“Em Azambuja as mulheres são relegadas para papéis secundários na política”
Helena Maciel é vice-presidente da concelhia de Azambuja do CDS-PP, ex-militar e bombeira voluntária. A sua acção, na qualidade de eleita pela coligação Sempre ao Seu Lado, tem-se notado pelas intervenções assertivas nas sessões da Assembleia Municipal de Azambuja, órgão no qual têm assento apenas nove mulheres.
É natural de Barcelos e mudou-se para o concelho de Azambuja em 2007. Foi por cá que decidiu entrar na vida política ou já tinha ligação ao CDS?
Não. Cumpri na íntegra o que me foi pedido como militar da Forças Armadas, onde estive durante 10 anos, que foi ser apartidária, mas consciente da realidade das comunidades. Quando me mudei comecei a intervir enquanto moradora. Em 2017 convidaram-me, achei que valia a pena perceber de que forma podia contribuir. Fiz a campanha de 2017 ainda como independente e em 2018 filiei-me.
O CDS de Azambuja afirma-se como alternativa mas para ir a votos tem dependido da coligação com o PSD. Não é um contra-senso?
Em 2017 não dependeu, fez lista própria e teve candidatos às juntas de Azambuja e Aveiras de Baixo, à câmara e assembleia municipal. Depois veio o efeito dominó da situação nacional em que perdemos peso, capacidade de financiamento para fazermos uma campanha digna o que levou à coligação. Alguns dos desígnios do PSD para o concelho têm ligação ao que defendemos mas há divergências. Se conseguirmos voltar a ter a força de 2017 será possível uma candidatura e sermos exactamente uma alternativa.
O aparecimento do Chega em Azambuja tem contribuído para esse esvaziamento político do CDS?
Os jovens neste momento são muito manipuláveis e tornam-se vulneráveis pelas bandeiras de paixão, que passam rápido. Percebo que alguns estejam descontentes face àquilo que é o peso significativo que a máquina PS tem no concelho e que cria, nos jovens, desalento na política. É preciso ouvi-los e a verdade é que o Chega lhes deu esse espaço com festas, encontros e lutas por causas. Mas o que fez decair o partido foi uma conjugação de factores. Tivemos a Assunção Cristas e depois um fosso que resultou numa estratégia de aposta nos jovens. Grande parte das pessoas do CDS criou um sentimento de frustração porque não conhecia aquelas novas pessoas.
Que balanço faz deste novo ciclo na Assembleia Municipal de Azambuja?
Quem prepara as reuniões continuam a ser os grupos municipais do PSD/CDS e da CDU, e alguns presidentes de junta porque outros não abrem a boca. A CDU, sem ser contra as decisões do PS, leva matéria crítica e quer criar a ideia de que afinal ainda tem pensamento próprio. Será que tem? É discutível. Por outro lado, é importante ter consciência de que em 24 membros da assembleia municipal só nove são femininos. É um grupo muito baixo para a participação política e cívica das mulheres.
Culpa das mulheres que não se colocam nesse caminho ou não há espaço para o sexo feminino na política em Azambuja?
As mulheres têm que conseguir a pulso um espaço na política que aos homens é dado de barato. Em Azambuja temos as mulheres relegadas para papéis secundários na política. Talvez seja útil pensar porque é que todos os presidentes de junta são homens.
A falta de médicos de família tem sido uma das maiores dores deste concelho. O que podia a Câmara de Azambuja fazer que não esteja a ser feito?
O programa eleitoral deste executivo (PS) assume a Saúde como prioridade mas esta exigência ficou apenas como carta de intenção. Andam a fazer pim-pam-pum nas tentativas de captar médicos quando já vimos que o regulamento de incentivos não funciona e que a estratégia de retenção de capital humano não existe. Por outro lado, a câmara aceita a transferência de competências da Saúde mediante uma caução de 150 mil euros para ar condicionado e 250 mil euros para recuperar o Centro de Saúde de Alcoentre e isso é muito pobre para uma visão estratégica.
Não olha para o possível protocolo entre a Administração Regional de Saúde e a Cerci como uma tábua de salvação?
Não vai avançar. O ministro já disse que as USF modelo C são para futuro e não podem acontecer sem se esgotar a possibilidade de se fazer acordos com o que está estipulado, que é com a União das Misericórdias. Neste caso, a Misericórdia de Azambuja voltou as costas ao poder político, bateu-lhe com a porta na cara.
