Entrevista | 03-05-2023 15:00

Vila Franca de Xira está de olho em Lisboa e quer distinguir-se pelas tecnologias

Fernando Paulo Ferreira está a cumprir o primeiro mandato como presidente da Câmara de Vila Franca de Xira

Fernando Paulo Ferreira tem uma agenda alucinante, a avaliar pelo tempo necessário para se conseguir uma data para esta entrevista. O presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, cidade onde vive desde os três anos e meio, anda numa luta para criar condições para atrair empresas ligadas à tecnologia e anuncia a vitória de conseguir um dos maiores datacenters (centro de dados) da Península Ibérica.

Um dos projectos que o está a deixar entusiasmado é o de fazer do concelho uma referência na criação de microalgas resolvendo o problema das emissões poluentes. O autarca a cumprir o primeiro mandato, desenvolve as suas estratégias com um olho no concelho e outro na Grande Lisboa, querendo afirmar Vila Franca de Xira na área metropolitana como um bom local para investir e para viver. Uma das suas apostas é a criação de habitação para jovens e classe média, mas também incentivando urbanizações de qualidade que cativem bons quadros profissionais. A outra é não permitir que o concelho deixe de ter espaços para receber empresas. Está empenhado em melhorar a circulação no concelho e a mobilidade entre este e a capital.


