Entrevista | 25-08-2021 10:00

Fátima deveria ser concelho para Ourém se concentrar mais nas freguesias

Fátima deveria ser concelho para Ourém se concentrar mais nas freguesias
Mário Albuquerque foi presidente da Câmara de Ourém durante 13 anos

Mário Albuquerque foi presidente da Câmara de Ourém durante 13 anos.

Mário Albuquerque saiu da Câmara de Ourém para ser deputado mas, apesar de não se lamentar com a falta de acção na Assembleia da República, diz que um autarca tem mais liberdade do que um deputado, que está condicionado à estratégia do partido. Foi um dos fundadores do Centro de Reabilitação e Integração de Ourém, que dirige desde quase sempre porque não há interessados em investir tempo no associativismo. É pai do actual presidente do município, Luís Albuquerque, a quem aconselhou que apostasse na proximidade com as pessoas mostrando-se surpreendido com a evolução do primogénito.

Ocupou todos os cargos no poder local em Ourém. Foi também deputado e governador civil. Do que é que mais gostou?

Presidente de Câmara de Ourém. Foi um cargo que me realizou, sempre gostei de trabalhar para a causa pública e para o bem-estar das pessoas. Essa sempre foi a minha vocação.

O que é que o cargo de presidente de câmara lhe deu?

Foi o cargo que, para além de outros que desempenhei e que procurei fazer o melhor possível, mais me recompensou do ponto de vista pessoal. Deixei algumas obras relevantes para o concelho e sinto orgulho.

Quais as obras que mais o marcaram?

Desde as infra-estruturas mais básicas até às escolas onde, por deformação profissional, dediquei muito tempo. Consegui trazer, pela primeira vez, escolas secundárias para o concelho para além da cidade de Ourém. Foi a descentralização do ensino e também do concelho. Passou a haver um tipo de resposta mais adequada, para alunos e também para os seus pais.

Sempre quis ser presidente de câmara?

Nunca tive intenções de ser presidente de câmara. Aconteceu por acaso. Até 1974 percebia muito pouco de política. Nunca fui um revolucionário, embora entendesse que havia necessidade de mudar. Fui sempre uma pessoa pacata, colaborei com toda a gente. Vivia com algumas dificuldades naquela altura e não tinha tempo para a luta política correndo o risco de ser exilado sem recursos financeiros. Sempre tive os pés assentes na terra.

Como surgiu a possibilidade de ser presidente da câmara?

Era delegado escolar do concelho e um dia bateram-me à porta a perguntar se estava interessado em participar na acção política do concelho. Respondi que nunca tinha pensado nisso, mas que ia reflectir no assunto. Aceitei e em pouco tempo surgiu o convite para ser candidato à presidência da câmara. Foi um susto tremendo quando venci.

Porquê?

Não sabia nada de política e muito pouco sobre administração municipal. Quando não sabemos temos que nos encostar às pessoas que sabem. Foi o que fiz. Juntei-me às pessoas mais experientes e tive a humildade de pedir ajuda e perguntar como se faz para evitar fazer asneira e corresponder às expectativas que as pessoas depositaram em mim e na minha equipa.

Como foi ser autarca nos anos 80 e 90 do século passado?

Foi numa altura em que apareceram os fundos comunitários. Não dormíamos para conseguir captar apoios que permitissem desenvolver o concelho. Só conseguimos fazer crescer o concelho de Ourém com o apoio dos fundos comunitários porque os municípios não tinham recursos suficientes para fazer face a tão grandes carências. Ourém era dos concelhos mais atrasados do distrito de Santarém. Apenas 60% do concelho tinha electricidade. Saneamento básico nem vê-lo. Água só na sede do concelho e na freguesia de Fátima. Estradas por alcatroar. Estava tudo por fazer.

Qual foi o segredo para estar tantos anos na presidência?

Humildade, proximidade às populações, muito diálogo. Quando as pessoas acreditam em nós e quando conseguimos entrar no coração estamos suportados pela população. Não houve estabelecimento em que não tivesse entrado. É o conselho que dou aos meus filhos.

Fátima deveria ser concelho?

Fui dos que lutei por isso. Foi votado por unanimidade na Assembleia da República. Só o Presidente da República, Jorge Sampaio, é que vetou, entendeu que não havia condições para que Fátima fosse concelho, mas tinha tudo para dar certo.

O que é que Fátima e Ourém ganhariam em separar-se?

Dava autonomia a Fátima, que é uma terra muito grande e continua a crescer muito. Tem um futuro enorme. Ourém ficava mais livre para tratar do resto do concelho de outra forma que não consegue porque Fátima absorve muito. Mas defendo que teriam que manter sempre a ligação histórica.

O animal político, as nódoas na camisa e a falsa descentralização

Como foi a experiência de deputado à Assembleia da República?

