“O tempo que entidades do Estado demoram a agir não se coaduna com as necessidades dos territórios”
Silvino Lúcio garantiu a continuidade da governação socialista na Câmara de Azambuja sem maioria absoluta estabelecendo um acordo com a CDU. Em entrevista diz que o novo aeroporto deve servir o país e não interesses regionais, critica o vagar com que algumas entidades do Estado tomam decisões e admite que por vezes se sente impotente para lutar contra esses poderes intermédios da administração central. Para o concelho, que garante conhecer como ninguém, quer mais habitação a rendas acessíveis e mais políticas para a juventude.
Em 2017 opôs-se à candidatura do seu antecessor porque queria ser cabeça-de-lista à câmara e nas eleições seguintes acabou por sê-lo. Ser presidente do município era um sonho que queria muito concretizar? Sim. Dediquei parte da minha vida à política autárquica e a ambição foi crescendo. O objectivo esteve sempre dentro de mim, não como objectivo de vida mas de um percurso político feito pelo conhecimento dos problemas do concelho, que conheço como ninguém. Naquela altura fiquei magoado, porque tinha ganho as eleições internas para ser candidato, mas o presidente que estava em funções tinha o direito de continuar segundo a legislação interna do partido.
Passando ao pesadelo: apenas 18% da população do concelho tem médico mas não se pode dizer que faltam ideias a este executivo, desde seguros pagos pela câmara à criação de uma USF com gestão privada. A saúde é um problema no concelho. A câmara apostou num regulamento de incentivos para fixação de médicos e continuamos a tentar sensibilizar jovens médicos para virem para Azambuja, mas percebemos que o seguro iria ser pesado financeiramente. Sobre haver uma gestão privada nos centros de saúde não me choca. O município vai entrar no protocolo entre a Cerci e a ARS na medida em que estamos disponíveis para fazer o complemento ao valor pago por hora porque os médicos só aceitam trabalhar por 40 euros/hora e a ARS só cobre 27 euros. Esta medida vai disponibilizar um médico durante quatro horas por dia de segunda a sexta-feira e dois médicos a tempo inteiro ao sábado.
Já disse que não aceita as competências na Saúde enquanto as infraestruturas não forem melhoradas. Já se arrependeu de terem aceitado as da Educação? Vamos aceitar as da Saúde porque houve alterações e compromissos assumidos, nomeadamente com a ARS a cobrir a reparação do sistema de ar condicionado do Centro de Saúde de Azambuja com 151 mil euros e a requalificação da extensão de Alcoentre. Além disso vai haver um complemento anual que se traduz em cerca de 450 mil euros. A Educação está efectivamente a causar-nos algum transtorno porque vai para sete meses que foi assinado o protocolo em que o Governo se compromete a requalificar um conjunto de escolas, onde está a Secundária e a Básica de Azambuja e não há dados concretos sobre a execução nem linhas de financiamento. Vamos abrir concurso para a Secundária e precisamos de saber com o que contamos apesar dos encargos financeiros para o município serem nulos.
Há mais de um ano que os vereadores sem pelouro reclamam um gabinete de trabalho. Há falta de vontade política do executivo PS ou há falta de gabinetes? Há falta de espaço no edifício sede. Andámos à procura de um espaço que dignificasse porque não íamos pô-los num sítio qualquer e foi agora encontrado. Queria ver se em Abril conseguia dar essa liberdade aos vereadores.
Que opinião tem sobre pessoas que mudam de partido político? Causam-me estranheza algumas pessoas que mudam de partido. Mas têm esse direito e hoje em dia contam com o aparecimento de novos partidos como a Iniciativa Liberal e o Chega que têm colhido aceitação também, diga-se, porque PSD e PS o têm permitido por causa de políticas menos bem conseguidas. Mas, para sermos objectivos: causou-me estranheza e fiquei bastante surpreendido, para não dizer indignado, com a mudança da vereadora Inês Louro do PS para o Chega. Hoje temos uma relação mais fria, não tenho conversas com ela como com os meus camaradas porque optou por deixar de pertencer à família socialista.
