Entrevista | 22-11-2022 10:00

“Falta empenho ao município de Constância para resolver problemas ambientais”

“Falta empenho ao município de Constância para resolver problemas ambientais”
Rui Ferreira é comunista e um crítico da gestão socialista liderada por Sérgio O

Comunista convicto, Rui Ferreira é um dos principais rostos da oposição à maioria socialista que governa o município de Constância.

Diz que a gestão PS tem pouco empenho na resolução de problemas ambientais graves, trabalha muito para a imagem e é completamente submissa perante o Governo do seu partido. Quanto às polémicas obras junto à estátua de Camões, considera que o sentido estético do executivo camarário é confrangedor.

O concelho de Constância tem tido alguns problemas ambientais, sendo um dos casos mais graves a contaminação de solos e águas subterrâneas na freguesia de Santa Margarida da Coutada, causada pela aplicação de herbicidas. A Câmara de Constância tem tido uma postura assertiva sobre o assunto?

Trata-se de um problema extremamente grave, em que as responsabilidades se repartem por vários organismos estatais. Embora a totalidade da responsabilidade não seja do município, devia haver um empenho muito maior no apoio às pessoas afectadas.

Não se conhecem posições públicas da Câmara de Constância sobre o assunto.

Nenhumas, a não ser para dizer que a responsabilidade não é do município. Se um caso daqueles não é da responsabilidade do município, que para além das pessoas afectadas contamina os solos e os lençóis freáticos, então é caso para perguntar o que é que é da responsabilidade do município. Considero que não tem havido nenhum empenho por parte do município sobre um caso que é da maior gravidade em termos ambientais.

E sobre a actuação de entidades como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), têm tido algum retorno?

Sei que há processos em tribunal, mas não tenho conhecimento de nenhuma decisão sobre o assunto por parte da APA. Ainda bem que o caso foi relatado na comunicação social, pois fez mexer algumas coisas. Mas quanto a tentar minimizar os efeitos daquele problema e responsabilizar os infractores, não se viu nada. A pouca informação que vamos tendo é de um dos lesados, mas estamos manietados, pois não temos meios para intervir.

Outra questão prende-se com o despejo de esgotos domésticos de Constância no rio Tejo sem tratamento, devido à rotura do emissário que transportava os efluentes para a ETAR da Caima. Como vê a situação?

É uma imagem que não devia existir, não só para uma terra que se quer afirmar pelo turismo mas para qualquer comunidade. O emissário foi construído por volta de 1996 ou 1997, aquando das obras nas margens do Tejo e do Zêzere, e teve o seu desgaste natural ao longo dos anos que veio resultar na rotura da conduta. Em 2018 ou 2019 foram feitas obras de reparação no emissário mas que não resultaram. Logo no ano seguinte voltou a haver problemas. É uma obra que está agora a ser feita, com algum volume para a dimensão do concelho, mas é grave ter durante dois anos um problema daqueles, de esgotos a céu aberto. E mais grave ainda foi investir numa praia fluvial com essas condições...

Mas os esgotos lançados no Tejo não sobem o rio Zêzere...

Sobem sim. A interdição que houve na praia fluvial no final de Setembro, para mim, teve a ver com isso. Teve a ver com o baixo caudal do Zêzere e com o alto caudal do Tejo, que fez refluxo para o Zêzere e contaminou as águas. Naqueles dias em que foram feitas as recolhas das amostras era isso que sucedia. As águas do Tejo entravam pelo Zêzere e quase chegavam à ponte da A23.

A CDU não teria feito uma praia fluvial no Zêzere com esgotos a correrem a céu aberto no Tejo, ali perto?

Não teria feito isso nem teria feito a praia fluvial com as obras a decorrer na avenida que dá acesso à praia. Foi uma confusão total, poeira por todo o lado... Foi indescritível a decisão de abrir uma praia fluvial com esgotos a céu aberto a 50 metros da praia e com os acessos naquelas condições.

Em meados de Junho, cidadãos de Constância filmaram e denunciaram publicamente o derrame de esgotos industriais no meio do rio Tejo, em frente à vila. Curiosamente, não demos por grandes reacções a esse atentado ambiental. Estamos a ser injustos ou há temas tabu na política local?

Não há temas tabu da nossa parte. Basta ver as nossas posições que, habitualmente uma vez por ano, publicamos em papel e distribuímos pelo concelho, ou a nossa página no Facebook. Em relação a esse assunto, foi levado por nós a reuniões de câmara e de assembleia municipal.
A Câmara de Constância tomou alguma posição sobre o assunto? Não. Acho que muitas vezes as prioridades municipais andam ao contrário. Esta câmara e o seu presidente são exímios em fazer propaganda de coisas que não têm nada a ver com uma visão estratégica, como a colocação de um banco em determinado sítio ou o tapamento de um buraco. Publicita-se isso como obras que vão mudar as condições gerais do concelho.

