubes precisam de receitas para continuarem a formar jovens.

A selecção nacional é um sonho realizado?

É, mas ainda há mais etapas por conquistar. Tenho três internacionalizações na selecção sénior principal, fiz um golo, mas quero muito mais!

Um atleta não pode perder a fome de vencer, é isso?

Quando vences uma etapa, no outro dia levas com a realidade novamente em cima revelando que és só mais um atleta que tem de continuar a trabalhar para não ser colocado de parte. O grande atleta não pensa em estrelatos nem tem tempo para festejar conquistas. Tem de ser resiliente e não achar que só o talento chega.

O futuro passa por Muge

Miguel Baptista nunca foi um aluno de notas altas sobretudo porque não prestava atenção nas aulas. Quando foi, aos 15 anos, para o Porto teve algumas melhorias, principalmente por sentir obrigação de não desiludir os pais. Entrou na faculdade para tirar a licenciatura em Engenharias de Redes e Sistemas Informáticos; como se aventurou no estrangeiro teve de interromper os estudos, mas agora afirma querer voltar a estudar embora noutra área. “Vou tirar o curso de Gestão de Empresas porque sei que assim que deixar de ser jogador profissional não vou continuar ligado à modalidade. Um dos meus grandes objectivos é trazer alguns negócios para Muge. Inicialmente quero montar um bar/taberna e uma barbearia tradicional. Muge tem um potencial enorme porque fica perto de Santarém, Almeirim, Salvaterra e Benavente. Só precisa de pessoas que acreditem nela”, sublinha.

Questionário de Proust

Qual é a característica que menos gosta em si?

Sou demasiado guloso. Se não fosse andebolista era lutador de sumo certamente (risos).

Qual a pessoa que mais admira?

Os meus pais e a minha irmã.

Em que ocasiões mente?

Quando é necessário e para não magoar os sentimentos da outra pessoa.

Que talento gostaria de ter?

Gostava de saber cantar porque gosto de música e também acho que era um atributo que cai bem no sexo feminino (risos).

O que mais valoriza nos seus amigos?

A lealdade.

Quem é o seu artista favorito?

Ray Charles, o pioneiro e cantor de música soul, blues, jazz.

Qual é o livro da sua vida?

Infelizmente não cultivo muito a literatura, mas comecei agora a ler um livro sobre a história da bossa nova e estou a adorar.

Qual é o seu maior arrependimento?

Não ter dito a algumas pessoas o que sentia por pensar que ia estar para sempre com elas, o que acabou por não acontecer.

Qual considera ser a sua maior conquista?

Saber que os meus pais estão orgulhosos pelo homem que me tornei e por ter seguido escrupulosamente os conselhos e os valores que me ensinaram durante o crescimento.

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