Uma família socialista que integra pessoas vindas de outros partidos, como é o caso do seu vice-presidente, António José Matos, que já foi eleito pelo PSD. Nesse caso já não lhe causa estranheza? Causa-me também alguma estranheza e criou alguma inquietação junto de alguns que até abandonaram o partido por essas decisões de aceitação. Mas mudar do PSD para o PS ou vice-versa não é ir a extremos...
Tem sido criticado pelos vereadores da oposição PSD e Chega por não os deixar concluir as intervenções sem serem interrompidos. Não gosta de ouvir ideias contrárias ou a democracia faz-lhe comichão? Não, a democracia nunca me fez comichão. Sou democrata desde o 25 de Abril e para mim a democracia é respeitar os outros e as suas ideias. O que me incomoda são pessoas que para apresentarem um simples ponto façam uma abordagem quase académica.
“O Estado não tem conhecimento do património que tem”
Em que fase está a acção que a Triaza, empresa gestora do aterro, interpôs contra o executivo municipal e na qual pede uma indemnização de 12 milhões de euros? O processo da acção dos 12 milhões, que é contra o presidente da câmara na altura, Luís de Sousa, e a vereação onde me incluo, está parado e vai demorar anos porque vai haver argumentos dos dois lados. Não me tira o sono...
O PS de Azambuja deu luz verde ao aterro e mudou radicalmente de posição no anterior mandato, no qual era vice-presidente. Sentiram-se pressionados pela revolta da população a um ano das eleições autárquicas? Sentimos a pressão popular, não o podemos esconder. Mas entendemos realmente como era o aterro no seu todo. Quando foi dada autorização pela APA dos materiais que podiam lá ser depositados não estávamos conscientes daquilo que estava a ser apresentado. Houve alguns membros da oposição que chamaram a atenção, mas entendemos isso como um acto político de contestação e não demos importância. Hoje reconhecemos que fizemos o percurso errado e ainda fomos a tempo de evitar que se fizessem mais duas células com capacidade megalómana para deposição de lixo.
A câmara diz ter dados que comprovam que o aterro excedeu a capacidade máxima da deposição de resíduos em altura. O que fez com essa informação? Enviámos para as entidades que licenciaram o aterro, APA e CCDR. A altimetria era parte integrante do projecto que foi apresentado e aprovado pela câmara e, como tal, tem que ser considerado, mas a CCDR desvaloriza. O vice-presidente da CCDR já disse que o que conta é a capacidade de absorção em toneladas.
A falta de habitação a custo controlado é um problema em Azambuja. Que medidas é que o seu executivo apresenta para que no futuro possa haver mais habitação pública? Estamos na fase da concretização dos projectos para a construção de 30 a 40 fogos em Azambuja e Vila Nova da Rainha para arrendar a preços acessíveis. Quero crer que em 2024 vamos conseguir dar início à obra. Em simultâneo temos previsto na Estratégia Local de Habitação a recuperação de habitações dos bairros dos guardas prisionais. Estamos a fazer o levantamento porque o Estado não tem conhecimento do património que tem. Não sabiam quantas habitações tinham em Vale Judeus, o que é grave.
Em que fase estão as negociações com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) para a cedência desses fogos dos bairros de Alcoentre e Vale Judeus à câmara, que já duram há mais de cinco anos? Estão no ponto de a ministra já ter dado indicações para que essas habitações passem para o município, mas falta formalizar essa cedência. Espero que seja breve porque estamos a falar de 101 apartamentos que podem albergar famílias. É preciso criar habitação para as pessoas se fixarem e é isso que queremos criar na parte norte do concelho.
Olhando para o estado de abandono que povoa esses bairros não foi uma crueldade a ordem que a DGRSP deu a 16 moradores para abandonarem as habitações onde viviam há décadas? Já acontece há uma série de anos a DGRSP fazer esse tipo de cartas a dizer às pessoas para abandonarem as casas, mas ainda ninguém foi despejado. Agora para quê fazer isso? Para ficar mais uma casa ao abandono, é a conclusão que se pode tirar.
Muitas famílias residentes em habitação social em Azambuja têm rendas em atraso. Não parece injusto não pagarem e continuarem lá a viver? É injusto. Tem que haver igualdade e é isso que estamos a fazer ao tentar chegar a acordo para que paguem as rendas. Não queremos despejar ninguém, o que queremos é chegar a esses acordos e normalizar situações de pessoas que arrendam casas na vila e têm a casa que lhes foi atribuída fechada. Temos lista de espera para habitação social, isto não pode acontecer.