No primeiro ano de mandato as contas tiveram um resultado líquido negativo de 16 milhões. Agora tiveram 10 milhões de saldo positivo. Em que cortou? Não se trata só de poupança, mas de investimento captado para o concelho. Os bons resultados das contas resultam da actividade económica que conseguimos atrair.
Está a falar do aumento de receita em impostos municipais? Estou a falar de dois impostos em concreto: derrama e IMT. No ano passado conseguimos trazer para Castanheira o maior investimento logístico nacional de 2022, com o grande investimento da Montepino. E isso explica os excelentes resultados que conseguimos.
O concelho tem cada vez mais empresas ligadas à logística. Não deveria haver maior diversidade empresarial? Continua a haver grande diversidade. Em termos de indústria continuamos a ser dos concelhos mais significativos da Área Metropolitana de Lisboa. Temos indústria moderna e muito ligada à captação de carbono como a produção das microalgas. Temos o sonho de criar um biocluster que não seja só de emissões nulas de CO2, mas que possa ser sobretudo de emissões negativas. Estamos a atrair novas tecnologias.
Que novas tecnologias? Um dos maiores datacenters da Península Ibérica que nascerá na zona de Castanheira. É um investimento gigantesco e estaremos a falar provavelmente em mil milhões de euros de investimento. É um datacenter com investigação na área das novas tecnologias. Conseguimos captar esse investimento porque o concelho está posicionado na entrada norte de Lisboa e, felizmente, ainda tem terrenos disponíveis.
E essa capacidade vai durar até quando? A procura é muito forte, mas na revisão do PDM estamos à procura de criar novas áreas de desenvolvimento empresarial e mais habitação. Precisamos de crescer em termos de habitação porque está muito ligada à facilidade de encontrar recursos humanos. Temos algumas soluções que compatibilizam bem os interesses de crescimento com os interesses ambientais.
A variante de Alverca é para esquecer? Estive recentemente com o secretário de Estado das Infraestruturas e foi um dos assuntos que lhe falei. A Infraestruturas de Portugal encontra-se a fazer o estudo relativo à variante de Alverca. Num primeiro momento pensaram fazer isso internamente, mas a complexidade da variante aconselha a que procurem uma equipa externa para trabalhar a fundo esta matéria. Está-se a preparar o procedimento para o desenvolvimento desse projecto através de empresa externa. A variante, tal como deve ser estruturada, deve permitir a ligação de dois importantes nós da auto--estrada, o de Alverca, que já existe, e o do Sobralinho, que se pretende criar.
Para atravessar o concelho pela EN10 chega-se a demorar uma hora. O que pretende fazer? O caminho é a transformação da EN10 numa grande avenida urbana. Foi o que se fez entre a Póvoa e Alverca com ciclovias e passeios. Para resolver o problema da pressão sobre a EN10 é fundamental abrir mais nós de acesso à auto-estrada. Daí o nó dos Caniços ser fundamental. Já lançámos o concurso para a nova ligação da Malvarosa à rotunda do Alambique, que permitirá escapatória diferente para a população de Alverca.
O polémico projecto das ciclovias da Póvoa ainda lhe tira o sono? Não! Estamos a criar mais bolsas de estacionamento na zona da Quinta da Piedade, onde vamos construir um novo parque urbano na zona do Casal da Serra. Antecipámos a requalificação do parque de estacionamento junto à estação da Póvoa, que já está em fase de projecto. Há-de haver uma altura em que será possível fazer a intervenção global nas ciclovias.
A assinatura do protocolo com a Euterpe para o antigo teatro Salvador Marques em Alhandra é a melhor solução ou a possível para dar nova vida àquele espaço? Estamos neste momento a revisitar o projecto inicial que foi travado, numa determinada altura, por uma providência cautelar. Estamos a adaptar esse projecto à nova realidade. Em segundo lugar estamos a preparar o processo para que seja candidatável a fundos europeus e isso deve acontecer em breve. Começa a aparecer que o PT2030 está a ser desenhado para incluir esta área das infraestruturas culturais municipais. Certamente que abrindo essa candidatura estaremos preparados para avançar com a construção. Será sempre para a construção de um centro cultural, um teatro moderno, que provavelmente implicará demolir o que existe hoje, para lhe dar maior área. Comprámos o edifício e um terreno ao lado. Isso não significa que não se faça com o jogo arquitectónico da construção um apelo à memória do antigo Salvador Marques que não é sequer este que hoje vemos, porque já tem a fachada alterada. Vamos criar ali mais um edifício icónico, espero.
Porque é que não se faz um estádio para o Vilafranquense SAD jogar na cidade? Estamos a estudar o alargamento das instalações desportivas do União Desportiva Vilafranquense. Até para preparar uma requalificação da entrada sul da cidade. O acordo entre a SAD e o UDV é da dimensão empresarial do futebol na qual as câmaras municipais não se devem meter.
Há reclamações de pessoas que dizem que a câmara demora imenso tempo a responder às solicitações ou reclamações. Há falta de pessoal? Estamos a trabalhar na melhoria dos serviços, mas ainda longe de conseguir a perfeição. A adaptação que temos feito dos nossos serviços caminha nesse sentido. Neste momento o número de processos a entrar na área do Urbanismo duplicou, o que significa que as pessoas estão a ter confiança nos serviços. Estamos a tentar dar respostas mais rápidas. A administração pública tem de se modernizar do ponto de vista das ofertas de carreira. Também temos no município dificuldades de recrutamento. Abrimos bastantes concursos que não se preenchem. É um problema sério.
Como está o processo para instalar o novo tribunal? Está na fase final, de revisão do projecto por parte de uma entidade externa. Está terminado do ponto de vista do programa funcional por parte do Ministério da Justiça e já recebemos o parecer final da Protecção Civil. Diria que dentro de três meses, no máximo, o projecto ficará fechado e será entregue ao Governo para que possa avançar com a obra.
A reforma do mapa judiciário foi em 2014 e desde essa altura que se coloca a necessidade de um novo tribunal, o actual não tem as condições mínimas…Isso só prova que essa reforma judiciária não só foi mal feita como foi feita em momento errado.
E para o terminal rodoferroviário da Póvoa, qual é a perspectiva? Foi uma das obras que se conseguiu antecipar na sequência dos bons resultados que tivemos em 2022. Estamos a fazer o projecto, que entre este ano e o próximo fica pronto.
Consegue viver bem com o passivo ambiental da Cimpor? Não convivemos bem com esse passivo ambiental e temos feito tudo para que as entidades acompanhem a situação. A Cimpor está a fazer um grande esforço para minorar as emissões de carbono e tem um projecto ambicioso nessa área. Há um grande projecto em que estamos empenhados que é de juntar toda a frente industrial e de logística de Alhandra à Bobadela, em conjunto com o município de Loures, para criar uma comunidade de empresas de energia e economia circular com a perspectiva de captar o CO2 para ser canalizado para a produção de microalgas, que pode transformar este núcleo empresarial não só em emissões zero como até negativas. Estamos a trabalhar também nas ETAR para utilizarmos as águas residuais na produção de microalgas.

Mudanças na gestão da saúde
O que é que já fez para que o hospital da cidade funcione melhor? A Saúde tem sido uma preocupação desde o início. Esta gestão do hospital tem feito um esforço de modernização dos serviços. Está a atrair novos médicos, inaugurou uma segunda máquina de TAC. Agora, os centros de saúde deixam muito a desejar com uma grande falta de médicos de família. Tenho reunido com o ministro da Saúde em conjunto com outros municípios e conseguimos que se faça uma auditoria para melhorar o funcionamento dos centros de saúde. O ministério está também a procurar uma nova solução para a gestão do Agrupamento de Centros de Saúde. Está a ponderar-se a criação de uma Unidade Local de Saúde, com uma gestão integrada entre o hospital e os centros de saúde.
Em comparação com a gestão privada, considera que o hospital funciona bem? Não tenho nenhum tipo de preconceito. O hospital só existe porque houve uma parceria público-privada. Não tenho nada a dizer sobre se a gestão é privada ou pública desde que o hospital integre o Serviço Nacional de Saúde. A actual administração pública não consegue tomar decisões de gestão porque tem plafons extremamente baixos e para fazer qualquer coisa está dependente de autorização do Ministério das Finanças. Isto não é possível para a realidade de um hospital moderno.