Obras junto à estátua de Camões são “um crime”

As obras na Avenida das Forças Armadas e no largo junto à estátua de Camões têm gerado polémica. A CDU chamou-lhes um atentado. Não será exagero?

Não! É um atentado e eu diria mais: acho que é um crime o que ali se está a fazer. Desvirtua completamente o que é o casco histórico da vila, é um atentado grave a um monumento que é o Jardim Horto de Camões, concebido por um dos melhores especialistas do país, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles.

Está a falar sobretudo daquela alteração do piso, com a substituição do calhau rolado por lajes em granito?

Sim. Já as últimas obras na margem do Zêzere tinham desvirtuado o local. Não é concebível mobiliário moderno, que fica bem em qualquer cidade mas fica mal naquele espaço. Agora, a substituição do piso em frente ao Jardim Horto de Camões interrompe uma ligação agradável entre o casco histórico e a margem do Zêzere. Aquilo não se parece com nada. O sentido estético deste executivo é uma coisa confrangedora. Estamos a esbanjar dinheiro. Gasta-se meio milhão de euros nas obras de uma avenida que vai ficar com a via mais estreita do que a que existia, onde não se cruzam dois autocarros. Isto não tem explicação.

Acha que o presidente da câmara devia ter dado ouvidos a tanta voz contestatária?

Acho que o presidente da câmara dá ouvidos apenas a alguns, mas nunca reconhece os erros cometidos. Há uma falta de humildade terrível. Quando queremos ouvir apenas aqueles que dizem bem de nós, dificilmente vamos longe. Uma das razões para a CDU se ter mantido no poder durante 33 anos foi a sua capacidade de ouvir toda a gente e, depois disso, analisar e conciliar as coisas no melhor sentido. As pessoas ajudaram--nos a construir o concelho com as suas opiniões e os seus reparos.

Outro problema que Constância vive, e que é transversal a muitos municípios no país, prende-se com a perda de população.

É daquelas batalhas que parecem perdidas. É um problema nacional. Quando tantos atacam a vinda de estrangeiros, mal do país se não tivesse os imigrantes. Mas depois há políticas nacionais completamente desfasadas de tudo. Como as portagens nas auto-estradas, a desconcentração de serviços, o apoio a empresas para o interior. Agora, Constância é um dos concelhos que menos população perde…

Também porque é um dos concelhos que já tem uma população reduzida…

É verdade. Mas Montalvo tem mantido população com tendência a crescer; Constância tem a população com tendência a crescer; o caso grave é Santa Margarida, fundamentalmente por duas razões. Uma é a da falta de acessibilidades, de uma nova ponte sobre o Tejo...

Assunto em que a Câmara de Constância parece ter esmorecido na pressão reivindicativa.

Esta actual gestão é completamente submissa perante o Governo do seu partido. Uma das coisas que incomodam, no sentido em que é prejudicial para o concelho, é que tudo o que existia anteriormente foi varrido para debaixo do tapete. Havia compromissos com anteriores governos, nomeadamente aquando da instalação dos CIRVER (Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos) no Eco Parque do Relvão, para uma nova travessia do Tejo na zona de Constância. Qualquer presidente da câmara que viesse depois devia pensar que tem ali uma base para negociar e para pressionar o Governo. Porque há aqui um compromisso.

O definhamento da freguesia de Santa Margarida da Coutada não está também ligada à perda de valências do campo militar?

Como é que este país, tendo ali o maior campo de instrução militar nacional, deixa desertificar aquele complexo? Como é que um presidente de câmara com estes problemas às costas relativos à desertificação daquela freguesia, e sabendo nós que, em termos militares, há chafaricas em todo o lado, nomeadamente nas grandes cidades, não reivindica a revitalização de um equipamento que continua a apodrecer. Em tempos, o campo militar aglutinava mais pessoas que o próprio concelho. A revitalização é fundamental para criar uma nova dinâmica na freguesia e o município deve ter peso numa discussão destas.

Uma consciência política inspirada pelos livros

Rui Ferreira nasceu em 10 de Agosto de 1958 em Montalvo, concelho de Constância. Está reformado há alguns anos e o tempo hoje é dedicado à família e ao concelho. Casado, tem dois filhos e uma filha, todos a viver no estrangeiro (Holanda, Itália e Espanha), e três netos “que são um espectáculo”. É irmão do astrónomo Máximo Ferreira, que foi presidente da Câmara de Constância entre 2009 e 2013.
Aos 12 anos começou a definir-se a sua opção política, quando foi trabalhar na livraria e papelaria Académica, em Abrantes. Foi encarregado de entregar livros que à partida seriam confiscados pela polícia política e pela censura. “Chegavam às livrarias livros que o regime ainda não tinha tido tempo para corrigir com o lápis azul. Comecei a ler esses livros com 12 anos e fui formando a minha consciência política”. Trabalhou sempre na área comercial até que foi eleito para a Câmara de Constância em 1993, como vereador do presidente António Mendes. Esteve nessas funções até 2009. Já tinha sido eleito na assembleia municipal em 1982 e voltou posteriormente a esse órgão autárquico na última década. Militante do PCP, é dirigente concelhio, foi número dois da lista à câmara nas últimas eleições e tem substituído pontualmente a vereadora da CDU eleita, Manuela Arsénio, nas suas ausências.