Defendeu recentemente que o comércio local precisa de ser modernizado. Que modelos apresenta este executivo para ajudar a dar esse salto? Através do Hubslisbon Azambuja [projecto municipal] podem criar e informar-se sobre oportunidades ao nível de apoios e de programas que podem implementar. Já dei indicações para que haja uma atitude mais proactiva junto dos comerciantes.
E quando é que as compensações que o município prometeu dar aos comerciantes afectados pelas obras na rua principal vão chegar? Está para breve. Quem diz que foi prejudicado desde as obras vai ter que o provar através de facturação. Há, depois, uma margem que vamos cobrir, até aos dois mil euros. Tivemos uma comerciante que veio pedir apoio na ordem dos 56 mil euros. A câmara não tem capacidade financeira para tal.
Já há previsão para a requalificação do antigo cinema de Aveiras de Cima que o município comprou em 2018? Acho difícil que seja obra para este mandato. Temos coisas mais importantes para fazer, nomeadamente a reparação de estradas, alargamento do cemitério de Aveiras de Cima, renovação do sistema de abastecimento de água em Aveiras de Baixo...O projecto do cinema é ambicioso e implica um investimento na ordem dos seis milhões de euros. Temos que arranjar fundos comunitários, é um valor elevado para o orçamento municipal.
Um adepto do associativismo que vai à caça e ao café de fato-de-treino
Silvino Lúcio nasceu a 15 de Dezembro de 1958. Trabalhou duas décadas numa filial da Tudor e vive em Aveiras de Baixo, freguesia que muito lhe diz desde os tempos de criança, altura em que frequentava a escola primária há muito desactivada, e dos de juventude, quando se estreou nas lides autárquicas como presidente da junta de freguesia, feito que o seu pai havia tentado, embora sem sucesso.
Nesta entrevista, que decorreu no seu gabinete nos Paços do Concelho, diz que a política lhe tem trazido mais alegrias do que desilusões e que “é um privilégio estar ao serviço das pessoas”. Os louros dos objectivos cumpridos partilha-os com os seus “colegas vereadores e os recursos humanos da câmara”, que elogia.
A cumprir o seu primeiro mandato como presidente garante que continua igual a si próprio: vai à caça, ao café e bebe “uns copos de vez em quando”. Afirma, porém, que enquanto presidente do município tem que “adequar a sua postura” porque “ser autarca implica ser-se escrutinado por tudo e por todos os lados”. Num destes domingos, conta a título de exemplo, foi criticado por ter ido ao café de fato-de-treino. “Um presidente de câmara é uma pessoa como outra qualquer, não tem que andar sempre de fato e gravata”, diz.
Confessa ser-lhe difícil balancear a vida pessoal com a autárquica já que “ser autarca não tem horas”. Ainda assim, tenta “acompanhar o crescimento dos netos” já que não conseguiu fazê-lo com os filhos no tempo em que se dedicava “de alma e coração à Junta de Aveiras”. Militante do PS desde 1991, foi eleito na assembleia municipal, presidiu à comissão do PS de Azambuja e foi vereador com pelouros de 2009 a 2021. Integra os órgãos sociais de meia dúzia de associações do concelho por reconhecer valor e importância ao associativismo e é vice-presidente do Centro Social e Paroquial de Aveiras de Baixo.
Recandidatura é para decidir mais tarde
Tem 64 anos e está em cargos políticos há 34. Quando deixar de ser presidente da câmara vai directo para a reforma... Quando me reformar, e em 2025 penso estar reformado, vou continuar a fazer algo em prol das associações do concelho. Se vou a um segundo mandato ainda é cedo para decidir.
Aconselha-se com o seu antecessor Luís de Sousa? Não é uma questão de aconselhamento, porque cada um deve ter as suas ideias, mas falamos com frequência porque ele tinha o pelouro do Urbanismo e há situações que vêm do tempo dele e sobre as quais é preciso perceber-se o enquadramento.