O político que não gosta da preguiça

Fernando Paulo Ferreira, nascido a 10 de Maio de 1973, está na política e lida bem com a crítica e a exposição pública, mas é reservado em relação à sua vida pessoal. Nesta entrevista avisa logo que não gosta de falar disso, mas há factos que pode contar como o de ter nascido em Moçambique e de ter vindo para Portugal com três anos e meio de idade. Gostou da infância e juventude em Vila Franca de Xira, onde estudou até ingressar no curso de Direito em Lisboa. Era um jovem que não se metia em grandes aventuras, mas costumava participar nas esperas e largadas de toiros da cidade, mas sem se atrever a tentar pegar os animais.
Gosta da cor azul e é eclético nas escolhas musicais e literárias, apesar de ter mais preferência pela música alternativa, o indie pop e rock, e nos livros pelos romances. O carro de serviço da câmara no qual se desloca tem 15 anos, mas isso não o preocupa. Admite vir a ter um carro novo quando forem instalados os novos postos de carregamento eléctrico, porque vai escolher uma viatura amiga do ambiente para dar o exemplo. O político, que exerceu advocacia, diz que o que o tira do sério é a preguiça. É casado e tem dois filhos na faculdade. Diz que a sua casa é como uma cooperativa em que cada um decide correr atrás dos seus objectivos e aceita as opções dos outros.
Gosta de passear em zonas ribeirinhas e para férias prefere a praia. Sempre foi bom aluno sem grandes problemas disciplinares. Escolheu a área do Direito porque achou que era um curso que o permitiria preparar-se para poder lutar melhor pelo que acha que é correcto. Quando estava no ensino superior já trabalhava na câmara como assessor do vereador Carlos Silva, quando a autarquia começou a candidatar-se aos fundos europeus e preparava candidaturas. Um dos projectos pelo qual tem carinho é o da reabilitação urbana de Vialonga, “que mudou a face da localidade em termos de segurança e vivência. Foi vereador do seu antecessor e assume que não costuma projectar o seu trajecto a longa distância.

Vila Franca Centro deve ter uma solução preferencialmente privada

O Vila Franca Centro é a maior mancha da cidade. Porque é que não se consegue resolver o problema? Quando o centro comercial nasceu já estava ultrapassado. Os espaços do centro foram vendidos como se fosse um condomínio habitacional. Isso foi um erro e foi o que ditou o seu fim. Quando os condóminos não se entendem torna-se impossível abrir ao público. Já fizemos três reuniões, para procurar um consenso, até porque a câmara é proprietária de uma parte do centro.
Consenso para quê? Tenho de tentar encontrar com as pessoas uma solução. Quem é proprietário de fracções não tem uma oportunidade, tem um problema. Por isso é preciso encontrar quem pegue no centro comercial e lhe dê um fim útil. A câmara fazer um último estudo de ocupação do edifício e sugeri que quem estiver interessado pudesse participar. Houve quatro ou cinco proprietários que se ofereceram e serão em breve chamados para discutir este assunto.
O que poderá surgir dali? Do lado da câmara estamos abertos a qualquer ideia. Estamos disponíveis para ter o edifício com comércio, como tínhamos, mas a funcionar de outra maneira. Para que tenha comércio e habitação. Para servir como um grande silo automóvel no centro da cidade para tirar os carros da rua. Qualquer solução pode ser boa, assim é que não pode continuar.
Em último caso a câmara tem condições para comprar o espaço? Teremos sempre a última palavra devido ao direito de preferência, porque o edifício está incluído em Área de Reabilitação Urbana. Prefiro que o mercado funcione. Que sejam os privados a desenvolver um projecto para o local. A câmara no momento certo tomará a decisão e aí não serei apenas eu ou o PS a decidir.
Há quem acuse a câmara de pressionar os proprietários para vender… Estamos a pressionar os proprietários a resolver um problema que têm em mãos e um problema que a cidade tem em mãos. Só isso. A solução será a que obtiver consenso. Se não houver um consenso a câmara tomará as medidas que tiver de tomar.