Alguns ‘pecados’ da gestão PS

Rui Ferreira é um crítico da gestão socialista lidera por Sérgio Oliveira e aponta alguns ‘pecados’ que considera inconcebíveis. “Há alguma sala de espectáculos no país que tenha sido inaugurada sem som e sem equipamento de projecção, como é o caso do cine-teatro de Constância?”, questiona, dizendo que reabrir o espaço sem esses equipamentos “é uma coisa inacreditável”. Acrescenta, no âmbito da política cultural, que a Casa-Memória de Camões também merece melhor aproveitamento, tal como a Casa Vasco de Lima Couto, que está fechada desde o falecimento do seu proprietário, José Ramôa. “Está ali espólio único a estragar-se e não se dá um passo”, vinca.
Outro exemplo de inércia que indica prende-se com a construção de novos balneários no campo de futebol de Montalvo. “A Casa do Povo de Montalvo candidatou-se a financiamento do INDESP para construir balneários no campo de futebol que é municipal. A candidatura foi financiada em mais de 60 mil euros, a câmara também pagou mais de 30 mil euros e têm lá os balneários em contentores, porque desde Março ainda não se fizeram as ligações de água, esgotos e energia. E entretanto desistiram duas equipas…”, lamenta.
Menciona ainda o caso do investimento municipal feito há mais de dois anos, num valor aproximado de 26 mil euros, na aquisição de uma cadeira de dentista para criação de um Gabinete de Saúde Oral no centro de saúde que continua sem funcionar.

“Enquanto houver exploradores e explorados continuarei a ser comunista”

O que falhou em 2017, quando a CDU perdeu a câmara para o PS?

Houve um conjunto de factores. Foram muitos anos de poder, foram os anos de brasa da troika, em que os municípios ficaram exauridos e em que ainda tivemos que pagar o famigerado Fundo de Apoio Municipal (FAM) para outros municípios, que se endividaram à grande à francesa… E até determinado ponto tivemos equipas muito coesas, mas isso deixou de acontecer a partir de certa altura.

A CDU teve dificuldade em lidar com a saída de cena de António Mendes, uma figura carismática que liderou a câmara durante mais de duas décadas.

Não digo isso. Claro que tem influência, mas as pessoas não são eternas. Acho mais penalizador para a CDU os anos de brasa da troika, em que vimos reduzidos o acesso a fundos e não pudemos contratar pessoal.
Foi vereador de António Mendes durante muitos anos, até 2009. Mais do que camaradas, ficaram amigos? Sim. Almoçamos quase todas as semanas desde 2010. Por acaso esta semana não calhou...

Os tempos não estão fáceis para a CDU e para o PCP. Acredita que a CDU pode voltar ao poder em Constância?

Acredito sempre. Continuamos a ter um conjunto de pessoas a fazer parte das listas com muita competência. E que podem dar um contributo muito melhor do que o que está a ser dado.

Tem sido fácil recrutar pessoas para as listas num concelho pequeno e onde o PCP nunca teve grande implantação?

Nós conquistamos as pessoas fundamentalmente pelo nosso exemplo. Muitas vezes as palavras não trazem qualidade, mas os exemplos trazem. É isso que tem acontecido ao longo dos anos. Temos feito o nosso trabalho tanto em maioria como, agora, na oposição. As pessoas esperam isso de nós e penso que não as temos defraudado.

Continua a ser um comunista convicto?

Sim. Enquanto houver exploradores e explorados continuarei a defender esses ideais. Isto não quer dizer que a gente esteja sempre de acordo.

Nunca questiona a sua militância?

Não.

Subscreve todas as posições do partido, incluindo as que este ano expressou sobre a invasão da Ucrânia?

Quanto à invasão da Ucrânia, acho que deviam ser as duas partes derrotadas. Nem o PCP está de acordo com a invasão da Ucrânia, nem está de acordo com o regime da própria Ucrânia. Quando dizemos que estamos de acordo com as decisões da ONU e que estamos de acordo com os acordos de Helsínquia, isto é uma condenação da invasão. Mas quando um fulano, na guerra, ilegaliza dez partidos, calma que isto também não é nada bom…

O que é que o concelho de Constância ainda pode esperar de Rui Ferreira?

Neste momento substituo a vereadora Manuela Arsénio nas suas impossibilidades, participo sempre no nosso processo de trabalho de preparação das reuniões dos órgãos autárquicos e espero ter condições para continuar a fazer este trabalho e dar o meu contributo.

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