Para atrair médicos só com Unidades de Saúde Familiar de última geração
Novo director do Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria, Hugo Sousa, considera que um dos grandes desafios é atrair médicos e isso passa pela criação de unidades de saúde familiar de nova geração, que tem condições remuneratórias mais atractivas, e passar as de modelo A para as de modelo B.
Hugo Miguel Garcia de Sousa, enfermeiro, 42 anos, é o director executivo do Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria desde Junho, substituindo Carlos Ferreira, que foi seu professor. Gere a prestação de cuidados de saúde numa área geográfica de cerca de 3.500 quilómetros quadrados com 28 unidades funcionais e 52 pólos de atendimento, nos concelhos de Alpiarça, Almeirim, Cartaxo, Chamusca, Rio Maior, Salvaterra de Magos e Santarém. Quase cinco por cento dos utentes não são frequentadores. O novo director já fazia parte do agrupamento como enfermeiro director e membro do conselho clínico. Nesta entrevista reconhece que há muitas extensões de saúde que provocam uma grande dispersão de meios, mas diz que não é possível fechar mais unidades porque não há transportes e as pessoas precisam de assistência. Os problemas das unidades de saúde não se prendem apenas com a falta de médicos, até porque é na área dos assistentes administrativos que se sente maior carência de profissionais.
Com tanta extensão de saúde há uma maior dispersão de meios. Como é que se consegue prestar assistência às populações nestas condições? Isso implica um grande esforço por parte dos profissionais para tentarmos encontrar soluções, às vezes complexas. A nossa missão é prestar cuidados de proximidade.
Pretende fazer uma reformulação dessa rede de cuidados? Algumas extensões foram sendo encerradas ao longo dos tempos. Nesta fase já se torna complicado reduzir mais tendo em conta a dispersão, a rede de transportes públicos e uma população envelhecida com dificuldades de transporte.
Os problemas dos centros de saúde devem-se só à falta de médicos? Temos uma carência de médicos especialistas de Medicina Geral e Familiar, mas temos também falta de outros profissionais, como assistentes técnicos, ou seja administrativos, secretários clínicos, que rondam os 64% do que está definido no quadro de pessoal. Em termos de enfermagem o número de profissionais ronda os 95%.
Quantos mais médicos precisaria para a situação estabilizar? Temos 17,5% dos utentes sem médico de família atribuído. A situação tem vindo a agravar-se e estamos a desenvolver algumas estratégias para darmos assistência médica a todos os utentes do agrupamento, que são 202 mil. Temos outros licenciados em Medicina, que não têm a especialidade, e que vão dando apoio. Fizemos um reforço em algumas unidades mais necessitadas com médicos aposentados, que fazem 20 horas e uma médica que faz 10 horas semanais. Colocámos quatro médicos desses em Salvaterra de Magos, o concelho mais necessitado, um em Almeirim e dois na Chamusca.
Estamos perto de Lisboa e abrem-se concursos para recrutar médicos que ficam sem concorrentes. Não acha estranho? Sabemos que os novos médicos de família têm mais vontade de ficarem nos grandes centros. Curioso é que um dos concelhos que tem maior carência de médicos é o que mais próximo está de Lisboa, que é Salvaterra de Magos. Mas isto deve-se muito também aos tipos de unidades de saúde e aos modelos remuneratórios, que atraem mais ou menos médicos.
De que forma é que os tipos de unidades complicam a contratação de médicos? Temos 14 Unidades de Saúde Familiar, das quais oito são do Modelo A e seis do Modelo B, que é a que tem o regime remuneratório mais atractivo para todos os profissionais. Isto gera sempre alguma rotatividade de recursos que tentamos colmatar. É quase como no futebol, há a primeira liga, a segunda liga e os distritais.
Há alguma perspectiva de passar as Unidades de Saúde Familiar de primeira geração para o modelo B? A grande questão tem a ver com a complexidade de passagem a modelo B, que é um modelo organizativo mais exigente, mais complexo em termos processuais, em que é preciso dar algumas respostas em termos de processos de melhoria contínua da qualidade. Cada unidade tem a possibilidade de mudar de modelo desde que os profissionais se mobilizem e tenham vontade de se candidatar à mudança.
Mas há movimentações para essa mudança? O nosso agrupamento sempre teve a motivação de criar Unidades de Saúde Familiar (USF) e tivemos das primeiras do país e das primeiras certificadas em termos de qualidade. Todas as unidades de modelo A estão com vontade de fazer a transição e uma já vai avançar com a candidatura. Acredito que o futuro vai ser termos apenas USF de última geração. A Chamusca vai ficar com o concelho todo abrangido por USF, com a integração da freguesia de Carregueira. Há uma forte vontade dos profissionais de Almeirim para fazer a segunda USF. Esta é a principal mais-valia para conseguirmos atrair médicos.