Em matérias de Educação, o município apresentou uma taxa de execução de 80%. Neste caso está satisfeita com a aposta?
É um contra-senso. Mostra que por causa da transferência de competências a câmara sentiu necessidade de estar mais atenta à falta de recursos e equipamentos. Se fosse presidente de câmara ficaria preocupada quando tenho uma lista de espera de 128 crianças sem vaga. É um desincentivo à natalidade; é urgentíssimo haver mais resposta de creche. A requalificação do JI/Escola Básica de Vila Nova da Rainha foi uma opção política, com um projecto escondido que só veio a público tarde e porque tinha de ser. Melhorou-se o conforto, deu-se uma ideia de refrescamento dos equipamentos mas a resposta é a mesma de há 10 anos.
A futura subestação elevadora de tensão de 60kV para 400kV em Vila Nova da Rainha é um assunto que lhe tira o sono?
É um assunto que me põe a pensar se devo manter a minha residência. Tivemos a situação da Ota a hipotecar o futuro do concelho, mas este município não aprendeu e agora não consegue articular um Plano Director Municipal que pense no que será a estratégia deste concelho. Ou essa estratégia é um concelho confinado entre linhas de alta tensão e caminhos de ferro? Além disso quando o presidente da câmara dá indicação que não há risco nenhum porque a casa mais próxima é a 300 metros como se explica que a seguir comece a licenciar casas nas imediações? Se houver consequências para a saúde quem se vai responsabilizar? Além disso o retorno para a freguesia deveria ser gradual e permanente. A câmara aceitar 30 e tal mil euros da EDP para requalificar um parque infantil é atirar dinheiro para o problema; e aqui há interferência política porque o presidente da câmara disse que quem decidiu a distribuição de verba foi ele.
Que visão tem uma licenciada em História da Arte sobre o plano cultural e turístico do concelho?
É uma matéria que me dói. As festas são sempre as mesmas e não há diversidade, o que também mostra que não temos espaços culturais dignos desse nome. A cultura tem que se alimentar ao longo do ano para formar públicos e só há uma forma que é conseguir integrar programas culturais intermunicipais. No turismo o município está mais consciente dessa necessidade de trabalhar em rede.
Mulher militar, segurança privada e bombeira voluntária
Helena Maciel nasceu há 43 anos em Barcelos, distrito de Braga. Mudou-se para Lisboa, para frequentar a licenciatura em História da Arte, que interrompeu no 2º ano e retomou mais tarde, para ingressar no Exército, uma ambição que surgiu nos tempos da adolescência e que ocultou à família com receio das reacções. “Só comuniquei ao meu pai no dia em que lhe pedi para me deixar na porta de armas. Acho que não percebeu até lhe aparecer em casa fardada”. Foi militar durante 10 anos, numa experiência que define como “escola de vida” e da qual saiu aos 30 anos, “nada arrependida” pela escolha que, lamenta, faz parte do caminho de “muito poucos porque vivemos numa sociedade de facilitismo”.
Depois de residir em quartos arrendados na capital escolheu fixar-se em Vila Nova da Rainha, onde os serviços são praticamente inexistentes. “A Câmara de Azambuja tem as suas freguesias dependentes da sede de concelho”, critica. Solteira e sem filhos, dedica-se à sua profissão enquanto formadora de segurança privada, à causa pública e ao voluntariado nos Bombeiros de Azambuja. Um acidente com várias vítimas na Estrada Nacional 3, que aguarda por obras há anos, é uma das ocorrências que não esquece.
“Adia-se a solução. Há indiferença para as vidas que se perderam, para as famílias que ficaram e para os utilizadores que sentem insegurança a andar nesta estrada porque não há alternativa”, diz, defendendo a aposta em horários restritos e alternados para os veículos pesados da plataforma logística. Define-se como disciplinada, leal e com um temperamento fogacho. Tem como objectivo contribuir para a criação de “consciência cívica” na população que, lamenta, devia ter mais oportunidade de se expressar e acompanhar o poder local. “À hora das reuniões de câmara as pessoas estão a trabalhar. A decisão de quem pode vai e quem não pode não vai é um principio errado”, diz, defendendo reuniões em horário pós-laboral.