A meio do último mandato passou de vereador a vice-presidente. Foi uma forma de chutar para canto a então vereadora Sílvia Vítor que era número dois na lista? Não. Foi uma decisão política. Ela achava-se no direito de ser vice-presidente por ser a número dois da lista, mas não tem que ser assim, e foi isso que fiz ver ao presidente nessa altura em que já estava definido internamente que me iria apresentar à comissão política do PS como candidato à câmara. Fazia sentido dar um sinal às pessoas de que o caminho seria este: o sucessor do presidente é o vice-presidente. Saiu pela mão dela, queria ser a número dois da lista, ofereci-lhe o número três e entendeu que não.
“Nova localização do aeroporto deve servir o país e não interesses regionais”
Defende alguma das localizações para a instalação do novo aeroporto? Não me é fácil responder... A nova localização do aeroporto deve servir acima de tudo o país e não interesses regionais. O Governo tem tardado em ter opinião sobre essa matéria que é um investimento importante e urgente para o país. Mas onde gostava de ver o novo aeroporto era na Ota, que não está excluída.
Essa é uma opção que traz más recordações a Azambuja... Traz más recordações porque já fomos devidamente penalizados. Na altura da governação de José Sócrates foi assinado um protocolo de compensações para os municípios, que saiu em Diário da República, e nada foi concretizado. Além disso fomos impedidos de implantar nas áreas de defesa do aeroporto casas, empresas e fomos prejudicados por isso.
Diz que não deve servir interesses regionais. A Ota iria beneficiar Azambuja ou o país? A Ota já esteve definida como tantas outras localizações, mas foi pena os Governos não terem tido a persistência para avançar com uma opção que estava bem defendida. No Montijo as alterações climáticas que se reflectem na subida da água do mar podem pôr em causa toda uma estrutura. Há que pensar bem nestas coisas. Fala-se muito na opção Santarém mas fica a mais de 70 quilómetros de Lisboa, parece-me um pouco desfasado, já o disse na Comunidade Intermunicipal [da Lezíria do Tejo].
Um dos investimentos prioritários a realizar em Azambuja, no âmbito das compensações pela desistência da implementação do aeroporto na Ota, era a requalificação da EN3. Década e meia depois a estrada está na mesma... Completamente, embora com um protocolo assinado em 2019 entre o município e a Infraestruturas de Portugal (IP). O ministro das Infraestruturas diz que o concurso público foi finalizado e que só estão à espera de autorização do Ministério das Finanças, por causa da despesa, para se poder avançar com a obra da construção das duas rotundas.
As juntas de Azambuja e Vila Nova da Rainha apresentaram uma proposta para resolver os problemas de tráfego e sinistralidade na Nacional 3, que prevê a construção de uma via de serviço com seis quilómetros para pesados de mercadorias. O que vai fazer com esta proposta? Levámos ao conhecimento da IP porque achamos que é um projecto que deve ser pensado. Também lançámos o desafio à IP para uma ligação entre Aveiras e Azambuja junto à A1. Podemos dar ideias mas é à IP que compete estudar as possibilidades e isso demora muito tempo. Todos demonstram preocupação, mas as coisas não andam. Às vezes sinto-me impotente para lutar com os poderes intermédios do Estado como as CCDR, IP, IGAMAOT... O tempo que algumas dessas entidades desconcentradas do Estado demoram a agir não se coaduna com as necessidades dos territórios. Temos o caso de uma empresa que se quer instalar em Aveiras e que há sete meses anda a tentar resolver uma questão com a IP. Estamos em risco de perder esse investimento.
Azambuja parece ser um íman para empresas de logística. Não há interesse em atrair empresas nas áreas da tecnologia e inovação que acarretam ofertas de emprego qualificado? Hoje em dia a logística já não é andar com um porta-paletes. Essas empresas têm capacidade para acolher técnicos especializados em sectores como a informática. Temos, fora da logística, o exemplo do Ecovaley, um investimento que vai para Aveiras de Cima e que tem a componente da habitação, serviços e indústrias ligadas à produção de hidrogénio e de carros eléctricos.
O que é que este concelho tem para oferecer aos jovens? Boa localização, bom ambiente urbano, segurança e ter perspectivas de ser mais atractivo em termos da modernidade e turismo. Mas reconheço que há carências na habitação e emprego de qualidade. Precisamos de uma política de maior aproximação aos jovens. É uma lacuna que a câmara deve melhorar.