“A tauromaquia vai definhar até desaparecer totalmente”
Nelson Simões Batista tem 37 anos, é de Vila Franca de Xira, vive em Alverca do Ribatejo e é o único eleito do partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN) na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira. Na sua primeira entrevista a O MIRANTE diz não ser fundamentalista mas não consegue conviver com as touradas e o sacrifício animal. Por isso, é pelo fim das touradas em Vila Franca de Xira. Considera ainda que o preço das casas em Alverca é pornográfico e que o passivo ambiental da antiga Cimianto é uma bomba relógio.
Não é um contra-senso um município apresentar um regulamento de bem-estar animal e depois promover a cultura tauromáquica?
Apresentaram esse regulamento por estar na moda. É muito lindo mas se olharmos bem percebemos que está feito para chutar responsabilidades do município para cima dos moradores, por exemplo, obrigando os cuidadores das colónias de gatos a alimentá-los duas vezes por dia. Penalizar quem alimenta os animais é errado, porque se assim não for eles ficam famintos e podem atacar a comunidade. Os animais é que não deviam ser deixados ao abandono nas ruas. Deviam ser recolhidos pela câmara.
No entanto alimentar os pombos é péssimo a todos os níveis.
Há problemas mas os pombos controlam-se com falcoeiros e pombais contraceptivos. É caro e não dá votos e por causa disso não o têm feito. Chateia-me este “green-washing” que estão a fazer em Vila Franca de Xira em torno dos animais e do ambiente. Não é por se pintar as coisas de verde, plantarmos meia dúzia de árvores e metermos trotinetas no caminho ribeirinho que somos ambientalistas. Trotinetas à beira do rio é bonito mas não resolve os problemas de mobilidade. Precisávamos de bicicletas que permitissem ir do centro das cidades aos interfaces rodoferroviários.
O concelho faz bem em assentar o seu turismo na festa brava?
A tauromaquia é bacoca. O meu sonho é transformar a Palha Blanco num centro de espectáculos à séria e deixar cair as touradas em VFX. Acredito que é uma questão de décadas até a tourada se extinguir. Vai definhar até à morte da mesma forma que a escravatura. Chegou um momento em que a população disse basta. Sou de VFX e cheguei a ir ao Colete Encarnado e a touradas. A lógica das tertúlias é muito interessante e acho que deve ser mantida. Não sou fundamentalista mas não posso concordar com algo que inflige sofrimento animal.
Já foi ameaçado por defender abertamente essa ideia?
Na rua nunca fui mas pela Internet já recebi muitas bocas ameaçadoras. A câmara dar 50 mil euros para uma escola de toureio é um erro quando para os escuteiros dão pouco mais de 100 euros por ano quando eles movimentam muito mais jovens. O nosso turismo devia ser focado na natureza e não na festa brava. A maior parte das pessoas não imagina a beleza natural do estuário do Tejo nem sabe que ali existem imensas comunidades de flamingos. Há quem venha de todo o mundo para ver os pássaros no estuário, não vão para ver as touradas na praça de toiros. Não podemos comparar Vila Franca de Xira com Pamplona.
Depois de vários anos a viver em Santa Iria da Azóia mudou-se para Alverca há dois anos. Foi fácil encontrar casa?
Estudei na Secundária Gago Coutinho e sempre gostei muito de Alverca, por isso, quando me separei, decidi vir viver para cá. Não foi fácil e confesso que é pornográfico o valor que estão a pedir pelas casas no concelho, perto de 400 mil euros por um apartamento T3 nos arredores de Alverca. É incrível. Alverca é uma cidade que pode evoluir muito porque começámos pelo telhado: temos um bom parque habitacional mas não temos boas empresas que precisem de trabalho qualificado e temos de trazer esse investimento para cá.
“Ouvir pássaros é diferente de ouvir motores”
Como é frequentar a EN 10, uma das estradas da região com a envolvente mais degradada, com fábricas abandonadas, mato por cortar, oficinas…
Não é uma boa estrada. O nível da sinistralidade baixou nos últimos anos mas é por causa das filas. É impossível ter acidentes numa estrada constantemente em pára-arranca. Demorar uma hora para ir de VFX à Póvoa não é normal. Isto já é um problema supra-municipal. A A1 deveria ser a solução para o problema e já se devia ter acabado com as portagens até ao Carregado. O problema é que agora temos maiorias rosa na câmara e no Governo e ninguém se vai comprometer com nada. Apenas querem gerir a agenda para colherem frutos eleitorais.
E a ideia de transformar o troço da EN10 em Alverca em avenida urbana?