Foi interessante, mas estamos sempre condicionados à estratégia do partido. Fazemos o que nos pedem. Há mais liberdade enquanto presidente de câmara. Ser deputado é mais um que passa por lá e faz o que pode.

Sente falta do exercício do poder?

Não tenho saudades. É uma questão de mentalidade. Sinto-me feliz porque sou reconhecido pelas pessoas. Tenho alguma obra feita no concelho que bastante me regozija. Tudo tem o seu tempo e sinto-me estimado pela comunidade.

Gostava das confusões das campanhas eleitorais para as autárquicas?

Sempre fui um animal político (risos). Ia a todo o lado. Agora faz-se tudo através das redes sociais, o que é um erro porque não há nada mais importante do que a proximidade. Andar no terreno, falar com as pessoas e perceber o que elas sentem e o que precisam.

Participava nos petiscos durante as campanhas?

Participava em tudo e não fugia a comer o tradicional porco no espeto ou sardinhas. Chegava a casa com nódoas na camisa porque as pessoas me batiam com as mãos engorduradas nas costas. (risos)

Que conselho deu ao seu filho quando ele se candidatou à Câmara de Ourém?

Nunca o aconselhei a ir para a câmara porque não é fácil. Foi matéria que nunca abordei em casa. As coisas têm corrido bem e tem sido uma surpresa muito grande para mim. Pensava que não seria capaz de fazer tanto. Está menos tímido e tem feito coisas boas. É muito responsável e sério. Não o via com perfil para ser presidente de câmara e estou orgulhoso dele.

Quando ele venceu o que lhe disse?

Não te esqueças da proximidade às pessoas e ele tem feito isso.

Concorda com a extinção do cargo de governador civil?

Foi a minha grande divergência com o então ministro Miguel Relvas. Conheço-o desde miúdo e somos amigos, mas temos grande divergência sobre o assunto. O governador civil era um congregador, que levava ao Governo as principais preocupações do distrito, as coisas mais importantes para o desenvolvimento e bem-estar das pessoas.

Como vê a intenção das comunidades intermunicipais do Médio Tejo, Lezíria do Tejo e Oeste de se unirem?

Percebo que se queiram livrar do centralismo de Lisboa e concordo porque Lisboa absorve tudo. Apesar do que querem fazer parecer, não há descentralização e o distrito de Santarém está partido ao meio.

Perdeu com o PS e foi presidente com o PSD durante 13 anos

Mário Albuquerque nasceu a 19 de Novembro de 1940 em Alburitel, concelho de Ourém. É professor aposentado e foi presidente da Câmara de Ourém durante 13 anos, até 1995, quando saiu para ser deputado na Assembleia da República. Confessa que o facto de ter que responder em tribunal por causa de um processo do município lhe arrefeceu a vontade de desempenhar a função autárquica.

“O Papa João Paulo II anunciou a sua segunda visita a Fátima com pouco tempo de antecedência. Tivemos que criar um programa de fluidez do trânsito na cidade. A avenida Beato Nuno não tinha condições para o Papa passar. Fiz um ajuste directo de uma obra que custou cerca de 40 mil contos (cerca de 200 mil euros). Uma inspecção à câmara verificou que o contrato não tinha ido ao Tribunal de Contas. Expliquei as razões, mas levaram o assunto para tribunal. Fui absolvido, mas sentar-me no banco dos réus é muito doloroso sobretudo quando é uma injustiça tremenda”, recorda.

Na primeira eleição democrática em Portugal, em 1976, concorreu às autárquicas em número dois pelo Partido Socialista. O partido perdeu e foi nessa altura que começou a amadurecer o seu posicionamento político. Identificou-se com o PSD e tornou-se militante. Já se desencantou com o partido várias vezes mas nunca deixou de ser militante.

Em 1975, juntamente com um grupo de amigos, fundou o Centro de Reabilitação e Recuperação de Ourém (CRIO) e é o presidente da instituição desde a fundação com um pequeno interregno pelo meio. Desde 2015 que a instituição tem novas instalações, num investimento de mais de dois milhões de euros, que servem 70 utentes, dos quais 38 estão internados. São 60 funcionários e um orçamento anual de um milhão e 200 mil euros. Tem-se mantido no cargo porque não aparecem interessados. “A nossa sociedade está cada vez mais distante do associativismo. São sempre os mesmos. Ser dirigente associativo é ser útil à sociedade”, afirma.

Tem dois filhos. O mais velho, Luís Albuquerque, é o actual presidente da Câmara de Ourém. Tem quatro netos, todos rapazes, que passam muito tempo consigo e com a esposa, com quem está casado há 56 anos. Gosta de conversar com eles e perceber o que pensam os mais novos. Não pensa no envelhecimento e diz sentir-se bem com a sua idade.

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