Entrevista | 14-12-2022 15:00

João Gonçalves: sou campeão nacional e ninguém sabe quem sou

João Gonçalves: sou campeão nacional e ninguém sabe quem sou
João Gonçalves com o Marialva Plus, o cavalo Lusitano com o qual venceu a 20 de Novembro o Campeonato Nacional de Dressage Open nível médio

João Gonçalves dá cartas no desporto equestre. Começou a carreira quando era ainda uma criança e aos 29 anos soma vários títulos de campeão e vice--campeão nacional de equitação.

A paixão pelos cavalos e poder representar a selecção nacional num desporto pouco conhecido do grande público são a dose de motivação que o faz continuar em busca da perfeição. João Gonçalves é de Samora Correia, treina e trabalha na Golegã e tem como ambição maior levar o seu bailado equestre aos Jogos Olímpicos.

Tinha três anos quando o pai lhe satisfez a vontade e o sentou no dorso de um cavalo. O suficiente para espoletar uma paixão pela equitação que aumentou com o ritmo do seu crescimento. Aos 11 anos começou a competir no Campeonato Nacional de Equitação de Trabalho, sagrou-se três vezes campeão nacional, venceu a Taça de Portugal e representou pela primeira vez a selecção nacional. Um arranque em cheio que veio com a certeza de que aquele era um caminho que não tinha retorno. Quase duas décadas depois, o cavaleiro João Gonçalves é uma promessa nacional que arrecadou esta época um título de campeão nacional de dressage open nível médio e três de vice-campeão nas Taças de Portugal de dressage e equitação de trabalho e Campeonato Nacional de Equitação de Trabalho, disciplina pela qual vai representar, ainda este ano, a selecção nacional.
Competir nos Jogos Olímpicos, na disciplina de dressage, seria o pináculo da sua vida como cavaleiro mas, como diz, gosta de “sonhar acordado” para nunca se esquecer de tudo o que tem de melhorar para lá chegar. Todos os dias trabalha para alcançar a perfeição num desporto que depende de duas vontades: a sua e a do cavalo que o acompanha. Só com disciplina, dedicação e muitas horas de treino, explica, cavalo e cavaleiro conseguem construir a cumplicidade artística e tornar próximos da perfeição, mas ao mesmo tempo leves, os movimentos do equino, mais valorizados quanto mais natural for a sua execução como se de um bailado se tratasse. Não fosse a dressage conhecida como o ballet clássico do mundo equestre.
De carácter vincado, mede 1,70m tem muita vontade de aprender e faz de tudo para agradar. Para que não haja enganos, agora falamos de Marialva, um dos quatro cavalos Lusitanos com os quais João Gonçalves compete actualmente e o escolhido para, na manhã chuvosa de segunda-feira, 5 de Dezembro, acompanhar a conversa que se fez na Golegã - onde treina e trabalha como equitador na Coudelaria Veiga Maltez - e que passou pelo seu percurso num desporto que não é para todos os bolsos e que precisa de ser reconhecido. Porque, como diz, é campeão nacional numa disciplina olímpica e muito poucos sabem quem é o João Gonçalves.