Porque é que há esperas para consulta de cerca de quatro meses? Há consultas que podem ser marcadas com esse espaço temporal e outras não podem. Se for uma consulta para renovação da carta de condução, por exemplo, a pessoa tem seis meses para tratar do processo. Convém que os utentes tenham a noção que pedir um atestado não é a mesma coisa que precisar de uma consulta por motivos de doença.
Porque é que os médicos se recusam a fazer alguns serviços, como o exame médico desportivo, obrigando as pessoas a recorrerem ao privado? Quando temos 17,5% da população sem médico de família tem de haver algum foco nas áreas mais prioritárias. Mas também temos que ver que a medicina desportiva é quase como uma especialidade na área da medicina e alguns médicos sentem que não têm formação para o fazer. Há outros que até o fazem. As pessoas têm de perceber que todos temos de fazer algum esforço para ultrapassar esta fase de carência de recursos.
Há algum concelho onde todos os utentes têm médico de família? Em Alpiarça e Coruche, que é um concelho grande, não há utentes sem médico de família. Temos outros concelhos com taxas reduzidas de pessoas sem médico de família, como Santarém que só tem 4% de utentes sem médico.
O que é que pensa das escusas de responsabilidades quando isso não isenta os médicos ou enfermeiros de serem responsabilizados? Não temos situações dessas no agrupamento. Os profissionais têm um código deontológico que têm de seguir. Há vários motivos que os levam a fazer isso, sobretudo para mostrarem que não estão reunidas as condições para prestarem o serviço. Mas isso não isenta as suas responsabilidades e penso que é uma tentativa de salvaguardar que se contecer alguma coisa tinham avisado que não estavam com recursos para garantir a segurança dos cuidados.
Quais são as novidades no agrupamento desde que tomou posse? Começámos pelos centros de vacinação que passaram de 10 para 14, para que fiquem mais próximos das populações. Temos alguns projectos, um deles iniciou-se em Setembro, em Marinhais (Salvaterra de Magos), que se chama “Médicos mais Perto”, em que os médicos que estão a fazer a especialidade, acompanhados por um médico especialista, vão fazer a vigilância de grupos mais vulneráveis. A ideia é motivar os jovens médicos e tentar que fiquem em zonas carenciadas.
Que marca quer deixar com a sua gestão? Gostava muito que fosse criada uma USF no concelho de Salvaterra de Magos, que é o único que não tem uma unidade destas. Quero que as nossas unidades possam criar projectos de melhoria da qualidade e que avancem para a certificação.
Enfermeiro por amor à mulher
Hugo Sousa é de Ulme, concelho da Chamusca, onde residiu até ir para a Escola Superior de Saúde de Santarém. Fez o mestrado e especialidade em Saúde Infantil em Leiria. Deu aulas nos politécnicos de Santarém e Leiria de 2012 a 2019. Hugo Sousa gostava da área da Psicologia, mas embarcou na aventura de tirar o curso de Enfermagem por amor à namorada e hoje mulher, de quem tem dois filhos de 16 e 10 anos de idade. Apaixonado pelo trabalho e pelas pessoas que o rodeiam optou por ir para o curso para estar mais próximo da namorada que já estava a tirar o curso de enfermagem.
Acabou o curso numa semana e casou na outra semana começando a trabalhar no Centro de Saúde do Cartaxo, onde sempre esteve, logo após a lua-de-mel há 19 anos. Teve de pedir à direcção da escola para mudar a data da festa de final de curso, porque coincidia com o casamento e a escola acedeu. Antes de entrar para o curso estudou na Secundária de Almeirim e tinha de se levantar às cinco da manhã para apanhar boleia porque não havia transportes.
O director sabe bem o que são os serviços de saúde por ser um doente crónico. Tem diabetes tipo 1 desde os 9 anos de idade. Sempre foi uma pessoa habituada a desenrascar-se. Isso fá-lo a estar na vida ficando-se no que é importante e o resto são pormenores que podem ser limados. Foi um dos que motivou a criação da USF Dom Sancho, em Pontével, uma das primeiras 20 do país. Sempre teve vontade em abraçar projectos novos. Não gosta de ficar acomodado ao que existe e procura novos desafios. “O que me cansa são os conflitos, a gestão dos conflitos por coisas às vezes menores. “Temos que encontrar soluções para o que acontece no dia-a-dia”, realça.