Entrevista | 20-12-2022 10:00

Susana Amado: “faz falta inteligência emocional a muitos profissionais de saúde”

Susana Amado: “faz falta inteligência emocional a muitos profissionais de saúde”
Susana Amado (ao centro) com parte da equipa com quem trabalhou durante 15 anos na Viatura Médica de Emergência e Reanimação

Susana Amado trabalha há 27 anos no Hospital Distrital de Santarém. Actualmente é enfermeira no bloco operatório, mas já dedicou 15 anos da sua vida à VMER, a carrinha amarela e de luzes azuis, que sai para o exterior com a missão de salvar vidas. Um testemunho comovente de uma mulher que diz ter uma vocação: “ajudar o próximo”.

Poucas são as pessoas que podem escrever no currículo que têm várias dezenas de vidas salvas; Susana Amado é uma delas. Enfermeira no bloco operatório do Hospital Distrital de Santarém, foi durante 15 anos enfermeira na VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação) do INEM. Perdeu a conta aos dias difíceis, em que foi para casa a chorar, mas não tem dúvidas de que foram mais os que a deixaram com vontade de continuar a desempenhar aquilo que diz ser a sua vocação: “ajudar o próximo”.
À entrado do hospital, de farda verde florescente, Susana Amado recebe o repórter de O MIRANTE enquanto cumprimenta antigos colegas da VMER, que não escondem surpresa ao vê-la trajada. “Não vestia esta farda há dois anos. Estou emocionada”, confessa. Sentamo-nos na cafetaria do hospital e, para “quebrar o gelo”, habitual quando duas pessoas se acabam de conhecer, Susana partilha um resumo do seu dia: “hoje foi um dia produtivo. Com muito trabalho. Tivemos três operações, uma delas demorou três horas. Era uma colecistite aguda, um problema muito chato e que exige muito empenho”, explica.
Também na VMER, mais de 80% das situações não são provocadas por acidentes, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa; são enfartes do miocárdio, AVC ou outras descompensações do organismo, conta. As saudades do trabalho exterior são muitas e pioram quando vê uma carrinha em tons de amarelo e luzes azuis a piscar: “o meu primeiro impulso é ir socorrer também, mas depois lembro-me que já não faz parte das minhas funções”, refere.
Uma das razões para ter abandonado a VMER foi já não se sentir em condições físicas e emocionais para dar 100% de si. “Temos de nos sentir especiais e ter a certeza que somos capazes de dar tudo para salvar uma vida. Muitas vezes estamos debaixo de chuva torrencial, sem iluminação, com rajadas de vento fortíssimas, mas temos de ter a certeza que conseguimos cumprir a nossa missão. Senti que devia dar o meu lugar a outra pessoa”, afirma.
Trabalhar com pessoas em risco de vida exige um domínio muito grande das próprias emoções; levar o trabalho para casa é inevitável, assim como é o facto dessa condição mexer com a dinâmica familiar, mas a necessidade de fazer algo pelo outro é muito forte. “Passa a ser um vício como qualquer droga. Não há nada melhor do que sentir que podemos fazer a diferença”, sublinha. Susana Amado é natural dos Riachos e tem dois filhos, o João Bernardo, de 20 anos, e o Dinis, de 17.

Profissionais mais próximos dos doentes
Para Susana Amado a inteligência emocional faz falta a muitos profissionais de saúde. “Aliás, qualquer trabalho que implique lidar com pessoas devia exigir uma formação intensiva em inteligência emocional”, defende. A enfermeira afirma ainda que os profissionais de saúde devem aproximar-se mais dos doentes e preocupar-se com eles enquanto seres humanos. “A maioria dos profissionais estão direccionados para a doença e esquecem-se que quem tem a doença é uma pessoa. Muitas vezes a doença física é o resultado de um desequilíbrio emocional”, considera.
A conversa com O MIRANTE terminou à porta das urgências do Hospital de Santarém, onde Susana Amado se juntou a parte da equipa que a acompanhou durante vários anos. No local, o repórter observou a logística que implica equipar uma viatura com centenas de medicamentos, aparelhos de reanimação e monitorização, entre outros materiais que utilizam para cumprir a missão de salvar vidas.

Uma enfermeira que escreve para acalmar a dor

Susana Amado lançou recentemente o primeiro livro, intitulado de “Palavras de um Azul Profundo”. A obra conta histórias reais, vividas na primeira pessoa, que permitem ter um olhar sobre quem segue dentro do “carro amarelo e de luzes azuis a uma velocidade estonteante para salvar vidas”. Poucas pessoas sabem é que Susana Amado escreve para acalmar a dor que sente quando uma saída lhe corre menos bem e a sua principal missão não é cumprida. “O primeiro texto que escrevi foi depois de ter socorrido uma mãe e uma criança que tinham acabado de ter um acidente de viação. Quando lá chegámos a criança já estava sem vida e a mãe ia olhando pelo retrovisor a pensar que o filho estava apenas a dormir. Pedia-nos para não fazermos barulho para não o acordar”, conta, emocionada. Admitindo que demorou meses a fazer o luto dessa situação, Susana Amado revela que ao chegar ao carro a primeira coisa que fez foi agarrar num bloco de notas e escrever como se sentia. “Deitei tudo cá para fora porque não estava a conseguir sair do parque de estacionamento. A escrita tem sido uma forma de me abstrair da dor e das emoções foitíssimas que esta profissão acarreta”, afirma.
A enfermeira partilha uma parte dos seus textos nas redes sociais e já está a pensar em lançar um novo livro, eventualmente com textos de episódios ocorridos em contexto de bloco operatório. “Nesse caso o livro vai se chamar “Palavras de uma Farda Roxa”, a cor da bata de quem trabalha nesse serviço”, termina, em jeito de brincadeira.

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