O desporto equestre e a dressage em particular têm-se desenvolvido em Portugal? A dressage é uma disciplina muito rigorosa que busca a perfeição e que se tem desenvolvido muito, em grande parte devido ao cavalo Lusitano que tem evoluído nas suas qualidades. E claro que quanto melhor é a qualidade dos cavalos maior é a qualidade dos concursos. Temos bons cavaleiros - destaco o Rodrigo Torres que participou nos Jogos Olímpicos -, treinadores e criadores.
Apesar da evolução parece continuar a ser um desporto de elites... E é de elites. É muito caro, cada vez mais. Participar num concurso custa muito dinheiro, no entanto o retorno também é cada vez maior. Um cavalo Lusitano que tenha feito boas provas hoje vale muito. Para se ter uma ideia, pode custar ao comprador entre 20 mil euros e mais de um milhão de euros e o mercado é vasto: vai desde a Alemanha, Estados Unidos da América, México e Brasil. No meu caso tenho a sorte de ter clientes que suportam as minhas despesas e que têm o seu retorno com a venda do cavalo. Essa é a parte difícil para mim porque me afeiçoo, embora saiba que aquela prova pode ser a última com aquele cavalo. Neste momento compito com quatro, todos Lusitanos.
Ter um cavalo do qual não tivesse que se despedir repentinamente está nos objectivos? Já tive um cavalo meu, mas percebi que era injusto porque ficava sempre para trás. O meu trabalho é treinar cavalos, inclusive alguns dos que uso nas provas. E esses, que são dos clientes e do patrão, tenho que os trabalhar obrigatoriamente.
É mais atleta o João Gonçalves ou o cavalo que o acompanha em prova? Temos que ser os dois, estar em sintonia, porque são duas cabeças a pensar num mesmo objectivo. Se não estiver em forma vejo-me aflito para montar. Não posso estar acima do peso e tenho de ter a flexibilidade que permite moldar-me ao movimento do cavalo. Mas o cavalo é, sem dúvida, mais atleta que o cavaleiro, afinal quem corre é ele.
Já foi várias vezes campeão nacional mas se pesquisarmos na Internet ficamos a saber muito pouco sobre si e até sobre a dressage em Portugal. O que está a faltar para que o desporto equestre seja mais reconhecido e alcance o grande público? Começamos por aí: sou campeão nacional e ninguém sabe quem sou, à excepção da minha família e de quem anda neste meio. O que falta é mesmo isso: divulgação, tanto da dressage como da equitação de trabalho. Neste momento só sabe quem está dentro desta bolha e a informação só se encontra, muitas vezes, em sites de equitação. Se olharmos para o lado, Espanha mete o seu cavalo como se fosse o melhor do mundo e nós não divulgamos nada do que acontece. Disputam-se cá campeonatos internacionais com grandes cavaleiros do mundo inteiro e ninguém sabe.
À falta de reconhecimento o que o faz continuar? Ser chamado à selecção nacional. É um orgulho imenso e é quando volto a achar que todo o esforço, todas as horas de trabalho e dedicação valem a pena. O meu retorno é representar o meu país.
Viver em Samora Correia, trabalhar e treinar na Golegã e competir pelo país e pelo mundo. Há que abdicar de muito quando se escolhe este caminho? Tem que se abdicar. No meu caso abdiquei das duas paixões da minha vida: ser forcado nos Amadores de Alcochete e andar de mota. Duas actividades que larguei não só por falta de tempo mas porque não são compatíveis com esta actividade, onde uma lesão compromete os treinos e o trabalho. É um esforço grande, mas não me imaginava a fazer outra coisa na vida, desde que saí da Escola Profissional de Salvaterra de Magos onde tirei o curso de técnico de contabilidade e disse ao meu pai que montar a cavalo ia ser a minha vida. Comecei a trabalhar para o meu treinador, Jorge Sousa e há 12 anos que estou na Coudelaria Veiga Maltez.

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Como define a sua relação com os cavalos? Trato-os e conheço-os tão bem como se fossem da minha família. Aliás, passo mais tempo com cavalos do que com a minha família.
Como recarrega baterias? A descansar, é tudo o que me faz falta. Se houver tempo, passear e estar com os amigos, o que durante a semana é impossível já que saio de casa às 07h00 e entro às 22h00.
Como se define? Rigoroso e perfeccionista. Considero-me alegre, simpático. Dispo a camisola para a dar a um amigo. Sou confiante mas também ansioso antes das provas.
Tem superstições antes de entrar em competição? Entrar em pista com o pé direito e benzer-me. Não deixo os fatos de prova em cima da cama nem que alguém, à excepção da minha mãe, os veja antes de serem vestidos.
Montar por lazer ou em competição? Em competição. Para melhorarmos temos que nos pôr à prova todos os dias.
Dressage ou equitação de trabalho? Equitação de trabalho é a disciplina do meu coração.
Como imagina o cavalo dos seus sonhos? Um cavalo com bons andamentos a passo, trote e galope, e que se deixe montar e ensinar. Tal como as pessoas, há cavalos com muitas capacidades, mas que não as querem usar. Seria alto e encorpado, daqueles que enchem a pista e os olhos dos juízes e do público quando entram. E seria, claro, Lusitano: um cavalo guerreiro, que não vira a cara à luta e que ao mesmo tempo se deixa ensinar.

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