É cada vez mais difícil arranjar pessoas para as listas autárquicas

É visto como o delfim de Maria da Luz Rosinha. A influência política que ela tem no PS foi fundamental para ser o candidato à câmara? Não sei. Tem de perguntar aos militantes que votaram em mim. O facto de ter havido outro candidato e de se terem feito debates internos abertos e leais desmistifica isso. Devo dizer que nos 90 anos do Colete Encarnado juntei os três presidentes de câmara da vida democrática.
Que relação tem com o outro candidato, o António Oliveira? Não é meu adversário e encontramo-nos com regularidade nas reuniões partidárias.
Percebo que não têm uma relação de proximidade... Hoje em dia tenho pouco tempo para ter outra vida que não seja a de autarca, que é difícil.
Era capaz de fazer o que o seu antecessor fez que foi sair antes de poder fazer mais um mandato? Ainda é cedo para falar disso. Estou empenhado neste mandato. Espero que tenha a ocasião de me ir perguntando se estou bem com a missão.
Lida bem com as críticas? Lido! É a democracia, temos de estar disponíveis para ouvir críticas. Em termos partidários não tenho adversários, tenho camaradas.
Como lida com a crítica de que o PS enterrou a cabeça na areia no caso da demissão de João Santos na Junta de Vila Franca de Xira? Tem de perguntar ao presidente da concelhia. O assunto resolveu--se dentro das regras partidárias. A função de um presidente de câmara é da gestão do município e é nesse contexto que me coloco.
Porque é que não interveio publicamente no assunto? Desejo-lhe sorte e sucesso na sua vida. Acho que fez um bom trabalho enquanto presidente de junta. Acho que esteve sempre de boa-fé. Sou muito próximo dos presidentes de juntas.
As juventudes partidárias são um percurso rápido para subir na vida política? A sociedade está a mudar muito. Já estamos numa fase de análise diferente, que é de a médio prazo conseguirmos encontrar pessoas disponíveis para abraçar as causas públicas, pela complexidade que as funções têm e pelos rendimentos. É cada vez mais difícil arranjar pessoas para as listas para as juntas ou para as câmaras. As pessoas estão muito pouco disponíveis para o escrutínio e exposição que estes cargos implicam.
Há cada vez mais jovens a saír das universidades directamente para a política. Gerir o erário público sem conhecer a vida das pessoas não é perigoso? Gerir o erário público implica grande responsabilidade, mas implica também muito conhecimento e isso obriga a muito estudo. Gerir hoje uma autarquia não tem nada a ver com o que era nos anos 70.

Hotéis de charme e mais habitação

O que é mais vantajoso: promover a tauromaquia ou o turismo de natureza? Estamos a apostar em ambos. A diversidade é a nossa mais-valia, quer cultural quer de natureza. Projectos como o Evoa, a proximidade ao Tejo, a utilização do Tejo para turismo e desporto são cartas importantes que temos. Tendo em conta a forma como a população mundial hoje se move no turismo, temos a vantagem da proximidade a Lisboa. Isso implica criar mais alojamento.
Há interessados em investir no sector hoteleiro no concelho? Começamos a ser procurados por cadeias de hotéis de charme, aproveitando as quintas antigas. Estamos a trabalhar com o grupo Memmo na instalação de um hotel de charme na Quinta do Bulhaco, em Trancoso. O edifício já está coberto com estrutura para parar o estado de degradação.
E em termos de habitação, qual é a perspectiva? Temos um levantamento de 111 agregados em casas antigas. Estamos a tentar resolver os problemas do antigo património da Promocasa, que inclui o Bairro dos Avieiros. Estamos a rever a estratégia municipal de habitação para criar condições para que a câmara possa fazer habitação a rendas acessíveis, para jovens e para as classes médias. Temos andado a tentar atrair promotores imobiliários com projectos de Built to Rent com perspectiva de construção para arrendamento.
Quem é que pretende captar com mais habitação? Há um grande esforço a fazer para criar uma nova escala para a cidade. Isso significa aproximá-la de Lisboa do ponto de vista da mobilidade e criar mais espaços de desenvolvimento habitacional e comercial. É fundamental para a cidade ter mais massa crítica. É esse caminho que iremos percorrer.
Como é que vai haver mais mobilidade? É muito importante que a questão da modernização da Linha do Norte aconteça e depressa, para garantirmos que o acesso a Lisboa seja feito rapidamente. A quadruplicação da linha tem de acontecer e rapidamente. Porque meter o comboio rápido nas linhas que já existem, vai fazer com que não exista espaço para os sub-urbanos. Isso não podemos aceitar.
A urbanização Vila Rio, que tem sido criticada por estar junto ao Tejo, é uma boa opção? Basta olhar para o Parque das Nações para perceber o que é uma boa ou má urbanização. O resto depende dos gostos. Tem todos os requisitos para ser uma das melhores urbanizações da Área Metropolitana de Lisboa.

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