Vamos ver em concreto no que consiste. Trazer mais verde para dentro das cidades é sempre um bom princípio. Ouvir pássaros é diferente de ouvir motores. Resta saber se vão fazer isso pintando apenas as coisas de verde, para dizer que são ambientalistas, ou se realmente o projecto trará mais-valias para a comunidade. Gostava de ver a EN10 com menos carros e que os donos dos imóveis degradados fossem obrigados a manter os espaços com dignidade. Devíamos fazer como Oeiras e captar empresas de topo e mais qualificadas.
Foi feito um grande projecto de ciclovias na Quinta da Piedade na Póvoa de Santa Iria no último mandato…
Foi uma trapalhada completa que ainda não está resolvida. O que fizeram coloca em risco a segurança das pessoas. Meter uma ciclovia atrás dos estacionamentos é perigoso, nem os condutores vêem os ciclistas nem os ciclistas conseguem ver quem sai dos estacionamentos. Agora teremos de repensar tudo, refinanciar e reconstruir.
Se mandasse, travava a urbanização Vila Rio na Póvoa?
As pessoas vão mandar dinheiro à rua, investindo em casas onde o sonho que lhes vendem não será real. Em termos de engenharia aquilo poderá nunca ficar inundado, mas conviver com um dique não é agradável. Não nos podemos esquecer dos modelos matemáticos que dão conta do aumento do nível das águas nas próximas décadas. Aquele projecto é uma herança pesada que os socialistas vão deixar na cidade.
E o Vila Franca Centro? O que pensa dele?
Devíamos transformar o edifício numa grande residência de estudantes. Não conseguimos captar universidades para o concelho mas deveríamos pelo menos captar os estudantes que frequentam as universidades em Lisboa. Estão a meia hora de comboio. Se um estudante vier de comboio para VFX e pagar 200 euros por um quarto em vez dos 500 que paga em Lisboa enchíamos aquilo num ápice e todos ganhavam. Trazíamos vida para a cidade e conseguíamos revitalizar a zona. Infelizmente o mais certo é aquilo acabar por ser demolido e fazerem ali outra coisa. Temos de pensar fora da caixa. É a inovação que nos faz distinguir dos outros. Os socialistas pensam sempre da mesma maneira e depois ficam surpreendidos por que motivo não conseguimos evoluir.
Concorda com um aeroporto em Alverca?
De forma alguma. Deve ser em Beja. Alcochete e Alverca não são solução. Enquanto morador na cidade não me agrada nada ter um aeroporto aqui. Os custos são imensos e os benefícios para a comunidade são poucos. Somos um concelho que, ambientalmente, tem muito trabalho por fazer. As empresas e o emprego são importantes mas na equação tem de começar a entrar o ecossistema em que estamos. Veja-se a antiga Cimianto. Deu-se emprego a muita gente mas a que custo? O passivo ambiental ainda lá está por resolver. Eu espero que seja um problema ambiental controlado senão temos ali uma verdadeira bomba relógio que pode explodir a qualquer momento. Não tenho dados para dizer que não está controlado mas o mal está lá e tem de ser resolvido. Só que isso custa dinheiro e não dá votos. Dá mais votos construir estádios.
O sonho de dar a volta ao Mundo
Nelson Simões Batista tem 37 anos, é de Vila Franca de Xira e vive em Alverca há dois anos. Trabalha na direcção financeira de um banco e enquanto andava na faculdade teve outros empregos temporários para ajudar nas contas. Trabalhou em bares do Pavilhão Atlântico onde conseguia ouvir alguns concertos sem pagar e também passou pelo Oceanário, onde chegou a estar na bilheteira. Todos os dias vai de comboio para o trabalho, no centro de Lisboa. Em casa separa os resíduos e faz reciclagem mas confessa que não é um santo e por vezes algumas embalagens escapam. É vegetariano mas faz-lhe confusão quem defenda que se deve comer insectos. Anda de carro a gasolina por não ter dinheiro para comprar um eléctrico.
Diz sempre ter gostado da intervenção social e a primeira vez que avançou na política foi pelo movimento Nós, Cidadãos, em 2017, no vizinho concelho de Loures, onde alcançou 700 votos. Foram amigos em comum que o puxaram para o PAN. Benfiquista, tira-o do sério as injustiças e gosta de ir ao ginásio. Já fez a Volta a Portugal com o filho de oito anos e quando chegou ao cabo de Sagres prometeu dar-lhe a volta ao mundo em 30 dias. “É a minha viagem de sonho e que está prometida e é para realizar”, garante.
Ouve música onde ela estiver e dependendo do estado de espírito tanto gosta de música clássica como rock. “Por isso fiz questão de meter o meu filho num colégio de música, embora eu só tenha jeito para ouvir, não para tocar”, afirma. Depois de um dia intenso de trabalho adora comer pão. “É o meu vício secreto e gosto imenso de todos os tipos de pão”, confessa.