Fantasias sexuais ajudam a melhorar relações dos casais
Rita Torres, terapeuta sexual, considera que falar de sexualidade ainda é tabu e que só existe uma forma de contrariar essa tendência; apostar na comunicação.
Em entrevista a O MIRANTE, a psicóloga, natural de Santarém, aborda vários temas, nomeadamente o papel da educação sexual nas escolas, o consumo de pornografia e a importância das fantasias sexuais para tornar as relações entre casais mais picantes.
Rita Torres é psicóloga clínica e terapeuta sexual com consultório em Santarém. A terapeuta abriu as portas do seu gabinete a O MIRANTE para falar sobre sexualidade, relações entre casais, consumo de pornografia, importância da educação sexual nas escolas, entre outros assuntos. A entrevista foi realizada no âmbito do Dia Internacional do Fetiche, que se assinala a 21 de Janeiro.
Rita Torres afirma que durante muito tempo as fantasias ou comportamentos sexuais foram estigmatizados e considerados como patologias ou perversões. Embora ainda haja muito por fazer, a terapeuta considera que a sociedade já evoluiu bastante e que já aceita de mente aberta que a sexualidade humana é muito diversificada. O fetiche, por exemplo, é uma “parafilia” que proporciona satisfação sexual, se for praticado com respeito pelos intervenientes e se não envolver lesões ou sofrimento psicológico, explica. “Só nestes casos podemos falar de perturbações parafílicas. As intervenções nas perturbações parafílicas são uma combinação entre psicoterapia e intervenção psicofarmacológica”, refere.
A terapeuta não tem dúvidas ao afirmar que as fantasias podem estimular ou melhorar a relação de um casal. Para isso é preciso alinhar desejos e práticas de forma a ser consensual. “O campo da fantasia é privado, mas às vezes é preciso pedir apoio para negociar a vivência destes comportamentos. Mas sem dúvida que podem trazer um novo fôlego à relação, tornando-a mais excitante”, salienta, acrescentando que a mesma negociação pode ser utilizada para relações fora da realidade do casal, a solo ou com terceiras pessoas. “Nem sempre é fácil chegar a esta negociação, mas é importante que haja consenso e consentimento. No entanto, importa referir que falar de sexualidade ainda é tabu e tem associado sentimentos de vergonha e culpa”, vinca.
PORNOGRAFIA É USADA PARA JUSTIFICAR OUTROS PROBLEMAS
A prática de fantasias de forma descontrolada pode originar desvios sexuais graves, como a pedofilia, por exemplo?
A pedofilia é uma perturbação parafílica em que existe uma preferência por crianças pré-púberes. Nem sempre se transforma em comportamento sexual e existem pessoas com este desvio que nunca o colocaram em prática. O abuso sexual de crianças é totalmente diferente e acontece muito mais frequentemente do que a pedofilia. Neste caso, os abusos são perpetrados por alguém que não tem uma preferência por crianças mas quer demonstrar poder sobre ela. Por isso é que acontece mais vezes no seio familiar. O abuso é, na maior parte dos casos, caracterizado por crenças e comportamentos associados a uma masculinidade tóxica.
A pornografia torna as pessoas violentas?
A pornografia tem sido usada para expiar vários outros problemas. A ciência não corrobora que haja uma associação entre pornografia e problemas sexuais, saúde mental ou dificuldades conjugais. Por vezes, pode até ser um estímulo adicional para melhorar a relação do casal. É importante referir que existem vários tipos de pornografia, sendo a mais convencional pouco focada no prazer feminino e nada realista.
A educação sexual nas escolas é fundamental?
A legislação prevê a educação sexual nas escolas desde 1984. A última actualização define os conteúdos da educação sexual para cada ciclo do ensino básico e secundário. Esta lei enquadra a educação sexual no âmbito da saúde. Infelizmente, esta legislação nem sempre tem sido aplicada da melhor maneira.
A educação sexual ajuda a prevenir comportamentos indesejáveis?
Claro, porque ela deve incidir na promoção de relações amorosas e sexuais saudáveis, desenvolvendo competências de comunicação e consentimento. Para além disso, os jovens devem ser estimulados a discutir sobre outros assuntos, nomeadamente a igualdade de género, violência no namoro e nas relações, a importância do prazer sexual, a orientação sexual e as questões de género.
Quais são as principais causas para o afastamento de um casal?
Falando de casais heterossexuais, sensivelmente desde os anos 70 do século passado, com a entrada da mulher no mercado laboral, as relações passaram a ser mais focadas no amor, no afecto e na paixão. Digamos que “o vínculo contratual” passou a ser diferente. E para que se mantenha este amor e paixão é necessário haver muita comunicação.
Há falta de comunicação entre casais?
Muitos casais não desenvolvem essa ferramenta porque nunca foram ensinados a fazê-lo. Acham que os conflitos se resolvem sem mais nem menos, mas o que acontece é que, sem darem por isso, vão-se afastando. Também fomos educados para um ideal de amor que não existe. As relações não vão ser sempre agradáveis e apaixonantes.
Como se lida com essa inevitabilidade?
Vão existir sempre momentos difíceis, mas é claro que as condições em que o casal vive ajuda. Se a rotina é muito agitada, com muitas outras obrigações, pode ficar difícil o casal ter tempo para alimentar a relação. Uma coisa é certa, como diz a escritora Anaïs Nin, “nenhum amor morre de morte natural”.
Há muita gente a recorrer à terapia sexual?
Cada vez há mais pessoas a recorrer à terapia para resolver os seus problemas. As pessoas têm procurado mais acompanhamento, incluindo os ribatejanos. As pessoas estão mais bem informadas e têm mais sensibilidade para lidar com o assunto.
Em que situações é que pedem ajuda?
Habitualmente quando as dificuldades já se arrastam há algum tempo e quando já foram acompanhadas noutras especialidades médicas, como urologia ou ginecologia, mas sem sucesso. Em muitos casos, é necessária uma intervenção articulada com estas especialidades. Ainda assim, penso que o número de pessoas que procura ajuda não corresponde à realidade; há muita gente que precisa de orientação mas tem vergonha de pedir ajuda.
A pandemia afectou a libido das pessoas?
Muitos factores têm contribuído para a diminuição da libido nas pessoas e nos casais. Há muita gente a queixar-se porque é exaustivo gerir ao mesmo tempo o teletrabalho, a parentalidade e as tarefas domésticas. Depois, também houve muita gente que perdeu o emprego. A vivência da doença ou do medo de ficar doente também interfere com o desejo sexual. Para as pessoas que não estão num relacionamento também tem sido difícil encontrar alguém sobretudo devido às medidas restritivas e ao medo do contágio.